No caminho cotidiano de retorno à casa do trabalho na Universidade, escuto no rádio do carro que a Câmara Municipal de João Pessoa deverá pautar, na próxima semana, a polêmica internacional, que já passou por Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, de admitir, proibir ou regulamentar o serviço de “Carona Paga” conhecido internacionalmente como “Uber”.
Carona paga, Economia de compartilhamento, Tecnologias emergentes, gritam os defensores do Uber. Qual o significado desses simpáticos ardis de linguagem? Menos ciência dura e mais psicologia social, não passam de eufemismos de disfarce da crueza da concorrência capitalista, uma parte fundamental de uma operação planejada de dumping visando amealhar o controle dos tradicionais serviços de Táxi. Mesmo que o Uber não tenha feito a aparição em nossa cidade – certamente por motivo de o tamanho de nosso mercado ainda não comportar serviços de Táxi de Luxo –, não tardará o dia de algum novidadeiro atracar em nossas paragens. Melhor prevenir que remediar. Contudo, é precis o passar da defensiva proteção de mercados para a ofensiva de esclarecer os verdadeiros termos envolvidos no debate internacional.
Deixei de ser moderno, agora sou eterno, escreveu o nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade. Nunca vi tanta burrice internacional submoderna e provinciana, espalhada brasa quente de asneiras, como no debate dos mercados de Táxi. Estou sugerindo ao novo Ministro Aloizio Mercadante uma reavaliação da formação de vários de nossos cursos de economia e administração, tanto disparate tenho lido desse pessoal engomadinho da salada e jantar.
Procura-se resumir a questão do UBER a adoção de um aplicativo de celular, quando, evidentemente, o tal aplicativo é apenas um dos instrumentos que compõem um pacote de serviços padronizados postos à venda no mercado por uma megaempresa ávida em vender uma franquia internacional do já existente, num verdadeiro processo de desapropriação contemporânea. Se antes os serviços de taxi eram assunto de regulação municipal, em João Pessoa ou Nova Iorque, o pulo do gato da franquia do UBER consiste em centralizar, em uma nova frente de poder mundializado, o controle dos serviços de Táxi.
O aplicativo é importante no negócio, mas tão importante quanto ele é a exigência de carro preto, a água mineral e – principalmente –, no momento de instalação e fidelização dos clientes, um dumping de preços competitivos. Qual a complicação? Será que os municípios são incapazes de também instituir um mercado de Táxi de luxo com padrão de excelência, desacoplado da necessidade de aderir ao Uber?
Não defendo, é claro, as estruturas mafiosas de poder de muitas cooperativas de táxis mundo afora – aparente argumento profilático dos defensores do Uber. Sem dúvida, muitas (talvez sequer a maioria) dessas cooperativas, detentoras do monopólio do serviço, mais assemelham os bandidos, sob as vestes de sindicalistas portuários do cinquentenário filme “Sindicato de Ladrões, dirigido por Elia Kazan e Marlon Brando mais brilhante que nunca. O dedo em riste da acusação de defender serviços municipais de Táxi de Luxo significa defender máfia nada mais é que um trunque retórico.
Deixemos de mistificação. Por ser um pacote de serviços no qual se inclui uma ideologia, o Uber é vendido no jogo das aparências como se fosse uma batalha entre “velhos” defasados e “novos” intrépidos empreendedores, carcomidos românticos versus liberais schumpeterianos. Essa armadura mental de comportamento de manada me dá preguiça. Até parece que desenvolver o aplicativo do Uber significa guardar o segredo da bomba atômica! Segredo, com certeza, mas de polichinelo.
