De Ganimedes a Páris, de Jó a Cartaxo, os deuses ainda riem de nós

Há uma regra de ouro na política das divindades. E ela prevê o manejo do nosso destino, pobres mortais que somos. É um jogo que eles consideram divertido. Mas é obvio que geralmente só eles se divertem.

Vejam o lance com Ganimedes, transformado em garçom celestial do Olimpo por Zeus. O deus dos deuses, metamorfoseado em águia, não só raptou o príncipe troiano como fez o que fez em pleno voo, sem que o carinha pudesse se defender.

Li outro dia no “Já” que Ganimedes foi até recompensado pelos favores de uma divindade pra lá de linda. Mas tenho certeza que ele nunca se conformou com a expansão invasiva dos desejos de Zeus. Uma aprontação realmente gigante esta, raptar alguém para escravizar por toda a eternidade.

Por falar em Tróia, a guerra com os gregos, é o que dizem à boca miúda no Ponto de Cem Réis, foi provocada por um joguinho de vaidade dos olimpianos.

Lembra daquela história do pomo da discórdia? É isso. Éris, deusa da discórdia, não foi convidada para um assustado que rolava no Olimpo. Dizem que teve até show de Luan Estilizado.

Enfezada com a desfeita, a botocada mandou para a boate a fatídica maçã de ouro e anunciou num blog que o presente era para a mais bela das deusas. Pronto. Começou a… discórdia. Hera, Afrodite e Atena, que se achavam e continuam se achando, exigiram que Zeus, novamente ele, decidisse.

Sabendo que aquilo era fria, Zeus resolveu jogar a bola nas mãos de Páris, mortal filho do rei Príamo de Tróia, e considerado na época, segundo o Datafolha, o mais justo dos homens. As três belezocas ofereceram presentes em troca do voto de Páris, e esse ficou chapado com o que lhe ofereceu Afrodite: ele teria a mais linda mulher do mundo. Justamente Helena. De Tróia. Uma dama bela, recatada e do lar casada com Menelau, o rei de Esparta.

Páris votou em Afrodite. O resto da história tem o cavalo e a destruição da cidade que se transformou num inferno.

E falando em inferno, até na Bíblia há exemplos de como as divindades jogam com o destino da gente. Li no livro sagrado que um dia Satanás voltava da churrascaria quando se encontrou com Deus na calçada da Catedral. Disse ao Todo Poderoso que admirava a devoção demonstrada por Jó.

Deus referiu-se em regozijo à fé inquebrantável do fiel. O diabo argumentou que a devoção não resistiria a qualquer privação, e que Jó só era devoto porque Deus tinha lhe concedido saúde, riqueza e amor. Foi aí que Jó se trumbicou. Deus disse ao cão que podia pegar pesado. E testar a fé de Jó aos limites do inferno. Deus ganhou o desafio. Todo mundo sabe. Mas o pobre do Jó penou demais até que a tocha olímpica da felicidade voltasse de uma vez por todas às suas mãos.

É isso. Os deuses brincam com o destino da gente. Insisto nessa tese ao testemunhar o que os deuses do marketing político estão fazendo com alguns eleitos por esses dias.

O prefeito de João Pessoa Luciano Cartaxo é uma das vítimas dessas divindades. Vejam este caso da manifestação contra a cultura do estupro. Foi quando as participantes picharam o letreiro com declaração de amor a João Pessoa no busto de Tamandaré. A reação da Prefeitura: criminalizou os movimentos sociais protagonistas do protesto acusando o ato de vandalismo.

Que burrice. É como se os deuses do marketing político estivessem jogando com o prefeito um bozó em que o número que cai pra ele é sempre o menor. O que foi um ato de apropriação criativa para otimizar a manifestação, simbolizando t a posse de um patrimônio, o letreiro, que é também das manifestantes que usaram tinta lavável, foi considerado um crime pelo prefeito que chegou a lançar uma nota oficial criticando o evento. Os deuses certamente gargalharam.

Mas pior mesmo foi quando recentemente o governador Ricardo Coutinho resolveu dar um basta na buraqueira infernal do acesso à Estação Ciência.

Pelo Twitter, o governador chamou o feito à ordem e disse que se o prefeito não tampava os buracos ele iria providenciar as tampas. Qual foi a reação do prefeito obviamente insuflado pelas divindades brincalhonas do marketing político?

Passou recibo, com carapuça e tudo, chamou um monte de secretários e foi ao local no dia seguinte para demonstrar que: a área estava realmente entregue aos mosquitos da dengue, que a buraqueira era enorme, que o governador estava coberto de razão, que havia uma obra paralisada, que a Prefeitura não resolvera o problema, que o transtorno persistiria e que ele nada podia fazer além de dizer que a obra será concluída um dia.

A leitura geral do episódio foi a de que o prefeito fora obrigado a sair do gabinete devido ao carão do governador, que agira como um assessor flagrado em omissão, que mais parecia um secretário que levava um pito em público e que a única reação possível era demonstrar que realmente estava em falta, mas que correria para atender à reclamação do governante. Diante dessa e de outras, é que insisto na minha tese: os deuses continuam a rir de nós, pobres mortais.

(Reproduzido de o jornal A União, 05/05/2016)