Funcionária do Carrefour diz à polícia que não ouviu gritos de socorro de João Alberto

A Polícia Civil investiga se uma funcionária do Carrefour mentiu no depoimento sobre a morte de João Alberto Freitas, homem negro de 40 anos que foi espancado por dois seguranças do mercado em Porto Alegre, na noite de quinta-feira (19), véspera do Dia da Consciência Negra.

Agente de fiscalização do supermercado, Adriana Roberta Bertoldo disse que o policial militar preso pelo crime era cliente da loja, e não um funcionário da empresa de segurança. Também afirmou que não ouviu João Beto pedir ajuda.

“O que nós observamos é que houve declarações contraditórias. Resta até o final do inquérito [saber] se essas contradições foram motivadas por algo que se queria encobrir ou não”, declarou a delegada Roberta Bertoldo sobre o depoimento de Adriana.

Agressores de João Beto, o segurança Magno Braz Borges, de 30 anos, e Giovane Gaspar da Silva, de 24, que também é PM temporário, foram presos em flagrante na noite do crime.

Veja as principais contradições apuradas no depoimento de Adriana:

  • disse que o PM temporário Geovane Gaspar da Silva era um cliente da loja; mas a apuração já constatou que ele era funcionário da empresa de segurança Vector, contratada pelo Carrefour;
  • contou à polícia que João Beto empurrou uma senhora dentro da loja, porém não há imagem que comprove isso;
  • falou que não ouviu a vítima pedir por ajuda; no entanto, nas gravações é possível ouvir os gritos de João por diversas vezes;
  • e afirmou que pediu várias vezes para que os seguranças largassem João; contudo as imagens mostram-na apenas tentando impedir a gravação.

Cronologia do depoimento da funcionária

Adriana, que aparece de blusa branca nas imagens gravadas no Carrefour, disse no depoimento que estava no setor de bazar quando foi chamada para atender uma situação de atrito entre um cliente e uma funcionária – a fiscal de caixa que aparece de preto nas imagens.

Ela afirmou que um cliente, que ela soube ser policial militar, já tentava apaziguar a situação. Mas, na verdade, essa pessoa que Adriana chamou de cliente era o PM temporário Geovane Gaspar da Silva, segurança empresa contratada pelo supermercado.

Adriana declarou que João Beto era uma pessoa agressiva e que já tinha entrado em atrito com os fiscais anteriormente. Contou também que, quando era escoltado para fora da loja, João empurrou uma senhora. Isto não aparece nas filmagens disponíveis até o momento.

Adriana ainda disse que a vítima deu um soco no PM e que os dois, então, “se embolaram”. Contou que chamou a Brigada Militar – como é conhecida a Polícia Militar no Rio Grande do Sul, e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) quando viu o sangue da vítima e que ela tinha desmaiado.

A funcionária relatou que João Beto fez xingamentos no momento em que ela chamou de “contenção” e que não ouviu a vítima pedir por ajuda. Nas gravações, é possível ouvir os gritos de João por diversas vezes.

No depoimento, Adriana afirmou que pediu várias vezes para que os “rapazes” largassem João, reforçando que Geovane era cliente, e não segurança. Nas gravações, não é possível ouvir isso. O que se ouve é diferente do que ela disse para a polícia.

“Se acalma pra gente poder te soltar, a brigada tá chegando aí, tá bom? (…) A gente não vai te soltar pra ti bater em nós de novo?”, diz Adriana na gravação.

Quando ela percebeu que a cena estava sendo gravada, tentou impedir. “Não faz isso, não faz isso que eu vou te queimar na loja”, afirmou.

Polícia Civil espera autorização para ouvir seguranças

A Polícia Civil informou que espera, nesta terça-feira (24), a autorização da Justiça para ouvir os dois seguranças que espancaram João Alberto até a morte. Eles estão presos desde a noite do crime. A prisão em flagrante já foi convertida em preventiva.

O PM temporário Geovane Gaspar da Silva e o segurança Magno Braz Borges ficaram em silêncio no dia da prisão e ainda não deram as suas versões para o crime.

“Tão logo nós recebamos a autorização judicial, dar acesso a eles ao sistema prisional, para que eles possam esclarecer essas declarações e junto a isso compará-las com aquilo que foi referido pelas próprias testemunhas que estavam no entorno e que também ouviram e viram todas as situações que passaram ali”, explicou a delegada Roberta Bertoldo.

Nesta segunda-feira (23), a Polícia Civil informou que sete pessoas são investigadas no inquérito que apura morte de João Alberto.

Investigações

A investigação apura se, além dos dois seguranças, os demais investigados cometeram crime de omissão de socorro. Todos estavam presentes na hora do espancamento de João Beto. Os nomes dos demais investigados não foram divulgados pela polícia.

A delegada falou sobre as contradições de pessoas que prestaram depoimento:

“Inicialmente se apontou que João havia agredido fisicamente uma mulher no interior do estabelecimento, mas as câmeras de segurança mostraram que não houve essa agressão [veja vídeo abaixo], que na verdade houve um certo mal-entendido entre um gesto que ele teria feito a uma fiscal que decorre dessa situação, então inúmeras questões vêm sendo ditas, ou desditas, ou não comprovadas”.

Com base no que disseram duas investigadas no depoimento, a Polícia Civil está procurando saber se houve desentendimentos anteriores entre João Beto e funcionários e seguranças do Carrefour.

Uma funcionária declarou que “a vítima seria uma pessoa agressiva e que havia entrado em atrito com os fiscais de loja em outras datas”, conforme transcrição do depoimento.

Por isso, a delegada solicitou imagens das câmeras de segurança do supermercado para tentar identificar alguma cena que prove isso.

Já uma fiscal de caixa disse que “soube pelas colegas que João esteve no mercado embriagado e importunou outros clientes que lá estavam, tendo sido pedido para que ele também se retirasse do ambiente”, conforme consta no depoimento, obtido com exclusividade pelo Fantástico.

Os investigadores estão analisando também os vídeos feitos pelas testemunhas que pediam para os seguranças pararem de agredir João Alberto.

Em um deles, ouve-se a fala de um funcionário dizendo para quem via o espancamento que funcionários foram agredidos por João Alberto dentro do supermercado. Ela usa a expressão “se botou”, querendo dizer que João teria tentado agredir alguém, para explicar o que tinha acontecido.

Os policiais identificaram também quem foi a pessoa que falou para João “não fazer cena”, pois já “havia avisado outra vez”, enquanto João Alberto estava no chão, que é outro segurança da equipe do supermercado.

O que diz a defesa do PM preso

Veja, abaixo, a íntegra do depoimento de David Leal, advogado de Giovane Gaspar:

“Não foi meu cliente que pressionou o João Alberto. Os socos e tapas não foram os que causaram a morte. Ele não foi responsável pela morte. Não é responsável pelo crime doloso. No máximo pode ser responsabilizado por lesão corporal. O João Alberto já veio com corte na boca de uma briga que teve no mesmo dia ou no dia anterior. Aquele sangue não foi resultado da agressão sofrida naquela noite. Meu cliente, o Giovane, falou com toda certeza que ele estava sob efeito de entorpecentes. O resultado morte não foi ele que causou porque não foi ele que pressionou o João Alberto”.

Do G1.