Permitam-me desembrulhar a caixa partindo de uma constatação pueril: está-se ao alcance de uma universidade média, caso adotado políticas institucionais corretas, construir inteligência instalada com capacidade de desenvolver um aplicativo de celular tipo Uber. Deixem contar um caso instrutivo. A nossa UFPB, através do grupo de pesquisas do professor Guido Lemos, aqui na Paraíba, desenvolveu recentemente a tecnologia do Ginga, de interação na TV Digital. O que aconteceu? Como as empresas japonesas são dominantes no mercado de TV Digital brasileiro e já desenvolveram sistemas próprios de interação, o mercado é interditado ao nosso Ginga. No darwinismo da concorrência, a espertise dos mais fracos é sem apelo.
Menos que a expertise, o que realmente conta no cartório é a tragédia anunciada de uma Universidade distante dos grandes centros capitalistas, nem de longe, possuir a proximidade institucional e a cultura ambiente de negócios da dimensão das incubadoras de projetos de uma Harvard em Boston ou de uma Stafford em São Francisco. Na sinergia entre tecnologias simples e grandes negócios as universidades americanas são imbatívies, confluindo na existência de milhares e milhares de serviços, novos ou adaptados, à disposição da imaginação do complexo da inovação universitária, intrinsecamente ligado aos grandes mercados de ações. O UBER, desligado da institucion alidade dos mercados financeiros internacionais nada seria – no máximo um aplicativo de adolescentes nerds de rosto espinhento. No mundo das inovações de pacotes de serviços tecnológicos, ciência sem finanças não alcançam voar mais alto que a rês do chão.
Precisamos ter a dimensão dos poderes ideológicos envolvidos na contenda do Uber. Mal comparando realidades distintas para fins de didatismo, interponho o caso do desaparecimento da indústria fonográfica. Antes poderosa e internacionalmente articulada, repleta de artistas pop de prestígio, o mercado de discos morreu na disputa ao jogar na retranca contra os novos softwares de reprodução musical. Bem feito. Mas atentem virar o outro lado do disco e terão a necessidade de fabular em modo de expressividade estética o mundo dos negócios:tanto quanto a inegável inteligência empreendedora, que não sou doido de negar, por outro lado não subestimemos o papel estratégico da mitologia constru&ia cute;da em torno a imagem bacana dos empreendedores jovens e descolados, ao estilo de Mark Zuckerberg, Bill Gates ou Steve Jobs – substitutos dos antigos e carcomidos astros do rock -, no jogo pesado de substituir antigos serviços. Neste caso, procura-se construir o apelo do charme da marca Uber, se me entendem, no mesmo tipo de operação que se fez o charme da marca Apple. Realmente, menos que dos sábios, o mundo é dos mais sabidos.
Aos governos estaduais e municipais não resolve simplesmente “proibir” o Uber, mas instituir e regulamentar outro serviço de Táxi de Luxo, de dimensão municipal, sem necessidade de cotação na bolsa de Wall Street. A propósito, evocando Stanislaw Ponte Preta, já merece o prêmio FEBEAPA (Festival de Besteiras que Assola o país), nestes 2015 pródigo em asneiras, aquele comentarista que se espantou que a cotação em ações do Uber superasse por uns dias as da Petrobras, confundindo propriedade material e jogo especulativo.
Está de parabéns o prefeito Fernando Haddad, de São Paulo, em criar uma espécie de “Uber do B” (denominado de “Táxi Preto”) para os serviços de Táxi de Luxo na maior cidade brasileira, que me parece a melhor solução. Simplesmente proibir, é anacrônico. Em São Paulo, o prefeito interditou entregar de bandeja um mercado em acensão a um projeto franquia que pretende ganhar de graça o monopólio internacional de um serviço tradicionalmente municipal, munida, para expansão, das facilidades de um discurso charmoso, um aplicativo e um padrão de atendimento ao cliente. O logro do Uber é que nada impede outro charme, outro aplicativo e padrão de s erviço comparável ser instituído e controlado nas esferas de poder estadual e municipal. Por que não? Que a Paraíba e João Pessoa cotejem a brecha de autonomia de mercado aberta em São Paulo e adotem os próprios caminhos.