Uma dirigente do PSL em Pernambuco nas últimas eleições afirmou à Polícia Federal que o partido cometeu irregularidades durante a campanha de 2018 e que, em seu estado, mulheres da legenda só foram chamadas à disputa para cumprir a cota mínima obrigatória de 30% de candidatas.
Em Pernambuco, o PSL é comandado politicamente pelo deputado federal Luciano Bivar, presidente nacional da legenda e hoje em atrito com o presidente Jair Bolsonaro, eleito ao Planalto pelo partido.
O depoimento à PF foi de Bete Oliveira, presidente do PSL Mulher de Pernambuco em 2018. Bete, cujo nome de batismo é Maria José de Oliveira, foi candidata derrotada à Câmara dos Deputados, tendo recebido 2.529 votos.
Em dois depoimentos prestados em março e abril nas investigações sobre o esquema de candidaturas de laranjas do PSL em Pernambuco, a ex-dirigente afirma que, após a entrada de Bolsonaro no partido, no início de 2018, cresceu o número de candidaturas masculinas na sigla, o que levou o diretório do seu estado a inscrever mais mulheres candidatas. A lei exige uma cota mínima de gênero de 30%.
A ex-candidata contou à PF que sua candidatura teve início após pedido feito por um dirigente da legenda para completar a cota de mulheres. Mas ela diz que participou efetivamente da campanha.
Bete disse ainda ter saído da presidência do PSL Mulher logo após as eleições, “em razão das irregularidades que estavam acontecendo dentro do partido”.
Segundo disse aos policiais, “a criação do PSL Mulher e do PSL Jovem ocorreu única e exclusivamente para arranjar, cada um desses grupos, 20 mil votos para Luciano Bivar”, tendo ela, como candidata a deputada federal, se tornado concorrente do dirigente. “Qualquer ameaça a Bivar era rechaçada e ignorada pelos dirigentes do partido.”
O presidente do PSL recebeu 117.943 votos e foi o único candidato de sua legenda eleito em Pernambuco nas eleições do ano passado.
Bete recebeu R$ 10 mil de verbas públicas do PSL para sua candidatura e disse ter aplicado o dinheiro integralmente na campanha. Ela disse ainda ter se sentido boicotada pelo partido. Procurada pela Folha, a ex-candidata não quis se pronunciar.
À PF ela disse ter tomado conhecimento de que outras candidatas tinham recebido “valores muito superiores aos que foram destinados à maioria das candidatas mulheres do estado”.
Trata-se de uma referência a duas pivôs do esquema dos laranjas: Maria de Lourdes Paixão, há décadas secretária de Bivar, e Érika Santos, também ligada a ele e assessora de imprensa do partido.
A primeira recebeu R$ 400 mil da verba pública do PSL, a terceira maior do país, tendo obtido apenas 274 votos. A segunda recebeu R$ 250 mil e teve 1.315 votos.
Bete Oliveira afirmou em um de seus depoimentos que “os atos de campanha mínimos realizados pelas duas candidatas mencionadas não justificam o vultoso gasto aproximado de R$ 400 mil e R$ 250 mil, respectivamente, e que só tomou conhecimento desses valores após a veiculação pela imprensa”.
A Folha revelou ambos os casos em fevereiro deste ano, quatro meses após as eleições.
Ainda no depoimento, a ex-candidata afirmou que só se filiou ao partido por causa de Bolsonaro, “mas que não sabia como era a forma de trabalhar da direção local do PSL”.
Em fevereiro, Bivar afirmou à Folha que, em sua visão, mulher não tem vocação para política. Ao ser questionado sobre as candidaturas de laranjas, ele negou na época qualquer ilegalidade e se disse contra a regra de cota de ao menos 30% dos candidatos do sexo feminino. “[A política] não é muito da mulher. Eu não sou psicólogo, não. Mas eu sei isso”, disse.
A Folha revelou, por meio de várias reportagens publicadas desde o início de fevereiro, um esquema de candidaturas de fachada no PSL, partido de Bolsonaro.
Além de Pernambuco, as reportagens motivaram investigações da Polícia Federal e do Ministério Público em Minas Gerais, estado em que o PSL é comandado pelo hoje ministro do Turismo de Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio.
O político, que nega irregularidades, foi denunciado por falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa.
No dia 15 de outubro, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços ligados a Bivar, na investigação sobre o caso. A casa de Bivar no Recife e a sede do partido foram alguns dos alvos.
Endereços de três candidatas, Maria de Lourdes Paixão, Érika Santos e Mariana Nunes, e de duas gráficas, Itapissu e Vidal, bem como seus representantes, também foram visitados pela polícia. A operação ganhou o nome de Guinhol, fazendo referência a um marionete, personagem do teatro de fantoches criado no século 19.
A Folha procurou, por meio de sua assessoria, o deputado Luciano Bivar, atual presidente nacional do PSL, e seu braço-direito, Antônio Rueda, hoje vice-presidente da sigla e comandante formal do partido em Pernambuco durante a eleição, mas eles não responderam.
Em manifestações anteriores, Bivar sempre negou ter patrocinado esquema de laranjas em seu estado.
Após a operação da PF que visitou endereços ligados a ele, a Executiva Nacional do PSL, comandada pelo deputado, divulgou nota fazendo críticas veladas a Bolsonaro.
O texto dizia que a divergência intrapartidária é natural ao processo democrático e que não deve ser resolvida com “insinuações e ameaças veladas”.
À PF Rueda negou em março a existência de candidaturas de laranjas.
Da transcrição de seu depoimento consta: “Alega que não existiram [as candidaturas de fachada], e todos os candidatos, homens ou mulheres, se dispuseram a participar efetivamente da campanha, mediante apresentação de suas candidaturas na convenção do partido e atos de campanha, os quais o próprio declarante presenciou”.