Mais de dois milhões de pessoas se declaram negras (pretos e pardos) na Paraíba, segundo o censo demográfico de 2010, feito pelo IBGE. Este número representa 58% dos habitantes do Estado. Diante desta realidade, a Secretaria de Estado da Saúde (SES), por meio do Núcleo de Atenção à Saúde da População Negra, lembra a importância do Novembro Negro, que estimula a reflexão sobre a inserção do negro na sociedade. Para marcar o evento, nesta terça-feira (21) a SES inicia, por meio de parceria entre o Hemocentro da Paraíba e o Comitê Técnico Estadual de Saúde da População Negra, a campanha de Recadastramento de Pessoas com Doença Falciforme na Paraíba. A solenidade de abertura da campanha acontecerá no Hemocentro da Paraíba, a partir das 9h.

“A partir do recadastramento, poderão ser atualizadas as informações sobre quem são, onde estão e quantas são as pessoas com a Doença Falciforme no Estado, bem como realizar o cadastramento de pessoas que ainda não estejam inseridas e que podem advir de serviços privados”, explicou Adélia de Moura Gomes.

As pessoas com doença falciforme deverão procurar os Hemocentros de João Pessoa, Campina Grande e Hemonúcleos mais próximos de sua residência a partir desta terça-feira (21) até 21 de janeiro de 2018 e apresentar os seguintes documentos: registro de nascimento ou RG; cartão SUS, comprovante de residência; exames de eletroforese de hemoglobina e classificação sanguínea.

Parte significativa da população negra da Paraíba, especialmente os residentes em comunidades remanescentes de quilombos ou nas periferias, apresenta condições de alta vulnerabilidade social e econômica. “Ainda é um retrato da escravidão que o Brasil vivenciou durante mais de 300 anos. O negro não foi incluído à cidadania após a abolição, viveu à margem da sociedade, sem emprego, moradia, educação, acesso à saúde, entre outros direitos fundamentais. Além disso, a população negra é vítima de racismo em todos os espaços de convivência social, inclusive nos espaços públicos, o que dificulta, por exemplo, o acesso a serviços de saúde de forma qualificada”, afirmou a coordenadora do Núcleo de Atenção à Saúde da População Negra, Adélia de Moura Gomes.

Agravos – De acordo com o Ministério da Saúde, as doenças mais importantes de caráter étnico que afetam a população negra são: a doença falciforme; a deficiência de 6-glicose-fosfato-desidrogenase; a hipertensão arterial; a doença hipertensiva específica da gravidez; e o diabetes mellitus.

Além dessas doenças, outras podem ser enumeradas, decorrentes das condições de vulnerabilidade a que a população negra está exposta, como: desnutrição, doenças do trabalho, DST/Aids, mortes violentas, mortalidade infantil, sofrimento psíquico, transtornos mentais (derivados do uso abusivo de álcool e drogas), doenças infecciosas e parasitárias e problemas decorrentes de gravidez, parto e puerpério.

“A população precisa ter acesso à informação para que, assim, busque adequadamente os serviços de saúde. Reforçamos aos profissionais de saúde que intensifiquem as campanhas, envolvendo todas as esferas”, alertou Adélia de Moura Gomes.

Doença falciforme – A doença falciforme é umas das alterações genéticas mais freqüentes no Brasil e constitui-se em um grupo de doenças genéticas caracterizadas pela predominância da hemoglobina S (HBS) nas hemácias: anemia falciforme (HbSS), HbSC, S-talassemias e outras mais raras, como as Hb SD e Hb SE.

A gravidade clínica da doença falciforme é variável, mas a maioria apresenta as formas crônica e grave da doença, exacerbada pelas chamadas “crises”. A morbidade e a mortalidade são o resultado de infecções, anemia hemolítica e de microinfartos decorrentes de uma vaso-oclusão microvascular difusa. Os sintomas mudam de acordo com a idade do paciente e, sobretudo, segundo os cuidados que se têm para preveni-los. As principais manifestações e complicações da doença falciforme são: anemia crônica e icterícia; crises de dor; infecções; sequestro esplênico agudo; acidente vascular isquêmico nas crianças e adolescentes e úlcera de perna.

“A população negra precisa saber que, se quiser ter um filho, é interessante receber orientação genética que, entre outras doenças, vai identificar a probabilidade de gerar filhos com a doença falciforme, por exemplo. A mulher deve precisa saber que no pré-natal ela pode ter acesso ao exame de eletroforese de hemoglobina, que vai identificar se ela tem a doença ou o traço falciforme e que, se confirmada, vai necessitar de uma atenção diferenciada no pré-natal, parto e pós-parto”, orientou Adélia.

A assistência às pessoas com doença falciforme, como em toda doença crônica, deve privilegiar a atenção multiprofissional e interdisciplinar. Dessa forma, os pacientes devem ser acompanhados pelos três níveis de atenção: primária (unidades básicas de saúde), secundária (hematologistas, cardiologistas, neurologistas, etc) e terciária (hospitais de alta complexidade, urgência e emergência, etc).

Saúde – Entre os avanços na saúde da população negra está a institucionalização da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (Portaria 992 de 13 de maio de 2009), quando se reconheceu que o racismo, as desigualdades étnico-raciais e o racismo institucional são determinantes sociais nas condições de saúde, com o grande objetivo de se promover a equidade em saúde.

Ainda é possível observar a implementação da coleta do quesito raça/cor nos formulários do SUS (portaria 344 de 1 de fevereiro de 2017).  “É importante destacar que o governo da Paraíba, em 2012, assinou o decreto 33.486 de 19 de Novembro de 2012, que inclui o quesito raça/cor em todos os formulários, fichas, prontuários e demais serviços públicos prestados no âmbito do poder público estadual”, ressaltou Adélia.

O Ministério da Saúde criou, ainda, campanhas como: Campanha de 100 anos da descoberta da Doença Falciforme (2010); SUS sem Racismo e Mulher Negra e Saúde: “A invisibilidade adoece e mata” (2011); “Racismo faz mal à Saúde. Denuncie!”, voltada para profissionais e pacientes e incentiva a população a denunciar o racismo pelo telefone 136 (2014); ofertas de cursos e capacitações para profissionais de saúde.

Dia Nacional da Consciência Negra – É celebrado, no Brasil, em 20 de novembro, desde o ano de 2003. A ocasião é dedicada à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695.

O Brasil é o maior país negro fora da África e carrega uma longa história de escravização de negros e negras sequestrados de suas terras. A relação étnica e econômica coloca o racismo não só como um fenômeno a ser combatido na sua expressão cultural, mas também na sua base material que o torna um elemento dos problemas sociais primeiramente para os negros, mas com reflexos para o conjunto dos oprimidos e explorados. Por isso, debater a nossa consciência está para além das datas.