A décima edição do Fest Aruanda, o maior festival de cinema da Paraíba e o único no país que homenageia um filme no seu nome (Aruanda, de Linduarte de Noronha, filme paraibano precursor do Cinema Novo) foi, sem dúvidas, um acontecimento único e carregado de simbolismos. Desde a programação de curtas e longas-metragens de ficção e documentário, os convidados, debates, homenagens e até mesmo os atos políticos, o Festival se caracterizou pela abertura, participação intensa e recepção calorosa do público.
Convidados de peso como os atores Lima Duarte, Virgínia Cavendish, Bete Mendes, Marco Ricca, o escritor Fernando Morais e o músico Geraldo Vandré fizeram a diferença nessa edição histórica do Fest Aruanda. Realizado esse ano no complexo da rede Cinépolis, no Manaíra Shopping, o Festival teve um acréscimo considerável de público e ganhou maior qualidade de projeção e de recursos técnicos
Houveram críticas ao fato do festival acontecer num Shopping Center, ambiente eminentemente comercial, onde as atenções se dispersam. O coordenador do Fest Aruanda, Lúcio Vilar, justifica argumentando a falta de um local alternativo aos multiplex dos cinemas comerciais. “Em João Pessoa, infelizmente, não temos salas de cinema que comportem o público de um Festival da dimensão do Aruanda fora dos shoppings. O público do Festival, em algumas noites, ultrapassou 200 espectadores”, explica ele.
Filmes que se destacaram
Curtas
Entre os curtas-metragens exibidos, os filmes Praça de Guerra (PB) de Edi Junior, e Sinaleiro (SP), de Daniel Augusto, documentário e ficção, respectivamente, foram obras que chamaram a atenção do público e da crítica do Festival. Sobre a resistência política à ditadura militar no alto Sertão paraíba, em 1969, o doc de Edi Junior conquistou o público com uma narrativa fluida, direção segura e história envolvente.
A ficção de Daniel Augusto, que mostra a rotina de um senhor idoso que mora numa casa abaixo da linha de um trem, interpretado pelo ator paraibano Fernando Teixeira, tem uma linguagem e uma estética criativa e ousada, sendo mais preponderante até mesmo que o próprio enredo, a personagem e os demais elementos retratados em cena. Com uma pegada meio de suspense psicológico, também agradou ao público.
Longas
Da lista de longas-metragens exibidos, ao menos três tiveram uma repercussão diferenciada junto ao público: as ficções Nise, No Coração da Loucura (RJ), de Roberto Berliner e Através da Sombra, de Walter Lima Jr, e o documentário Invólucro, de Caroline Oliveira. A cinebiografia da psiquiatra brasileira Nise da Silveira, que revolucionou o tratamento de patologias mentais através da arteterapia teve um apelo emocional forte devido a história retratada e a consistência das atuções do elenco, destaque para Glória Piris, que interpretou a protagonista.
A ficção dirigida por Walter Lima Jr, impressiona pelo cuidado da produção, a estética utilizada e a tentativa de fazer um drama psicológico com elementos de suspense, gênero pouco explorado no cinema brasileiro. A atriz Virgínia Cavendish tem uma performance impressionante, sendo o ponto alto desse filme. O documentário de Caroline Oliveira discute a condição feminina através da história e da rotina três mulheres e da ótica da diretora, que tem uma presença semionisciente no doc. Impressiona e envolve pela sensibilidade, apuro técnico e o apelo que a narrativa da produção estabelece.
Homenagens
Durante o 10º Fest Aruanda houve várias homenagens. A primeira foi uma espécie de tributo, uma homenagem póstuma a Walfredo Rodrigues, paraibano pioneiro do cinema cujo trabalho é historicamente pouco referenciado. O escritor Fernando Morais recebeu o Troféu Aruanda por sua contribuição com argumentos que foram adaptados ao cinema. O cineasta paraibano Torquato Joel foi homenageado pelo conjunto da obra e pela contribuição ao curta-metragem na Paraíba.
