Dólar em baixa ameaça exportações, mas pode aliviar recessão

O dólar em baixa ameaça a boa fase das exportações brasileiras, mas pode ter um efeito colateral benéfico para a economia em recessão, avaliam economistas ouvidos pelo G1. Mesmo que uma queda mais profunda leve a balança comercial de volta ao vermelho, ela pode ser um remédio contra a inflação – num momento em que os juros perderam a eficácia no controle dos preços.

Na última semana, o dólar bateu o menor patamar em quase um ano frente ao real, confirmando a mudança de rota após ter subido 48% no ano passado. A moeda dos Estados Unidos recuou 18% no 1º semestre e teve em junho a maior alta mensal desde abril de 2003.

Mesmo com essa queda, o dólar está longe de alcançar patamares de dois anos atrás. Em julho de 2014, ele era vendido por volta de R$ 2,20. Segundo economistas, a moeda norte-americana acima de R$ 3 ainda garante o saldo da balança comercial e ajuda a proteger a indústria nacional da concorrência de fora – mas esse cenário pode mudar se o dólar continuar caindo.

“A balança comercial ainda é sustentável neste patamar [dólar acima de R$ 3]. Mas é preciso encontrar a cotação ideal para o país continuar exportando e ao mesmo tempo ter uma inflação mais controlada”, afirma o economista Alexandre Wolwacz, sócio-fundador do Grupo L&S.

Mesmo com a desvalorização de 11% do dólar em junho, a balança comercial continua colecionando resultados positivos. No primeiro semestre, o saldo do comércio exterior foi a maior em 28 anos, quando começou a série histórica.

Mas os produtos industrializados perderam espaço nas exportações. Os manufaturados recuaram 4% entre janeiro e junho, com as maiores quedas no setor de autopeças (-25%) e motores para veículos (-22,6%), segundo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).

Indústria exportadora reclama
O dólar abaixo de R$ 3,30 já dificulta a negociação dos contratos de exportação da Wolfstore, fabricante gaúcha de tecidos e estamparia. O volume exportado pela empresa caiu cerca de 70% desde que o câmbio inverteu a trajetória, conta o gerente de negócios da empresa, Cláudio Wolf.

Com o real mais forte, Wolf conta que precisa brigar por preços melhores para viabilizar os contratos, o que não ocorria com o câmbio acima de R$ 3,50. “Se o dólar continuar caindo vai dificultar bastante nossas vendas para fora”, diz Wolf.

A pequena empresa de Novo Hamburgo (RS) exporta para países como México, Colômbia e Argentina, mas sua receita está protegida pela presença maciça na indústria de moda nacional, que chega a 97% das vendas.

Perda de competitividade
Um dos argumentos contra a valorização do real é que ela enfraquece a indústria nacional, uma vez que a entrada maior de produtos importados no país aumenta a concorrência e pressiona os preços para baixo.

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, diz que a queda do dólar tira a competitividade da indústria, já afogada pelo alto custo da produção, enquanto as exportadoras de commodities têm margem maior para aguentar mudanças no câmbio.

“A maior prejudicada é a indústria de manufaturados, que já perdeu espaço no comércio exterior. As empresas que fizeram contratos de venda no ano passado vão amargar prejuízose vão deixar de vender, ameaçando os empregos”, diz Castro.

Para ele, o dólar a R$ 3,80 é o patamar ideal para ajudar a competitividade da indústria. Mas o presidente da AEB acrescenta que o câmbio, sozinho, não soluciona todos os problemas da indústria. “O câmbio ajuda, mas não compensa todas as deficiências de logística e custo”, diz.

Em nota, a Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) declarou que uma taxa de câmbio abaixo de R$ 3,80 “coloca em risco este início de recuperação [da economia], desestimula o setor produtivo a brigar no mercado externo e elimina o único drive disponível no curto e médio prazo para voltarmos a crescer”.

Para Wolwacz, do L&S, o dólar forte protege a indústria da competição externa, mas não incentiva a produção. “Estamos em franco processo de desindustrialização. O forte no Brasil são os agronegócios, comércio e serviços, e são esses setores que precisam ser incentivados no momento”.

