Geraldo Vandré fala sobre obra e política antes de voltar aos palcos após 50 anos

“Desde de 1968 que praticamente não canto no Brasil, canto aqui porque é a Paraíba”. Geraldo Vandré foi enfático, em rara entrevista nesta quarta-feira (21), ao afirmar que só volta aos palcos após 50 anos para prestar uma reverência ao seu estado natal e honrar um compromisso firmado com a Paraíba. O cantor de 82 anos se apresenta na sala de concertos do Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa na quinta-feira (22) e sexta-feira (23), com a Orquestra Sinfônica da Paraíba e a pianista Beatriz Malnic.

Em pouco menos de 30 minutos, jovens, adultos e idosos esgotaram as cargas de ingressos distribuidos gratuitamente para os dois dias de shows, custeados pela Secretaria de Cultura da Paraíba (Secult) na manhã desta quarta-feira. A capacidade da sala é de 570 pessoas, de acordo com a Secult. O secretário de cultura da Paraíba, Lau Siqueira, explicou que o cantor abriu mão do cachê e que o estado arcou com os custos da realização.

Ainda lúcido, a voz vacilante em alguns momentos, Geraldo Vandré falou por cerca de uma hora a jornalistas de veículos de comunicação da Paraíba e de outros estados do Nordeste sobre o porquê de voltar aos palcos.

Com um boné que faz menção às Forças Armadas e recitando em determinado momento um poema anotado em um cartão da FAB, meia década depois, o paraibano precisou responder mais sobre política do que sobre a própria obra, tendo em vista a pouca produção artística posterior a 1968, quando decidiu parar a carreira, após o Ato Institucional nº 5, durante o regime militar. “Fiz canções no Brasil de 1961 até 1968. Eu tenho um produção musical que é anterior a 1968, até esse acontecimento fatídico, revolucionário”, comentou.

Em um outro momento, ao ser questionado sobre ter um posicionamento de esquerda ou de direita, o cantor usou uma metáfora como resposta.

“Na mão esquerda trago uma certeza, na mão direita uma garantia. Atenção, às vezes eu troco de mãos”, contemporizou Geraldo Vandré.

A proposta do retorno aos palcos 50 anos depois, na Paraíba, surgiu em uma conversa do Governo do Estado com Geraldo Vandré durante o festival de cinema Aruanda, no final de 2015, quando o cantor não retornava ao estado onde nasceu fazia 20 anos.

“Geraldo está doando esse show à Paraíba, é mais um ato de subversão. Custeamos a estrutura, a viagem. É um presente à Paraíba e ao Brasil, e um tapa no mercado fonográfico”, destacou o secretário de cultura Lau Siqueira, ressaltando também que muitos artistas vêm ao estado e cobram valores vultosos para apresentações gratuitas à população, bancadas pelo poder público.

Show de Geraldo Vandré em João Pessoa

A apresentação vai acontecer em dois momentos, no primeiro, um recital de poemas do próprio Vandré em um composição com a pianista Beatriz Malnic. A segunda parte do retorno de Vandré acontece com a ajuda da Orquestra Sinfônica da Paraíba e o Coro Sinfônico da Paraíba. De acordo com o maestro Luiz Carlos Durier, o repertório é composto por quatro músicas de autoria de Vandré, mas com arranjos próprios da música clássica.

Apenas uma delas é mais conhecida do grande público, o clássico “Pra Dizer Que Não Falei das Flores”, ou como é chamada popularmente “Caminhando e Cantando”. As demais do repertório, Fabiana, música feita em homenagem à Força Aérea Brasileira (FAB); Mensagem, homenagem à bandeira da Paraíba; e Pátria Amada Salve Salve, de teor nacionalista, completam a parte orquestrada da apresentação.

O maestro Luiz Carlos Durier confidenciou que o repertório foi determinado pelo próprio Vandré e que “Disparada”, outro clássico, sem tanta força política, por opção do cantor paraibano não foi contemplada nesse show carregado de simbologia. “Particularmente, fiquei triste, pois Disparada é uma canção harmonicamente muito forte, além de ter uma letra marcante, que toca na alma, mas foi uma condição dele”, explicou Durier.

Trechos da entrevista com Geraldo Vandré

“Em 1968 eu parei de cantar. Fiz canções no Brasil de 1961 até 1968. Eu tenho um produção musical que é anterior a 1968, até esse acontecimento fatídico, revolucionário”, sobre sua produção artística até o AI-5, que o obrigou a exilar-se no Chile.

“Tive a possibilidade de preparar um coral de 300 infantes, ensaiei três meses com eles e apresentamos essa canção Fabiana. Lembro no domingo seguinte de um jornal, não vou nem citar o jornal, com a manchete ‘Geraldo Vandré trocou de camisa, cantando com seus algozes’, veja que coisa interessante”, sobre a música em homenagem à FAB.

“Eu soube que tinha sido morto em um quartel do exército no Rio de Janeiro. Foi alvo de muita especulação. Mas é preciso que se diga que as Forças Armadas Brasileiras, propriamente ditas, naquele instante, sabiam mais de mim do que eu mesmo, infelizmente”, sobre comentários que as pessoas faziam à época da perseguição dos militares.

“A última vez em que eu votei, votei em Marechal Lott. Naquela época você podia votar para presidente em um candidato e para vice-presidente no outro. E eu votei Lott e Jango, e deu “Janjan”, Jânio e Jango”, sobre sua participação política antes da ditadura.

G1.