Extinção dos cursos de filosofia por Bolsonaro é um atentado contra a sabedoria

Imaginemos essa possibilidade bizarra: o presidente da República de um país qualquer pretender extinguir o ensino de filosofia nas universidades.

Seria um escândalo. Não só por causa do estrangulamento curricular que mataria na academia a prática cotidiana de uma sabedoria tão querida e importante para a história, o ser, o pensar, o conhecer, o agir, das humanidades.

O “agir filosófico” é movimento permanente das energias do pensamento. É um ir e vir, do centro à margem e ao centro novamente do questionamento da realidade. Movimento para a posse da racionalidade reflexiva.

É da racionalidade perceber a coerência, a lógica, a justeza do seguinte argumento: a parte é menor que o todo. É da racionalidade a certeza de que o bem é um ideal positivo de equilíbrio e de satisfação para o indivíduo e para a coletividade.

A reflexividade é a capacidade que a consciência tem de elaborar questionamentos sobre si mesma de forma a que possa se superar num fluxo dialético. Um fluir entre contradições, tentativas e acertos para o acontecer da conquista de uma verdade que é movimento, evolução, transformação em múltiplos sentidos. Negativos e positivos em variadas gradações.

Filosofar é ver o mundo com o micro(tele)scópio da razão, fonte da racionalidade. A razão dos fenômenos, da necessidade de expressão, a razão do outro na existência. O existir para a convergência realizadora da comunicação para o entendimento.

Filosofia, o saber que quer fazer o porquê crítico das coisas. Desde sua aparição sempre disse e diz não a qualquer sim. É o bonde da invenção dos conceitos e dos princípios do mundo. Fundamento, ponte pênsil do pensar.

Mas pretender o fim do ensino da filosofia em universidades seria escândalo também por ser um ataque terrorista. Terrorismo simbólico é a supressão de uma atividade que orienta uma atitude perante a vida, o mundo, um jeito de ser, o situar-seperante a disposição das coisas.

Quando do big bang do pensamento abstrato, houve o marco zero da explosão das ideias. Tais ideias, representações ativadas por lembranças e impulsionadas pela imaginação, trouxeram o que compreendemos por filosofia, o que se expandiu na massa integrada por seguintes elaborações: mítica, lógica, ética, científica e artística.

No bolo incandescente desse pensamento, o seu resfriar-se esculpiu platôs, vales, oceanos…paisagem diversificada que a vontade de classificação para melhor identificação das forças construtivas dos conceitos e princípios achou por bem separar. Separar em termos esquemáticos.

Na verdade, desde o início da filosofia como a entendemos hoje, seja o entendimento de uma invenção que acontece entre oitocentos e seiscentos anos antes de Cristo na Grécia antiga, seja na percepção crítica contemporânea que diz estar na África, mais precisamente entre os egípcios, a sua origem, o certo é que ela expressa fundamentos da ciência, da arte, da política e da moral. Não há como separar a matemática e a física do pensar filosófico. Desde o nascedouro até a atualidade. Lá,onde tudo começou, estavam os atomistas gregos. Por volta de quinhentos anos antes de Cristo, nomes como Leucipo e Demócrito afirmavam que os elementos constitutivos da realidade eram partículas, corpos pequeníssimos de matéria indivisíveis. Esses corpos foram chamados de átomos.

Depois, a matéria da realidade, com Empédocles, teria quatro substâncias fundamentais: terra, água, fogo e ar. Platão, com sua teoria dos sólidos, uniu filosofia e geometria para explicar o mundo através dos poliedros regulares convexos. Gilmara Barcelos, professora de matemática, explica: “A terra, o elemento mais imóvel, Platão associou ao cubo, o único poliedro com faces quadradas, e dessa forma, o mais apto a garantir estabilidade; o fogo ele atribuiu ao tetraedro, que é o poliedro mais “pontudo”, com arestas mais cortantes, com menor número de faces e de maior mobilidade; a água e o ar, que são de mobilidade crescente e intermediária entre a terra e o fogo, ele atribuiu respectivamente ao icosaedro e ao octaedro”. Filosofia e matemática.

Hoje, é consenso, quase um lugar-comum, afirmar que Einstein chegou à teoria da relatividade especulando, refletindo, calculando e teorizando a partir de questões conceituais e não de problemas empíricos. Física e filosofia encangados. Exilar na atualidade o ensino de filosofia da universidade seria a demonstração perversa da ignorância ansiosa por mutilar possibilidades críticas do pensar. Uma afronta ao melhor da capacidade humana de compreender e professar verdades com liberdade. Um atentado contra o ser.