Por Walter Galvão, do jornal A União
Fiquei um pouco decepcionado com o filme “O Regresso”. Esperava mais imaginação na fabulação fílmica da história real que ele conta, menos apropriação naturalista da paisagem e mais transfiguração idealística do orgânico natural, mais provocações político-ideológicas e menos omissão conformista do tipo “isso você já sabe”. Considero, no entanto, que o resultado da integração de talentos inquestionáveis é fonte de certezas quanto às possibilidades positivas de realização do cinema industrial.
Concordo com parte da crítica que considera essa obra de Alejandro González Iñárritu um êxito quanto ao domínio da técnica a serviço de um cinema de impacto cheio de emoção, ação e beleza. Aí, cabe a pergunta: E de que você precisa mais? E eu respondo: Nem só do espetacular e do sensacional vive o público do cinema. Preciso de uma ambiência estética crítica que me proponha várias possibilidades de leitura que me comovam, mas também informem sobre o tempo: o nosso tempo, o do tema do filme e o do próprio filme.
Do cinema, quero também uma narrativa que exponha com nitidez parâmetros históricos e formais que referenciem as experiências da linguagem cinematográfica, seus eixos construtivos, elementos articulatórios, suas buscas formais; de um diálogo da obra com a própria tradição de onde emerge para que eu possa sentir o que ela é capaz de propor contra lugares comuns.
Discordo, portanto, quanto a ser “O Regresso” uma obra “radical” ou mesmo “inovadora” “sobre o homem, sua luta para sobreviver e seu desejo por vingança”. Lembro de uma obviedade que aprendi na minha trajetória de observador das possibilidades da imaginação artística: estamos todos em busca de beleza e sentido na obra de arte, coisas que nem sempre andam de mãos dadas. Essa dupla aspiração legítima da consciência que percebe, compara e avalia, habita de forma parcial, e inconclusiva, “O Regresso”.
O melhor que ele nos oferece é obviamente a pegada estilística do diretor, um virtuose que consegue surpreender ao planejar e desenhar seus espaços cinematográficos. Ele impregna a obra que produz com a retórica maneirista para o bem e para o mal do fragmento que fundamenta a “figuração” intelectiva e expressional da pós-modernidade. Desde “Amores brutos” (2000), passando por “21 Gramas” (2003), “Babel” (2006) até “Birdman”, vencedor do Oscar do ano passado (filme, diretor, roteiro, fotografia), o diretor mexicano conquistou o respeito do público e da crítica com a sua linguagem elíptica e poética, fragmentária e provocativa.
Em “O Regresso”, no entanto, ao buscarmos a sua dinâmica histórico-processual, encontramos mais repetição sem acréscimos de uma temática com a mesma ambiência mítica, os conflitos morais, o mesmo firmamento de desejos e temores, os mesmos prodígios imaginativos de clássicos da cinematografia norte-americana. E eu começaria citando “Fúria selvagem”, (Richard C. Sarafian, 1971), que conta a mesma história, a de Hugh Glass ferido por um urso e abandonado pelos companheiros; do mesmo período, “Pequeno grande homem” (1970, Arthur Penn) apresenta a problemática moral dos conflitos étnicos do final do século XIX nos EUA que orquestrou o assassinato de nações indígenas, no mesmo diapasão narrativo com feedbacks, janelas várias de eventos em épocas distintas; além de “Um homem chamado cavalo” (1970, Elliot Silverstein) filme no qual a resistência à dor e à humilhação gera o aço da redenção. Em “Fitzcarraldo” (1982, Werner Herzog), “Apocalipse now” (Francis Ford Coppola, 1979) e “O predador” (1987, John McTiernan), o protagonismo da natureza plena, amoral e indiferente em sua grandeza, embebida em névoa onírica, nega qualquer originalidade ao cenário recortado no Canadá pelo diretor mexicano para estruturar seu filme tão admirado, merecidamente. Considero uma obra válida, repito, devido ao ímpeto estilístico diferenciado de Iñárritu. Mas é um ponto de inflexão para menor numa cinematografia especial. As informações são do Jornal A União.