Do analfabetismo à premiação internacional: Conde revoluciona no ensino-aprendizagem na rede pública

“Eu gosto de ler histórias de princesa”. Foi assim que Isabelle, 8 anos, afirmou toda entusiasmada sobre como é encantador aprender ler. Não apenas ela, sua coleguinha Brena, 8 anos, disse que também gosta de entrar no fantástico mundo da imaginação e é na leitura que se imagina como a princesa Rapunzel. Do ladinho delas, ainda estava Thaliane, 8 anos, que levou muito a sério as leituras e decidiu que só iria para a escola com uma coroa na cabeça. As três meninas são estudantes do 2º ano do ensino fundamental I da rede municipal de ensino de Conde, município da região metropolitana de João Pessoa.

Elas fazem parte do universo de 59,84% dos alunos leitores nesta série em toda a cidade este ano. E só foi possível após a implantação do programa Raízes e Galhos pela Secretaria de Educação, Cultura e Esporte da Prefeitura de Conde, em agosto de 2018, em parceria com a Fundação Lemann dentro do projeto Educar pra Valer, que tem como objetivo estimular a alfabetização de crianças dos 2º e 5º anos do ensino fundamental I, tornando-os leitores fluentes.

“É uma metodologia específica de monitoramento, de avaliação e de sondagem, acompanhamento e intervenção nos anos iniciais da alfabetização”, explicou a secretária de Educação, Cultura e Esporte de Conde, Aparecida Uchôa.

Foto: Niedja Andrade/Paraíba Já

Ao entrar em uma das salas da Escola Municipal Governador Pedro Gondim, os alunos estavam empenhados em mostrar que liam com vontade. “Eu vou viajar com o meu pai. No próximo feriado nós vamos acampar. Eu não sei como é acampar, eu nunca fui. Mas meu pai falou que é muito legal. E se ele disse é porque é. Meu pai nunca erra. Quer dizer, uma vez ele errou o caminho de casa”, interpretava Eloá, 8 anos, aluna do 2º ano, com eloquência, pausas dramáticas e tom descontraído que o texto requeria.

O projeto atendeu ao longo deste ano 990 alunos. Em fevereiro, o índice de alunos leitores no 2º ano era de 25,82% e de não leitores era de 37,09%, e no 5º ano havia 16,22% de leitores e 2,91% de não leitores. Já agora em dezembro, o cenário é um pouco diferente: 59,84% de leitores e 7,13% de não leitores no 2º ano, e, 51,81% de leitores e 0,76% de não leitores no 5º ano.

De acordo com dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Conde tem 66,5% da população alfabetizada. Este dado supera a estatística dos municípios que estão no Litoral Sul, que é de 66%. Porém, ainda abaixo da média de alfabetização estadual, que é de 74%. Em dados proporcionais à densidade demográfica, Conde ocupa a 109ª posição no ranking de alfabetização entre os 223 municípios paraibanos.

Políticas públicas que transformam

Iniciativas como Raízes e Galhos são como semente cujo os resultados serão colhidos apenas no futuro. De acordo com a Secretaria de Educação de Conde, outros programas e projetos foram implantados desde 2017 para fomentar a melhoria da qualidade do ensino, aprendizagem e evolução da educação. Isso tem chamado atenção da população. O crescimento do número de matriculados, entre 2012 a 2019, foi de 89,9%. No primeiro ano desta série histórica, a rede municipal tinha 3.887 mil alunos matriculados e este ano, 6.247 mil.

“Nós carregamos nas costas uma dor muito grande que é quase 50% da população acima de 15 anos analfabeta. Com o teste de sondagem, percebemos que apenas 5% das crianças são leitores. Isso era uma coisa muito perigosa para todos nós, para a educação em si. Além do mais, nós temos um Ideb (4,2) muito baixo, temos uma taxa de abandono e de reprovação muito alta e isso nós precisávamos combater”, apontou Aparecida.

Foto: Niedja Andrade/Paraíba Já

Atualmente, a rede municipal possui 29 unidades de ensino, sendo 20 escolas que atendem a demanda de ensino infantil, fundamental I e II, e 9 Centros de Referência em Educação Inclusiva (CREIs). A Educação para Jovens e Adultos (EJA) também recebe atenção especial.

