Devolução de recursos da Lagoa é uma saga que insiste em por a retórica acima da técnica

O choro desde 2015 é o mesmo. Nunca há espaço para se explicar. Parece aquelas discussões de casal problemático, que nunca chega a um fim pacífico e que só traz dor e sofrimento. Tem sido bem assim a postura da gestão do prefeito Luciano Cartaxo (PV) com o trabalho da Controladoria-Geral da União (CGU) quando se refere à fiscalização do contrato que executou a revitalização do Parque Sólon de Lucena, a Lagoa.

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O lance é que a PMJP não tem respostas para muitos dos questionamentos levantados sobre a execução desta obra e por isso usa desse expediente tacanho, de reduzir o trabalho da CGU para poder criar um discurso retórico frágil.

Em agosto e setembro de 2015 a CGU foi inspecionar, junto com a equipe do Grupamento de Engenharia do Exército, as etapas de demolição de muro de contenção, desassoreamento da lagoa (etapa mais conhecida como retirada de mais de 200 mil toneladas de lixo) e construção de galerias através de métodos não-destrutivos.

O que acontece, como se pode ver no relatório divulgado em dezembro daquele ano, é que em todos os pontos levantados como possíveis irregularidades, a CGU deu espaço para a Prefeitura de João Pessoa (PMJP) para explicar. Muitas vezes. Inclusive, prazos que foram  repetidamente perdidos e que o órgão auditor fez questão de renovar.

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Com o passar do tempo, cada um teve sua cruz para carregar. A PMJP carrega nas costas um inquérito civil e três policiais para apurar o caso. O prefeito Luciano Cartaxo teve até a belíssima iniciativa de instaurar comissão administrativa para se autoinvestigar e que muito gostaríamos de ter acesso ao resultado de tal procedimento. E o Ministério das Cidades tinha sete pendências no Sistema Monitor referente às irregularidades da obra da Lagoa. Nesse sistema, elaborado pela CGU, o gestor responsável deve registrar as suas ações e providências, bem como enviar documentos comprobatórios. Sem as devidas respostas, a CGU poderá acionar órgãos de fiscalização, como Procuradoria-Geral da República (PGR) e Tribunal de Contas da União (TCU), para sugerir investigação no sentido de improbidade.

A partir daí começou a saga de Luciano Cartaxo e as tentativas de estancar a sangria de mais de R$ 10 milhões que escoariam dos cofres municipais direto para a União. Começaram as cobranças.

Era um efeito cascata: a CGU cobrava a resolução das pendências ao Ministério das Cidades; este determinava que a Caixa Econômica Federal estipulasse um prazo para que a PMJP pagasse o ressarcimento milionário para sanar administrativamente os prejuízos causados pela obra. E a PMJP procurava o Ministério das Cidades para pedir a suspensão da cobrança, apresentando um ofício elaborado pela Caixa (que é parte integrante da execução da obra); o ministério suspendia a cobrança temporariamente e pedia a CGU para reavaliar o valor do ressarcimento; a CGU respondia ao Ministério das Cidades com notas técnicas refutando o argumento da PMJP (o ofício feito pela Caixa); o ministério voltava a demandar a Caixa para dar novos prazos para a PMJP pagar os mais de R$ 10 milhões e todo esse ciclo vicioso se repetia. Ficou confuso? Deixo abaixo esse esquema procrastinatório inspirado na arte de Dallagnol:

Acontece que a PMJP cansou da brincadeira de gato e rato. Decidiu processar a União por essa brincadeira de mau gosto. Na ação, disse que a CGU não deixou ela se explicar sobre notas técnicas e que por isso não podia pagar dinheiro nenhum. O problema é que a nota técnica foi feita a pedido do Ministério das Cidades, após apelos da PMJP, e a CGU encaminhava os documentos para o solicitante, que era… o ministério.

Para o juiz, a CGU foi “malévola”. Depois de tantas e tantas oportunidades para se explicar, ele concedeu mais 30 dias para a PMJP falar mais uma vez. Parece ser uma piada. Quatro anos de explicações que nunca resolvem o problema.

Agora a ação sobe para o TRF-5. Das 33 motocicletas e carros de passeio que transportaram as 200 mil toneladas de lama retiradas da Lagoa, que nunca foram comprovados os despejos no aterro sanitário; dos fiscais noturnos com glaucoma; do muro de contenção demolido e nunca comprovado o ano de origem, assim como seu material; de empresa fantasma elaborando laudo técnico e ausências de ARTs, a defesa retórica da PMJP afronta a capacidade técnica da CGU mais uma vez. Que recomecem os jogos.