O ator Lima Duarte recebeu o Troféu Aruanda pelo conjunto da obra. A última homenagem do Festival foi na noite de encerramento, com a entrega do Troféu Pedra Bonita de Contribuição às Artes e a Cultura Nordestina e o Troféu Aruanda pela contribuição ao cinema brasileiro pela trilha sonora de filmes como A Hora e a Vez de Augusto Matraga e Cinco Vezes Favela, ambos clássicos do Cinema Novo. Momento carregado de emoção e simbolismo.
Debates
Os debates promovidos durante o Festival foram um capítulo à parte. O público pode interagir e fazer perguntas diretamente aos diretores dos filmes, aos atores e convidados. Destaque para o debate sobre o filme Chatô, com presença de Guilherme Fontes, Fernando Morais, Lima Duarte e Marco Ricca, o debate sobre o filme Eles Não Usam Black-tie, com a atriz Bete Mendes, uma das protagonistas da obra, e o histórico debate com o cantor e compositor Geraldo Vandré.
Protesto
Falas de teor político sobre o momento atual na Paraíba e no Brasil foram recorrentes em vários momentos do 10º Fest Aruanda, sejam em discursos de homenageados, convidados e premiados seja num ato sem si. Protesto contra o atraso do pagamento de editais de fomento ao audiovisual paraibano, corte de recursos da área e atos contra o Impeachment da Presidente Dilma e pela saída do presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, deram a tônica. Um ato realizado pelo Fórum do Audiovisual Paraibano, no segundo dia de Festival, reuniu essas pautas e contou com faixas, leitura de manifesto e gritos de “Fora, Cunha!”.
Premiação
A cerimônia de premiação do 10º Fest Aruanda aconteceu de forma apressada, sem tempo para discurso dos premiados devido ao atraso na programação e a horário para a entrega da sala Macro XE, a IMAX do Cinépolis Manaira Shopping. Após o encerramento do Aruanda estava agenda a pré-estreia do novo Star Wars. Entre os curtas que competiam, o documentário Praça de Guerra, de Edi Junior, foi o grande vencedor da noite, levando o Prêmio da Crítica, Melhor curta pelo Júri Popular, Melhor curta paraibano e o Prêmio Abraccine de melhor curta.
Na competição entre os longas a ficção Travessia, de João Gabriel, se destacou levando os prêmios de melhor longa, melhor montagem e melhor ator (Chico Díaz), conquistando também R$ 20 mil em serviços de pós-produção com a Mistika.
O documentário Invólucro venceu o Prêmio da Crítica e o Prêmio especial do júri/ Prêmio Abraccine de melhor longa. Um público de cerca de 700 pessoas marcou presença na cerimônia de encerramento e premiação. A noite teve ainda a exibição especial do documentário Chico – Artista Brasileiro, de Miguel Faria Jr, o filme que fechou o 10º Fest Aruanda e homenagem a Geraldo Vandré. Confira a lista completa dos premiados por categoria:
TV Universitária
PROGRAMA DE TV: TV Mackenzie – São Paulo, SP.
Título: “Os Profissionais 22 ? Cibercrimes, Qualidade de Vida e Erros de Português”, de Wllyssys Wolfgang
DOCUMENTÁRIO: TV UNAERPE – Ribeirão Preto, SP.
Título: “Baque Chamou”, de Flávia Martelli
INTERPROGRAMA: TV PUC Rio, RJ.
Título: “Fotogramas do Rio Evandro Teixeira”
REPORTAGEM: TV Mackenzie – Anápolis, GO.
