O editor-chefe do jornal A União, Walter Galvão, criticou duramente a postura do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em um artigo publicado na edição desta quarta-feira (19) da publicação. No texto, o jornalista paraibano relembra que FHC, que agora pede que a presidenta Dilma Rousseff (PT) renuncie do mandato por sua ‘baixa popularidade’, já justificou a necessidade de tomar medidas impopulares, ainda que com queda de popularidade, durante seus mandatos enquanto presidente.
“A propósito da impopularidade, FHC, no seu livro “Cartas a um jovem político – Para construir um país melhor”, escreve que “eu perdi a popularidade várias vezes, durante minha passagem pela Presidência, mas não abri mão de tomar decisões que deviam ser tomadas. (…) O tema da popularidade, tão interessante, também é enganoso. As pessoas pensam que existe uma só direção, uma só trajetória para o prestígio popular, e não é assim. (…) Tudo bem: dá para reconstruir a popularidade se você não tiver perdido o respeito”, disse Galvão no artigo.
Leia o texto na íntegra:
Fisiologismo de FHC
É claro que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, oráculo, avatar, alquimista e cientista do PSDB não daria uma de Carolina na janela olhando a banda da contestação passar sem uma gesticulação apropriada à conjuntura política atual em que um aloprado da CUT promete pegar em armas para defender a continuidade de Dilma no cargo.
Principalmente porque não teve o PSDB a coragem, ou a legitimidade, para mostrar a cara de oposição que deveria ostentar na caminhada da classe média, ou dos coxinhas, ou de setores da população pró-impeachment da presidente. No mínimo, por obrigação eleitoreira teria a agremiação que ter feito um pouquinho mais depois de ter se pronunciado no horário político gratuito agitando a galera.
O ex-ministro José Serra, cardeal capa preta peessedebista declarou ter participado do ato público de domingo na condição de “Zé”, um simples cidadão.
Outro que participou foi Aécio Neves, candidato a presidente da República. Ele se cercou de amigos e assessores e protagonizou festiva, mas recatada imersão no evento. Repetiu o discurso de sempre ancorado nas críticas à corrupção.
O senador Cássio Cunha Lima, líder dos tucanos no Senado, que na segunda-feira pediu a renúncia da presidente, sequer ousou pisar na calçada da contestação dominical.
Foi toda tímida, quando pretendiam que fosse temida, a presença partidária nas ruas. Ouviu-se o rugir de um camundongo que se queria leão.
FHC, que conquistou as manchetes dos principais jornais do Sudeste, ontem, com a declaração de que a renúncia da presidente seria “ato de grandeza”, decidiu compor um cenário a partir do prestígio que desfruta na condição de formador de opinião intra, trans e interpartidário.
Ao mesmo tempo em que convocou o partido a unificar o discurso, FHC mostrou a necessidade de um contrapeso ao avanço de Renan Calheiros (PMDB) enquanto interlocutor privilegiado do Palácio, fragilizou a militância de Michel Temer na cruzada fisiológica para acalmar os ânimos no Congresso, porque sua fala baldeia a água em que mergulha o vice-presidente, provocou agentes econômicos ao enfatizar a crise de governabilidade, e tentou barrar o suado avanço da presidente no esforço de recompor a base aliada do qual o jantar da noite de segunda-feira foi sinalização explícita.
A operação de FHC aconteceu ao mesmo tempo em que o ministro Luiz Roberto Barroso, do STF, declarou, na sede do instituto do qual o ex-presidente é patrono, e ao lado dele, que o país não deveria trocar seu patrimônio institucional para abreviar o tempo do governo da presidente Dilma porque ela se tornou impopular.
A propósito da impopularidade, FHC, no seu livro “Cartas a um jovem político – Para construir um país melhor”, escreve que “eu perdi a popularidade várias vezes, durante minha passagem pela Presidência, mas não abri mão de tomar decisões que deviam ser tomadas. (…) O tema da popularidade, tão interessante, também é enganoso. As pessoas pensam que existe uma só direção, uma só trajetória para o prestígio popular, e não é assim. (…) Tudo bem: dá para reconstruir a popularidade se você não tiver perdido o respeito”.
O livro pela editora Alegro é de 2006. Hoje, FHC insinua que Dilma perdeu o respeito da população porque seu patrono, o presidente Lula, teve a imagem arranhada pelo boneco inflado com roupa de presidiário que o representava na marcha em Brasília.
Também ontem, em editorial, o diário “The New York Times” diz que promover a necessidade do impeachment da presidente Dilma, sem provas concretas de que ela estaria envolvida no escândalo do petrolão, não é bom para o país: “Ela, admiravelmente, não fez nenhum esforço para impedir ou influenciar as investigações”, afirma a publicação.
Sob a ótica do neossocialismo bolivariano, a gesticulação de FHC é política meramente no sentido fisiológico porque não interessa à Pátria Grande o desmonte dos farrapos esquerdistas que resistiram ao trato negocial do PT do Mensalão. À luz do neoliberalismo do qual o NYT é porta-voz não interessa o discurso de FHC por prestar desserviço ao fluxo de capitais no jogo de gato e rato da globalização financeira. É certo que FHC subiu com o pé errado no palanque. Mas ele ainda pode dizer: esqueçam o que eu disse. E recomeçar.