Uma das frases mais conhecidas de Marx é aquela na qual ele escreve que o capitalismo é uma contradição em processo. Só lemos notícias ruins sobre o desempenho da economia brasileira em 2015 e previsões assustadoras para 2016, mas começo por uma boa e me aventuro a cogitar outra possibilidade.
Meio à fórceps, a combinação perversa de recessão econômica e desvalorização do real ajustou o câmbio, tornando a balança comercial brasileira positiva neste ano e maior ainda em 2016. Trata-se de uma boa notícia até certo ponto, mas o Brasil não é um pequeno país asiático de plataforma exportadora. Para sair da crise, embora o mercado internacional seja muito importante, necessariamente a ênfase deve ser no mercado interno.
Um parêntesis. Neste ínterim, não resisto em citar a colaboração involuntária ao Brasil, vindo de onde menos se espera, o novo presidente argentino, Maurício Macri, à exportação da manufaturas brasileiras. Numa ação de choque, um verdadeiro cavalo de pau na economia política do kirchnerismo, visando repatriar dólares e eliminar o mercado negro (a classe média argentina esconde dólares até no colchão!), ele extinguiu todos os controles da moeda e liberalizou o câmbio, provocando uma violenta desvalorização, mais a inevitável (e trágica, para os mais pobres) alta de 4 por cento de inflação em um único mês. Resultado: deve acabar de vez a indústria e empobrecer a sociedade, conquanto torne competitivo o setor agrário exportador e os sonhos de luxo cosmopolita da alta classe média. Como se diz no Sertão, pense num cabra doido! Mas há método nessa loucura – o novo presidente sabe que conta com a indiscreta simpatia internacional dos mercados financeiros. Fecha parêntesis.
Com base na notícia do balanço comercial favorável, portanto tendo como um dos resultados o aumento de reservas, o Brasil poderia partir em 2016 para uma política de aumento do crédito, tanto público como privado. Neste ano, o crédito no Brasil teve – por política induzida de Joaquim Levy e do Banco Central – o menor crescimento desde 2007. Mas, para tanto, teria de mexer na Taxa Selic, visto que os bancos privados jamais vão investir quando podem auferir lucros enormes financiando a dívida pública. Não vi o novo ministro Nelson Barbosa falar uma palavra a respeito. Prefere requentar as ideias das reformas trabalhista e da previdência. Nem precisava, neste momento, fazer um cavalo de pau à lá Macri. Bastava sinalizar na direção correta.
Seria erro grasso terminal, na dura batalha, os estrategos do Governo Dilma confundirem o alívio conjuntural de final de ano como permanente. O alívio natalino foi conquistado depois da ação política de desinflar, momentaneamente, com os auxílios luxuosos das ruas e do STF, o mais recente ataque especulativo do impeachment. Contudo, os ataques especulativos, com certeza mais intensos, retornarão, caso o governo erre a mão.
Dilma e Nelson Barbosa que ponham as barbas de molho. A assim chamada “crise da saúde” do Rio de Janeiro – se me permitem o clichê – é somente a ponta do iceberg. No ano que se encerra, houve claramente uma crise econômica, política, e até momentos de crise institucional, mas não houve crise social disseminada. Para citar um exemplo empírico escolhido a esmo, as duas primeiras manifestações antiDilma dos setores conservadores e direita, tiveram a participação de apenas 7 e 4% de desempregados, respectivamente. Apesar da recessão, o fato, neste 2015 que só vai terminar em 16, é que brasileiros pobres não marcharam contra o governo. Nem precisarão, se o calo apertar: basta escancarar suas agruras de vida de gado pelas prontificadas câmaras de televisão.
A verdade é que o governo corre contra o relógio. Precisa, com artes de gênio, calibrar o tempo político e a economia em escasso tempo. Acaso, nos três ou quatro primeiros meses do próximo ano, não sinalizar na direção de saída da recessão e do crescimento, em algum momento o ataque especulativo de fim do mandato dará certo. Água mole em pedra amolecida se espatifa.