Fabricante de hidroxicloroquina recebeu R$ 20 milhões do BNDES em 2020

No ano passado, Apsen Farmacêutica assinou dois contratos de empréstimo com o governo Bolsonaro, totalizando R$ 153 milhões

Fabricante de hidroxicloroquina recebeu R$ 20 milhões do BNDES em 2020
Presidente Jair Bolsonaro em campanha pelo uso da hidroxicloroquina, no ano passado - Foto: Reprodução/Facebook

A Apsen Farmacêutica, principal fabricante de hidroxicloroquina do Brasil, assinou dois contratos de empréstimo com o BNDES em 2020, no total de R$ 153 milhões, para investir em atividades de pesquisa e ampliar sua capacidade produtiva. O valor é sete vezes maior do que o crédito liberado para a empresa nos 16 anos anteriores.

O primeiro acordo, assinado em fevereiro de 2020, prevê financiamento de até R$ 94,8 milhões para o “plano de investimentos em inovação” da companhia. Desse montante, o banco desembolsou R$ 20 milhões em março do ano passado.

Já o segundo financiamento, de R$ 58,9 milhões, foi assinado em junho para “ampliar a capacidade produtiva e de embalagem no complexo industrial da Apsen, em São Paulo”. Os recursos aprovados nesse acordo ainda não foram liberados pelo BNDES. As informações constam no site da instituição, que usa recursos públicos para oferecer empréstimos com juros abaixo dos praticados pelo mercado.

O presidente da Apsen, Renato Spallicci, é antigo apoiador do presidente Jair Bolsonaro e, na pandemia, ganhou o ex-capitão como “garoto-propaganda”.

Bolsonaro, que defende o medicamento para tratar a Covid-19, mesmo sem haver eficácia comprovada, exibiu a caixinha de hidroxicloroquina da empresa em diversas ocasiões.

Faturamento recorde

As vendas de hidroxicloroquina – usada no tratamento contra malária e doenças reumáticas -, ajudaram a Apsen a alcançar faturamento recorde no ano passado, próximo de R$ 1 bilhão. É uma alta de 18% em relação ao ano anterior, dos quais 2,7% se devem ao remédio, como afirmou a empresa.

A farmacêutica produz outros medicamentos e substâncias cujas vendas aumentaram em 2020 em função da pandemia, como vitamina D e antidepressivos.

A Apsen é a líder do mercado nacional de hidroxicloroquina e a maior beneficiada pela comercialização recorde do produto em 2020. Sua medicação está no mercado há 19 anos e respondeu por 78% das vendas no ano passado, segundo a farmacêutica.

O que diz a Apsen

A empresa afirmou que não usou o financiamento público na fabricação do remédio, mas que pediu os empréstimos para investir em projetos de “expansão da empresa e linhas de produtos”.

A Apsen disse que os investimentos já estavam previstos antes da pandemia, informação confirmada pelo BNDES. Os pedidos foram feitos em 2019, mas os contratos assinados em 2020.

A empresa admite, contudo, que a crise de saúde acelerou os investimentos. “O foco da Apsen em 2020 foi entender a conjuntura econômica e rever o tempo em que os investimentos seriam executados. Alguns projetos do nosso planejamento estratégico foram antecipados e outros, postergados”, disse a empresa à Repórter Brasil.

O que diz o BNDES

Segundo João Paulo Pieroni, chefe do Departamento do Complexo Industrial e de Serviços de Saúde do BNDES, os projetos apoiados não focaram em apenas um medicamento, mas na expansão geral da empresa no longo prazo.

“O apoio do banco já estava previsto e não teve qualquer relação [com a produção de hidroxicloroquina]. A empresa pode até ter aproveitado esse momento comercialmente, mas, do ponto de vista do financiamento do banco, não teve efeito”.

2 milhões de unidades

A hidroxicloroquina bateu recorde de vendas em 2020 após se tornar o carro-chefe do governo brasileiro para enfrentar a Covid-19. Só em farmácias foram comercializadas 2 milhões de unidades (com pico em dezembro), uma alta de 117% no ano em comparação a 2019, segundo o Conselho Federal de Farmácia.

Além de distribuir cloroquina no SUS, o Ministério da Saúde incentivou a automedicação, por meio de um aplicativo e em campanha publicitária, e adotou um protocolo clínico, batizado de “tratamento precoce”, que recomenda a droga no estágio inicial da doença.

O governo também ampliou a fabricação pelo Laboratório do Exército e de usou os estoques da Fiocruz que seriam destinados ao programa de malária, o Executivo zerou o imposto de importação sobre a cloroquina, ainda em março de 2020.

O Itamaraty intermediou negociações entre a Apsen e o governo da Índia, em abril, para destravar a liberação de matéria-prima, conforme revelou a agência de dados Fiquem Sabendo.

Ivermectina

Outra fabricante de hidroxicloroquina que recebeu empréstimos do BNDES em 2020 foi a EMS. A companhia recebeu R$ 23 milhões do banco público em maio para investir em duas frentes: na implantação de uma fábrica de medicamentos oncológicos (R$ 7 milhões) e na ampliação de sua linha industrial (R$ 16 milhões). O apoio total pode chegar a R$ 123 milhões.

A farmacêutica é a que mais vende remédios no Brasil e tem no portfólio outras medicações cujas vendas cresceram em 2020, como o vermífugo ivermectina, além de antibióticos e antidepressivos.

A ivermectina foi o medicamento sem eficácia compravada para Covid-19 que mais cresceu em vendas no ano passado: foram comercializados 53,8 milhões de comprimidos, contra 8,1 milhões em 2019, alta de 557%, segundo o conselho de Farmácia. Procurada, a EMS não quis se manifestar. As informações são da Folha de S.Paulo.