Estudo da UFPB desmonta tese da PMJP sobre despejo no Porto do Capim

Um relatório preparado pelo projeto de extensão ‘Abrace o Porto do Capim’, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), analisou a comunidade Porto do Capim, no Centro de João Pessoa. Os pontos de vista histórico, social, cultura, análise do solo e das marés está destacado no documento. O ‘Relatório Técnico Multidisciplinar Comunidade Porto do Capim’, contrapõe diversos pontos sustentados pela Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) para defender o despejo de moradores da comunidade.

O relatório é assinado pela equipe técnica composta pela coordenação de Beta Romano, do Departamento de Arquitetura; Acácio Lopes e Regina Célia, do Departamento de História; Hugo Belarmino, do Departamento de Direito; e Araci Farias, do Departamento de Geografia. O documento apresenta argumentos fáticos e jurídicos levantados pela Comunidade do Porto do Capim e pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) para instruir um Procedimento Preparatório do Ministério Público Federal (MPF).

“A Prefeitura sempre tentou derrubar as movimentações da universidade. Esse relatório tem muita relação com trabalhos que já vinham sendo feitos no quesito direito à habitação. Em 2015, nos juntamos de modo multidisciplinar, e chegamos a propor uma requalificação, nada de derrubada. Faríamos o projeto do começo ao fim, com proposta de moradia, de circulação, e obviamente respeitando a lógica de fazer não para a comunidade, mas com a comunidade”, afirmou Acácio Lopes.

A análise foi feita em documentos disponibilizados pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, no Projeto Habitacional desenvolvido pela AcquaTool Consultoria, empresa contratada pela Secretaria de Habitação pelo valor de R$ 1,063 milhão. O relatório técnico aponta eventuais contradições, omissões e insuficiências das análises e estudos realizados tanto do ponto de vista conceitual, urbanístico e arquitetônico quanto dos procedimentos metodológicos adotados para elaboração do projeto de intervenção na Comunidade do Porto do Capim.

“Durante dois anos tivemos que fazer inúmeras intervenções e relatórios para derrubar as questões levantadas pela prefeitura, nas suas várias secretarias. E também o próprio Iphan, que em 2011, produziu documentos importantes sobre direito à moradia [na região], mas em 2015 já com outros superintendentes se posicionaram muito ao lado da prefeitura”, explicou Acácio.

A equipe técnica ressaltou que alguns documentos solicitados, principalmente dados orçamentários e documentos do projeto denominado “Novo Porto do Capim”, não foram apresentados com riqueza de detalhes. O que evidencia uma obscuridade no que tange o projeto.

O relatório questiona a ausência de qualquer referência mais significativa da história e tradições da comunidade do Porto do Capim nos estudos da Prefeitura de João Pessoa. “A recusa do reconhecimento da existência e do protagonismo dessa comunidade, de sua história, sua cultura, seus valores e seus direitos decorrentes, nos documentos apresentados, é, no mínimo, preocupante”, versa trecho do relatório.

O mangue só existe por conta do povo
O relatório destaca que, levando em conta o processo histórico da cidade baixa, que teve o ápice com os portos que abasteciam a Capital, e depois sofreu processo de esvaziamento com a construção da cidade alta e os comércios e unidades bancárias acompanhando, a população foi essencial para manutenção ambiental da região.

“O Porto do Capim que ainda hoje existe representa, portanto, a continuidade de uma cultura ribeirinha”, destaca trecho do relatório.

De acordo com o relatório, diante do exposto no que se refere a relação histórica, social e cultural do povo com a região, essa expressão deveria ser preservada, e não destruída.

Os estudiosos ainda argumentam no relatório que sem qualquer dúvida, histórica ou antropológica, a visão atualmente majoritária, difundida inclusive pela prefeitura, de que é necessário “devolver o rio à cidade” é questionável, inclusive juridicamente.

Para Acácio, o turismo da região deve ser o comunitário, e não aquele focado em “turista descer do ônibus, andar, comprar bugiganga e ir embora”. Para ele, região deve ter seu ponto histórico ressaltado e respeitado.

Teor jurídico
A comunidade do Porto do Capim estaria acobertada pela previsão do artigo 3º do Decreto 6040/2007, que conceitua povos e comunidades tradicionais como “constituem grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultura, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas pela tradição”.

E, ainda segundo o artigo 1º do mesmo decreto, as ações e atividades voltadas para o alcance dos objetivos da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais deverão ocorrer de forma intersetorial, integrada, coordenada, sistemática e observando determinados princípios, tais como reconhecimento valorização e respeito à diversidade socioambiental e cultural dos povos, dentre outros aspectos.

Eles ainda relataram que há a obrigatoriedade, conforme os artigos 6º e 16º da Convenção 169 da OIT, da anuência da comunidade acerca de qualquer processo, procedimento ou obra que impliquem em impacto no território que tradicionalmente ocupam.

Confrontando a PMJP
Os documentos da PMJP apontam que a comunidade Porto do Capim é situada às margens do Rio Sanhauá, afluente da margem direita do Rio Paraíba, portanto, é considerada Área de Preservação Permanente que, segundo o Novo Código Florestal, significa “Área de Preservação Ambiental (APP). No caso do Porto do Capim, uma parte de sua extensão é considerada APP. A prefeitura tem ciência sobre a caracterização da área, porém, desconhece as consequências e desdobramentos da APP.

Outro argumento utilizado pela PMJP para questionar a permanência dos moradores no local é que a localização das edificações, muito próximas ao curso d’água, tem contribuído para a poluição do rio, que é gerada a partir da disposição do lixo, águas servidas e dejetos em suas margens.

Conforme o relatório dos técnicos da UFPB, o Poder Público, neste caso, se utiliza de consequências geradas pela sua inação para argumentar contra a comunidade. Além disso, não há nada que impeça de que sejam realizadas as obras de infraestrutura e de saneamento para resolver a situação das casas que estão próximas ao mangue e na APP.

A permanência da comunidade também é prevista legalmente no Código Florestal e é possível a utilização de verbas do Programa Minha Casa Minha Vida como fonte de recursos para regularização fundiária da área.

No que diz respeito a alta das marés, o relatório questiona a diferença temporal com relação a Cabedelo, que é usado como referência para o documento realizado pela AcquaTool a pedido da PMJP. O estudo classificou como “cenário muito questionável” o que foi apresentando no ‘Mapa da Variabilidade Espacial das Marés’, que comenta sobre os imóveis sujeitos às marés sobretudo, mesmo que excepcionais.

Além disso, o cálculo das Vazões Máximas anuais utilizou uma série compreendida entre 1970 e 1997, ou seja, os dados utilizados como padrão para os cálculos, mesmo que para média, utiliza dados muito antigos e pouco precisos quanto à situação atual.

Após expostos sobre o solo da região, o relatório traz sua conclusão: