Desafios de um governo que começou numa sexta-feira 13 e a sabotagem do PT a Dilma

Conquista de credibilidade nacional e internacional, estabilização econômica, pactuação de uma trégua no Congresso para a governabilidade, consolidação de uma base de sustentação política, abertura de diálogo com os movimentos sociais, combate efetivo à corrupção (apoio à operação Lava Jato) e construção de uma agenda com agentes econômicos decisores dos setores primário, secundário, terciário e quaternário. São esses alguns dos desafios mais urgentes, além das reformas política e da Previdência, que se apresentam ao presidente interino Michel Temer a partir de ontem, última sexta-feira 13.

E é nesse campo onde ele corre os maiores riscos. Vejamos:

  1. Credibilidade
    Pesa contra Temer o fato de ter o nome incluído entre os apontados pela Operação Lava Jato como beneficiário de propina. Um corrupto não ganha respeito. De ninguém. Muito menos credibilidade. A desconfiança manterá a prevenção internacional e as agências de risco manterão o Brasil sob alerta negativo.

    Para além das citações da Operação Lava Jato, o presidente interino Michel Temer foi condenado pelo Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo (PRE-SP) na Lei da Ficha Limpa e está inelegível pelos próximos oito anos.

  2. Estabilização da economia
    Isso depende muito das condições que ele possa construir para evitar o fogo amigo que defende o mercado de cargos, o que pressupõe estrutura obesa para a parasitagem. A estabilidade depende do exemplo do governo. É aquela história de faça pois também estou fazendo. Se não cortar gastos…

    Novo ministro da Fazenda Henrique Meirelles garante que novos impostos serão temporários. Mas terá novos tributos…

  3. Pactuação de uma trégua para a governabilidade.
    PT e PSDB se dobrarão a essa urgência nacional? Líderes petistas já advertiram que farão oposição radical. Temer terá que jogar forte para reduzir o impacto da depredação que o seu governo sofrerá sob a gritaria de que é golpista e traidor. Apesar de Serra ser ministro, o PSDB não fará grandes esforços para fortalecer o PMDB no Governo. É aquela história de não criar corvos. Eles podem te bicar os olhos.

    Senador pelo PT-RJ, paraibano Lindbergh Farias, durante discurso da votação do afastamento de Dilma no Senado, garantiu que a bancada petista “não reconhecerá esse governo como legítimo”, porque é “um governo fruto de um golpe” e que por onde Michel Temer for “andar nesse país, terá estudantes, professores, trabalhadores a levantar a voz dizendo ‘que não aceitamos um governo com essas características”. E garantiu, com ênfase: “nós vamos fazer uma dura oposição”.

    Senador Cássio Cunha Lima, líder do PSDB no Senado, em entrevista ao UOL, após votação do afastamento da presidente Dilma, ensaiou um aceno ao Michel Temer e o PMDB. Ele afirmou que a permanência de Temer no poder terá como condicionante a resolução da crise econômica no país. Mesmo com Serra ocupando ministério, o líder tucano defende tese de novas eleições presidenciais.

     

  4. Base de sustentação política
    Vi em alguma TV alguém comentando que os votos que levaram à admissibilidade do processo de impeachment na Câmara e no Senado são indícios de que ele terá uma folgada maioria para iniciar o governo. Nada indica que isso será automático. A dieta do Congresso, garanto, não é low carb, está mais para high fat. Quem viveu de mensalão e petrolão não vai querer apenas frugais temeridades light.
  5. Agenda com movimentos sociais
    Difícil vislumbrar uma agenda de Temer com entidades a exemplo do MST, CUT, UNE, MTST, Levante Popular da Juventude e outras. Todas já prometeram ir às ruas “contra o governo do golpe”. Quanto ao combate à corrupção, muita gente assistiu à entrevista em que o hoje presidente interino disse ao jornalista pernambucano Gerson Camarotti que dificilmente poderia evitar em seu Ministério alguém investigado pela Lava Jato. Disse muito em poucas palavras.

Finalmente, há essa agenda complicada com o empresariado, talvez a mais tranquila de estabelecer devido ao trânsito e ao prestígio do anunciado ministro da Fazenda Henrique Meirelles. Vamos ver no que tudo vai dar.