“Crescemos em quase 300% em matrículas na EJA e aí precisou desse trabalho de monitoramento, em que criamos o projeto Sagui, que atendem os filhos das mães matriculadas na EJA que não têm com quem deixar as crianças à noite e a gente os acolheu para que as mães pudessem estudar”, destacou a secretária.

Em 2019, também foi criado o projeto Agora Vai, que pretende alfabetizar adultos, que recebem uma bolsa-auxílio de R$ 99,80 reais. “A gente tem 33 pontos de atendimento, os professores com curso de formação permanente, os alunos mostrando interesse em aprender”, afirmou.

Metodologia que rende prêmios

Foto: Niedja Andrade/Paraíba Já

 

O ano é 2019 em Conde. Adolescentes de 15 anos discorrem com domínio científico como funciona hortas hidrocônicas, captações de água no ar condicionado e como filtrar água da chuva para uso domésticos. Todos esses projetos foram desenvolvidos por estudantes do 9º ano da Escola Noêmia Alves, usando PVC. Maria Eloíza, Érica Santos e Jayne Raquel mostravam com orgulho seus experimentos, que outrora foram apresentados na Mostra de Iniciação Científica da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

O município inscreveu 24 alunos, que desenvolveram oito projetos em três escolas. Desses, seis foram premiados na categoria Fundamental, quatro receberam menções honrosas e dois foram 2º e 3º lugar geral.

Foto: Niedja Andrade/Paraíba Já

“A gente tinha que ver o que tem de problema nas nossas comunidades para poder tentar criar algo que pudesse amenizar o problema. Vimos uma caixa d’água que estava desperdiçando muita água e começamos a pensar em quantas coisas a gente vê que desperdiça água. Uma delas é o ar condicionado e criamos um projeto que capta água do ar condicionado. Nosso protótipo acumula até 10 litros de água. Essa água pode ser usada para alguma plantação ou para tarefas de casa, menos para beber”, explicou Maria Eloíza.

Educação vem para ensinar e o ensino dá asas para a imaginação e sonhos. Nós estamos perto do professor e que podemos ajudá-lo naquilo que for muito difícil. Em 2019, estamos começando a ver os frutos acontecerem. Ou seja, são vários os caminhos que estão sendo tomados. Esse é um movimento de educação que pode não dar um resultado imediato, porque a educação não tem resultados imediatos, mas que vai a longo prazo transformar toda a educação do município, dando exemplo para outros lugares, porque aqui tem a força das pessoas que querem aprender

Aparecida Uchôa, secretária de Educação, Cultura e Esporte de Conde

A metologia de ensino aplicada na rede municipal tem sido responsável por essa transformação na educação condense. Para identificar as principais deficiências na educação, são aplicados testes de sondagem, avaliações de percurso durante o ano letivo e assim, são realizadas as intervenções necessárias.

“O primeiro ano (da atual gestão) foi todo para uma arrumação nas escolas e nos CREIs. O segundo foi exclusivo para formação de professores e de sondagens do processo de aprendizagem de crianças, adolescentes, jovens e adultos. Para além disso, nos anos finais, nós implantamos a robótica, a matemática com utilização do Lego, a ciência com a pesquisa e isso foi mostrando para as crianças e jovens de Conde que eles têm condição de voar, por que a educação é isso. Educação vem para ensinar e o ensino dá asas para a imaginação e sonhos para crianças e adolescentes das escolas”, disse a secretária de Educação.

Não é apenas nessa área de estudo que os alunos se destacam. “Muitos meninos de Conde sendo premiados e em premiações nacionais, como a Olimpíada Brasileira de Matemática, meninos sendo menção honrosa na Olimpíada Brasileira da Língua Portuguesa e na de Redação, meninos que foram para as Olimpíadas de Ciências e que ganharam o 3º lugar, meninos da robótica que já receberam indicação para um prêmio nacional”, elencou.

