Dia da Mulher Negra evidencia parcela mais vulnerável da sociedade

Se a pandemia do novo coronavírus deixou mais evidente as diferenças da sociedade, isso passa, sem dúvida, pela figura da mulher negra no país. Aquela que continuou trabalhando nos lares dos patrões, como Mirtes Renata de Souza.

Ela perdeu o filho, o menino Miguel Otávio, de 5 anos, enquanto passeava com o cão da patroa, que não cuidou do garoto, em Recife. Aquela que continuou sendo vítima de violência doméstica, que cresceu no país no período de pandemia.

No Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, comemorado hoje, chama-se para atenção, mais uma vez, à importância do feminismo negro, da ocupação de espaços de destaque na sociedade por mulheres pretas. Ontem, foi projetada na cúpula da Câmara dos Deputados, espaço tão pouco ocupado por parlamentares negras, imagens de brasileiras pretas em comemoração à data. E nem na política a mulher negra escapa da violência, como aconteceu com a ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, que foi assassinada em  2018.

Professora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos (DEPP-DH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernanda Barros fala sobre a importância de uma pauta antirracista no país no campo de políticas públicas efetivas. “É necessário que o país incorpore uma pauta antirracista”, diz. Para ela, os partidos de esquerda e centro-esquerda precisam se unir e incorporar a agenda do feminismo negro, e assegurar o cumprimento do que é previsto na Constituição.

Presidente da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade (CNPI) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Silvia Cerqueira afirma que aqueles que historicamente são privilegiados precisam se aliar à luta dos negros, e cita a filósofa norte-americana Angela Davis: “Não basta não ser racista, precisamos ser antirracistas”. Silvia frisa a necessidade de que mulheres negras ocupem mais e mais espaços de destaque na sociedade, por meio de políticas de inclusão e “abertura de privilégios”.

A socióloga Thaís Silva dos Santos afirma que as mulheres negras resistem “não por uma solidariedade branca, mas por uma resiliência negra”. De acordo com ela, desde 2015 fala-se muito sobre a pauta do “bem-viver” da mulher negra, que significa o direito de ficar em casa sem medo da violência doméstica, de ter atendimento no Sistema Único de Saúde, de ter um trabalho de qualidade. “É um massacre sistemático e fica difícil de fugir. Por isso a gente tem que exigir o ‘bem-viver’”, pontua.

Retrocesso

Para a professora Fernanda Barros, o Brasil vive hoje um grande retrocesso no âmbito de conquistas e frisa a necessidade de uma unificação da luta. “A gente tem que avançar enquanto sociedade igualitária, em conjunto. É preciso que a sociedade brasileira reconheça o racismo, e que essa pauta não fique segmentada só na voz das mulheres negras, mas que o Brasil reconheça essa desigualdade social e racial”, afirma.

Em relação à violência, a situação é crítica. No crime de feminicídio, a maior parte das vítimas (66%) são mulheres negras, segundo dados do Atlas da Violência do ano passado, com dados de 2017. “Dentro da estrutura patriarcal pós-escravidão, a mulher negra é vista como uma mulher brutalizada, que aguenta todo tipo de pancada. Ao mesmo tempo, é hipersexualizada”, explica a professora.

Do Correio Braziliense