Processo foi político, para a surpresa de absolutamente ninguém

Já passava das quatro da manhã de ontem quando os senadores José Serra, do PSDB, e Humberto Costa, do PT, se pronunciaram sobre o processo de impeachment. Estava na reta final a sessão de votação iniciada quase 20 horas antes, e que culminou com o afastamento temporário, há quem diga permanente, da presidente da República.

Expondo argumentos divergentes, os dois, representantes dos partidos que polarizam na atualidade a disputa pelo poder no Brasil, chegaram à mesma e óbvia conclusão: todo o processo foi político.

Para Serra, um ato político constitucionalmente orientado. Longe, portanto, de ser um golpe que revogaria a ordem republicana em que se instala e opera a democracia procedimental.

Discurso do senador José Serra (PSDB-SP), na votação do afastamento da presidente Dilma no Senado.

Para Costa, um ato político ilegítimo, um golpe contra o ordenamento democrático, uma “quartelada civil” motivada pela cobiça dos adversários que perderam a eleição para presidente.

Discurso do senador Humberto Costa (PT-PE), na votação do afastamento da presidente Dilma no Senado.

Se tudo foi realmente político, então é possível acrescentar ao argumento: tudo poderia ter sido evitado. Bastaria o manejo eficiente das ferramentas de que dispõe a política. O que não quer dizer chantagear adversários, manipular parceiros, comprar apoio.

Receita para ser impichado

O caminho do êxito na política é fazer tudo o que a presidente afastada não gosta de fazer. Ela detesta coisas como compartilhar o acesso ao núcleo das decisões, cultivar e consultar a base partidária, franquiar à direção dos partidos aliados decisões orçamentárias, recuar estrategicamente quando das ponderações dos parceiros, fomentar grupos de interesse entre a base partidária, acompanhar os bastidores das disputas travadas pelos aliados, praticar a etiqueta do tapinha nas costas e do riso solto. Com um agravamento: sua visão estratégica precisa urgentemente de um oftalmologista. Ela errou demais. E prometeu além do que poderia cumprir.

Mas Dilma fez muita coisa por “eles”, mesmo sem gostar, coisas como manter um ministério mastodôntico com o objetivo exclusivo de alimentar o clientelismo, tapar os ouvidos às denúncias de irregularidades, fechar os olhos à patifaria na Petrobras para não desagradar a Lula e demais “companheiros”, sucumbir à gastança em tempos de crise. Até aumento da verba partidária ela assinou para tentar sensibilizar o bolso dos deputados. Não deu certo.

Culpas e responsabilidades

Se a presidente foi turrona, fechada em copas, impermeável ao populismo e inapetente ao diálogo, ela não pode ser totalmente responsabilizada pela tragédia política que vive e na qual estão mergulhados o Governo e o país. E bote tragédia nisso.

Ao menos três fatores foram decisivos para esse desfecho negativo da batalha que ela realizou contra o impeachment. O agravamento da crise econômica que corroeu sua popularidade, o abandono político de Lula, irritado por ela não ter barrado o avanço supersônico da Operação Lava Jato sobre o território governista e a atuação do PT contra ela. Há quem não lembre. Mas recordar é viver.

Quem não lembra do programa do PT, exibido em rede nacional no horário nobre, em maio do ano passado, enquanto a crise econômica avançava ferozmente, denúncias da Lava Jato se intensificavam e a popularidade de Dilma ruia como um castelo de areia? Neste programa, o ex-presidente Lula foi protagonista e ela nem sequer apareceu. O principal discurso do partido era críticas ao governo vigente… um governo do PT. Um exemplo é a defesa da preservação dos direitos trabalhistas conquistados em contraposição ao pacote de medidas no setor que, à época, havia recentemente decretado pela presidente, como reajuste na regulação do seguro-desemprego.

Em maio de 2014, quando a presidente foi a São Paulo oficializar sua candidatura à reeleição num evento do PT, foi recepcionado por 800 militantes que entoavam e repetiam com frenesi a frase curta, mas de longa simbolização política: Volta, Lula!. Isso na cara da candidata. Era a expressão do sentimento partidária com relação não só à candidatura, mas ao próprio governo que ela encarnava.

Mas Lula deixou claro na convenção quem disputaria a reeleição em 2014 pelo PT, contrariando gritos da militância. “A única candidata é Dilma”.

Depois disso, foi o dilúvio. E ninguém sabe o que virá a partir desta sexta-feira. Sexta-feira 13…

(Reproduzido do jornal A União, de 13/05/2016)