Estudo com 7 milhões de pessoas relaciona peso à gravidade da Covid-19

Pesquisa no "The Lancet" indica que risco começa a aumentar entre pacientes com IMC acima de 23 kg/m2, índice ainda considerado saudável

Se a obesidade já é considerada um fator de risco para a Covid-19 independente de idade, um estudo publicado na revista The Lancet Diabetes & Endocrinology nesta quinta-feira (29) alerta para um grupo que estaria ainda mais sujeito às complicações do acúmulo de gordura: adultos entre 20 e 39 anos. De acordo com a pesquisa, que incluiu dados de quase 7 milhões de pacientes, o risco de desenvolver quadros mais severos da doença é maior entre indivíduos dessa faixa etária cujo Índice de Massa Corporal (IMC) esteja acima de 23 kg/m2 — um nível ainda considerado saudável.

O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade de Oxford e da Universidade de Cambridge, ambas no Reino Unido, além da instituição chinesa Centro de Ciências da Saúde da Universidade de Pequim. Essa é a maior pesquisa já feita sobre a relação entre o peso corporal e o agravamento da infecção pelo novo coronavírus, analisando registros de saúde de 6.910.685 pessoas que tiveram Covid-19 na Inglaterra. As informações, coletadas através do banco de dados nacional QResearch, se referem à primeira onda da pandemia no país – entre janeiro e abril de 2020.

Todos os pacientes eram maiores de 20 anos e apresentavam pelo menos uma medida de IMC em seus registros – um dos indicadores mais comuns usados por especialistas para calcular o peso ideal de uma pessoa. Segundo a pesquisa, entre 24 de janeiro e 30 de abril do ano passado, 13.503 deles precisaram ser internados em função da doença, 1.602 foram encaminhados para uma unidade de terapia intensiva (UTI) e outros 5.479 morreram.

A análise dos desfechos graves mostrou que, à medida que o IMC ultrapassava o valor de 23 kg/m2, mais frequentemente se dava a progressão da Covid-19, com “risco significativamente maior para cada acréscimo de unidade de IMC”. O estudo concluiu que cada aumento de unidade no indicador elevou em 5% o risco de hospitalização e em 10% as chances de ir para a UTI – independente de condições de saúde pré-existentes, incluindo a diabetes tipo 2.

Embora a maioria das pessoas com quadros graves da doença tivessem mais de 60 anos, os especialistas perceberam um diferencial significativo relacionado à idade: enquanto o excesso de peso aumentava o risco de hospitalização entre jovens de 20 a 39 anos, a gordura corporal pouco impactava o desfecho dos sexagenários. Entre quem estava na faixa etária de 20-39 anos e 40-59 anos, o risco de internação foi de 9% e 8%, respectivamente, ao passo que o número caiu para 4% entre quem tinha de 60 a 79 anos e, na faixa de 80 a 100 anos, chegou a 1%.

Já que desfechos graves também foram observados em pessoas que estavam dentro da faixa de IMC considerada saudável (19-25 kg/m2), esses números mostram que “mesmo um excesso de peso muito modesto está associado a maiores riscos de complicações pela Covid-19”, segundo avalia Carmen Piernas, pesquisadora do Departamento de Ciências da Saúde de Atenção Primária da Universidade de Oxford e líder da pesquisa, em comunicado. No entanto, o aumento do risco de morte só foi observado em pessoas com o indicador superior a 28 kg/m2 – que, de acordo com a classificação internacional, se enquadram na faixa de sobrepeso.

Os pesquisadores também notaram que o risco de hospitalização associado à um IMC elevado foi significativamente maior entre os pacientes negros: 7% contra 4% nos participantes brancos. Segundo o estudo, não foram observadas diferenças significativas entre outros grupos étnicos.

Para Piernas, esses resultados podem ajudar a orientar campanhas de vacinação contra a Covid-19 mundo afora. “Essas descobertas sugerem que as políticas de vacinação devem priorizar as pessoas com obesidade, especialmente agora que a vacina está sendo lançada [em algumas partes do mundo] para grupos de idades mais jovens”, afirma a especialista. O estudo também sugere que, além de peso e idade, considerar fatores étnicos também “pode ser importante na determinação das prioridades de vacinação contra a infecção por Sars-CoV-2”.

Embora ainda não tenham eficácia comprovada, a análise sugere que intervenções que estimulem o controle da obesidade podem ter potencial de reduzir o risco de desfechos graves de Covid-19 – e de outras doenças associadas ao peso, como diabetes tipo 2, distúrbios cardiovasculares e alguns tipos de câncer, que, afirma o artigo, “continuaram durante a pandemia e representam uma carga contínua para os sistemas de saúde”.

Esses resultados também podem direcionar pesquisas futuras para investigar se pessoas fora da faixa de IMC considerada saudável também têm risco aumentado de desenvolver sequelas após a doença – e se a obesidade afeta a eficácia de imunizantes contra a Covid-19. É o que sugere Krishnan Bhaskaran, professor Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, que não participou do estudo. “Um estudo epidemiológico cuidadoso dessas e de outras questões emergentes informará a resposta contínua da saúde pública a esta nova doença que provavelmente veio para ficar”, diz, em nota.

Da Revista Galileu Galilei