Título: “Invisíveis das ruas para as ruas”, de Adriana Chiaradia
Curtas
Melhor curta: Tereza, de Mauricio Baggio (12’ – ficção – Curitiba PR – 2015)
Melhor Roteiro: Maurício Baggio por Tereza
Melhor direção: João Paulo Palitot por Santa Rosa (20′ – ficção – João Pessoa PB – 2015)
Melhor ator: Bertrand Araújo por Santa Rosa
Melhor direção de fotografia: Jacob Solitrenick por O Sinaleiro, de Daniel Augusto (15′ – Ficção – São Paulo SP – 2015)
Melhor montagem/edição: Daniel Augusto, por O Sinaleiro
Melhor som: Luiz Murilo Manso, por O Sinaleiro
Melhor atriz: Natália Moraes, por O Fim do Verão, de Caroline Biagi (13’43 – Ficção – Curitiba PR – 2015)
Melhor trilha sonora: David Neves e Seu Pereira Coletivo 401, por O Terceiro Prato, de Pablo Maia (20’ – Ficção – João Pessoa PB – 2015)
Melhor curta paraibano/ Prêmio BNB de melhor curta com temática nordestina/ Melhor curta Júri Popular/ Prêmio Abraccine de melhor curta: Praça de Guerra, de Edi Júnior (19’01 – Documentário – Catolé do Rocha PB – 2015)
Melhor animação: O Diário de uma Terra Chamuscada, de Vinicius Ângelo (3’47 – Animação – João Pessoa PB – 2015)
Longas
Melhor longa: Travessia, de João Gabriel
Melhor montagem: Lillah Halla e João Gabriel por Travessia
Melhor ator: Chico Diaz por Travessia
Melhor direção/ Melhor roteiro: Aly Muritiba, por Para Minha Amada Morta
Melhor direção de fotografia: Pedro Farkas por Através da Sombra, de Walter Lima Jr.
Melhor atriz: Virgínia Cavendish, por Através da Sombra
Melhor trilha sonora: Jacques Morelembaum, por Nise – no coração da loucura, de Roberto Berliner
Melhor direção de arte: Daniel Flaskman por Nise – no coração da loucura
Melhor longa júri popular: Nise, no coração da loucura
Melhor som: Uerlem Queiroz por Garoto, de Júlio Bressane
Prêmio especial do júri/ Prêmio Abraccine de melhor longa: Invólucro, de Caroline Oliveira. Pelo olhar sensível sobre o universo feminino
Prêmio da Crítica
O júri da crítica foi composto por mim, Sandro Alves de França, junto com os jornalistas e críticos de cinema Luiz Zanin Oricchio, crítico do Jornal O Estado de S. Paulo e André Elias Dib, colaborador do jornal Diário de Pernambuco e da Revista Continente. Foram escolhidos como melhor curta o filme Praça de Guerra (PB), de Edi Junior, e como melhor longa o filme Invólucro (PB), de Caroline Oliveira.
Fechando
Essa edição do Fest Aruanda pode ser considerada a melhor da história do Festival. Tanto na programação de filmes escolhidos, quanto nos debates, na qualidade das projeções, presença de convidados especiais e outros detalhes menores que fizeram a diferença, fazendo do evento um marco entre as ações de cinema no cenário local, regional e nacional.
O coordenador do Fest Aruanda, Lúcio Vilar, falou das mudanças desse ano e destacou que mesmo vivendo um ano de crise aguda, o Festival conseguiu se sobressair buscando caminhos alternativos para obter apoio e patrocínio. “A mudança para o Cinépolis trouxe um acréscimo de público, pois as salas comportavam muito mais pessoas, algumas tem espaço para 200 e 500 pessoas, também as telas de exibição maiores e a qualidade da projeção foram um diferencial muito importante. Tivemos esse ano uma participação da iniciativa privada (no apoio ao festival) como nunca antes. Tivemos o patrocínio de várias empresas que podem, a partir dessa parceria, fidelizar esse apoio”, ressaltou ele.
“Se tivermos um apoio de peso da inciativa privada através da Lei Ruanet, nós podemos pedir menos, depender menos do poder público e isso gera uma nova configuração”, enfatizou Lúcio ressaltando que o Festival não dispensaria apoio do poder público e fez referência ao suporte dado pelo Governo do Estado esse ano, que colaborou de forma mais efetiva através da Secretaria de Comunicação (SECOM-PB), da Fundação Espaço Cultural José Lins do Rêgo e outros órgãos. Depois do boicote da Prefeitura de João Pessoa, que era o principal patrocinador do Festival, a entrada mais contundente do Governo estadual fez a diferença.
Um evento histórico para João Pessoa e para a Paraíba. A décima edição do Fest Aruanda aponta para um novo caminho entre os festivais de cinema no Estado e deixa um sabor de “quero mais”, uma instiga para participar da edição de 2016 – com altas expectativas. Até lá!