Meninada na gringa: de Conde para o mundo

Foto: Niedja Andrade/Paraíba Já

Na Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental Deputado José Mariz, os alunos foram estimulados a desenvolverem projetos de ciência que visassem a resolução de problemas do cotidiano dos condenses e a reciclagem de materiais danosos ao meio ambiente. Um projeto desenvolvido inicialmente por nove alunos, idealizado para resolver um problema simples do cotidiano: buracos em ruas, virou destaque internacional.

O projeto Ecoblocos foi representado pelos estudantes André Júnior e Luciano Soares na 3º lugar Mostra Internacional de Ciência e Tecnologia (Mostratec), que aconteceu em Gramado, no Rio Grande do Sul, ficando em 3º. Eles concorreram com 276 projetos de 20 países.

André Júnior explicou que a ideia original do ecobloco era tapar buracos, mas ao se perceber a força do material, ele começou a ser projetado para ser uma espécie de tijolo para edificações.

“Além de ajudar o meio ambiente, a gente queria ajudar nas ruas. Vimos que tinham calçadas com buraco e a gente queria tampar usando algum meio que beneficiasse tanto o pavimento asfáltico como o meio ambiente. Daí a gente utilizou o isopor porque era uma substância que estava sendo descartada de maneira irregular no meio ambiente. Começamos com ele e vimos que quanto mais isopor acrescentávamos no bloco, mais forte ele ficava”, afirmou.

“Não esperávamos que suportasse nem uma tonelada”

Com os protótipos prontos, os estudantes supervisionados pela professora de Ciências, Alda Vieira, foram fazer testes no Centro Universitário de João Pessoa (Unipê) para descobrirem quanto eram capazes de suportar. Foram quatro modelos. O resultado foi muito acima do que os jovens estudantes podiam imaginar.

“A gente fez vários protótipos, que ficaram denominados como B1, B2, B3 e B4. O B1, teve uma resistência máxima de três toneladas; o B2, de quatro toneladas; o B3, de 3.7 toneladas e o B4 de 2.7 toneladas. A gente descobriu que quanto mais isopor a gente adiciona, que foi o caso do B2, mais forte ele fica. Não esperávamos que pudesse suportar nem uma tonelada. A gente se surpreendeu muito quando até quatro toneladas foram suportadas, principalmente por ser um material muito frágil e elástico”, explicou Luciano Soares.

Luciano explicou ainda como funciona o processo de feitura dos blocos de tijolos com isopor. Não tem nada do outro universo: apenas curiosidade, inventividade, força de vontade e o suporte necessário oferecidos pela professora, a direção da escola e a Secretaria de Educação do município.

“A gente pica o isopor manualmente, deixa o mais separado possível e depois junta com uma pasta leve com cimento, areia, água, brita e adiciona o isopor triturado. Tem que ser essa ordem senão afeta bastante na resistência do produto”, detalhou.

Futuro brilhante pela frente

A supervisora do projeto, Alda Vieira, explicou que neste ano a Secretaria de Educação implantou o projeto ‘Ciência na Escola’, no qual as instituições deveriam fomentar o desenvolvimento de projetos para resolver problemas do dia-a-dia dos alunos. Ela disse que quando explicou o projeto da secretaria e entregou os papéis com os detalhes, ninguém soube ao certo o que fazer. Mas o grupo inicialmente formado por nove alunos teve a ideia do ecobloco e, mesmo sem fazerem ideia de onde iriam chegar, conseguiram o prêmio internacional e outro prêmio na UFPB, o de segundo lugar na Categoria Ensino Fundamental Escola Visitante do prêmio VII Talento Científico Jovem, que aconteceu no Hall da Reitoria da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

“É um futuro grandioso. Eu disse que eles vão conseguir o que desejarem. O que eles quiserem, eles vão conseguir. Porque, a partir de uma brincadeira, aonde ninguém das duas turmas, dos 42 alunos, esperava que fosse chegar a esse ponto. O sucesso foi tão grande que após o projeto deles, outros alunos vieram com novas ideias, novos projetos, pedindo para que eu apresentasse as ideias deles”, comentou Alda Vieira.

Com o sucesso do Ecobloco, outros alunos da escola desenvolveram a Telha de Isopor, usando um processo semelhante e faturaram uma menção honrosa no VII Talento Científico Jovem da UFPB.