Efeitos do câmbio na economia
Na visão de Wolwacz, os benefícios trazidos pela queda do dólar para o conjunto da economia superaram os malefícios causados à indústria. “Uma balança comercial no vermelho não é tão prejudicial quanto uma população desempregada passando fome, e estamos vendo isso acontecer”, diz.

Para ele, é equivocada a ideia de que o dólar baixo só beneficia turistas com planos de viajar ao exterior. “A desvalorização da moeda dos EUA traz um importante alívio para a inflação e isso pode gerar efeitos benéficos para a economia”.

O economista do grupo L&S vê com otimismo a entrada de produtos importados no país, com o real mais forte, que estimularia uma queda nos preços capaz de dar margem para o Banco Central reduzir a taxa básica de juros, hoje em 14,25% ao ano. “Isso fomentaria o crédito e o consumo, estimulando a geração de empregos”.


Veja abaixo as principais causas da queda do dólar:

NO BRASIL

Taxa de juros
No fim de junho, o Banco Central informou que o cenário ainda “não permite trabalhar com a hipótese de flexibilização das condições monetárias [corte de juros]”. Ou seja, deve levar mais tempo que o esperado para a taxa Selic começar a cair. Hoje ela está em 14,25% ao ano, o maior patamar em 10 anos. Os juros altos aumentam o apetite dos estrangeiros em investir no Brasil e isso ajuda a fortalecer o real frente ao dólar.

Repatriação de recursos
A lei que permite a brasileiros a regularizar o dinheiro não declarado no exterior (pelo pagamento de impostos) tende a incentivar a entrada de dólares no país, fortalecendo o real. “Tem muito dinheiro lá fora. Esses recursos são revertidos para os cofres públicos e podem ajudar as contas do governo, além de empurrar o dólar para baixo”, explica Wolwacz, da L&S.

Cenário político
As incertezas sobre o afastamento definitivo de Dilma Rousseff na presidência têm levado o dólar a oscilar, segundo analistas, já que o mercado entende que o processo definitivo do impeachment daria espaço para a concretização de novas medidas econômicas.

Intervenções do BC
Desde que Ilan Goldfajn assumiu a presidência do BC, o órgão só fez uma intervenção no câmbio, depois que a moeda fechou a R$ 3,21 pela primeira vez em quase 1 ano. Ele sinalizou ser favorável ao câmbio flutuante, ou seja, deixar o dólar flutuar pela força do mercado e sem fazer leilões de swap cambial (que equivalem à compra ou venda de dólares do mercado futuro). Segundo analistas, essa “falta de intervenção” seria um sinal de que o BC pretende deixar o dólar cair.


NO EXTERIOR

Vitória da Brexit
O referendo que decidiu pela saída do Reino Unido do bloco da União Europeia gerou incertezas econômicas em todo o mundo. Isso leva maior cautela aos mercados e faz com que bancos centrais dos países desenvolvidos segurem as taxas de juros a níveis muito baixos (inclusive negativos, como no Japão e Alemanha), levando investidores a procurar mercados mais atrativos para alocar seu dinheiro. Isso reflete na queda do dólar frente a várias moedas.

Juros nos EUA
Com o resultado do Brexit, o Federal Reserve (BC dos Estados Unidos) deu sinais de que não subirá as taxas de juros no país tão cedo quanto se imaginava. Com isso, o capital estrangeiro que migraria para lá com um aumento dos juros tende a permanecer em outros mercados, especialmente os emergentes, que oferecem taxas de juros mais atrativas. Isso segura a cotação do dólar.

Commodities
A Brexit derrubou temporariamente os preços das principais matérias-primas, mas elas logo voltaram a se recuperar. O petróleo chegou a tocar US$ 50 o barril nas últimas semanas, após ter atingido mínimas históricas no começo do ano, negociado abaixo de US$ 30. O minério de ferro também se recuperou, confirmando o fim do ciclo de queda. Essa valorização das commodities atrai mais dólares para países exportadores como o Brasil, pressionando sua cotação para baixo.

As informações são do G1.