O controle de emissoras de rádio e televisão por políticos e a concentração que alguns poucos grupos econômicos exercem sobre a mídia brasileira representam “uma fissura na democracia” e exigem a atuação corretiva do Poder Judiciário. As afirmações foram feitas pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, a subprocuradora-geral da República Deborah Duprat.

“Estou aqui com a minha cabeça fervilhando”, disse ela, referindo-se às ações judiciais das quais poderia lançar mão, durante a apresentação dos resultados da pesquisa “Quem controla a mídia no Brasil”, desenvolvida em parceria pelas ONGs Repórteres sem Fronteiras e Intervozes. Os dados foram apresentados no auditório do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), no edifício-sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.

Deborah Duprat não revelou quais ações ela poderia propor, mas o aspecto mais flagrante de descasamento entre a realidade e as leis em vigor está na participação societária que vários parlamentares federais mantêm em emissoras de rádio e TV (mais informações abaixo).

De acordo com o artigo 54 da Constituição de 1988, deputados e senadores não poderão, desde a posse, “ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada”. Enquadram-se nessa situação todas as companhias concessionárias de serviços públicos, como é o caso das empresas de radiodifusão. O artigo 55 da Constituição determina que o congressista que infringir tal norma fica sujeito à perda de mandato.

Emmanuel Colombié, representante da organização Repórteres sem Fronteira, explicou que o Brasil é o 22º país onde o estudo é realizado, sempre seguindo os mesmos parâmetros metodológicos. E é também, segundo ele, aquele em que a mídia ostenta o maior número de indicadores de “alto risco” para a democracia. Um exemplo é o fato de quatro grupos – Globo, Record, SBT e Band – concentrarem acima de 70% da audiência da TV aberta, meio de comunicação mais consumido pelos brasileiros.

“Isso é uma ameaça ao sistema democrático porque a democracia pressupõe a diversidade de vozes”, observou Colombié. Ele também considerou uma peculiaridade do Brasil e de algumas nações latino-americanas a chamada propriedade cruzada, que ocorre quando um mesmo grupo econômico atua em várias áreas da comunicação (por exemplo, TV aberta, TV fechada, internet, jornal, rádio, agência de notícias e revista).

Na opinião da subprocuradora-geral Deborah Duprat, o sistema midiático reproduz a dinâmica própria de uma nação construída a partir do “regime de sesmarias” e que “não se desvencilhou de um passado de poucos donos”.

Conforme a chefe da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, “o debate democrático está comprometido” no Brasil pelo fato de a informação ser “dominada por segmentos que têm pensamento hegemônico”.

Ela deu como exemplo a defesa feita à unanimidade pelos grandes veículos de comunicação de medidas de austeridade fiscal hoje questionadas até mesmo por organismos multilaterais como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). “Se naturalizou, como segue sendo naturalizado até os dias atuais, que é preciso conter a despesa pública, quando a experiência recente de Portugal mostra o contrário”, argumentou Deborah Duprat.

Também tramitam nos estados diversas ações nas quais o Ministério Público e o próprio coletivo Intervozes pedem providências em relação a casos individuais de parlamentares que controlam serviços de radiodifusão.

A justificativa é que esses congressistas não só descumprem um dispositivo constitucional como também põem em risco o direito à informação, a pluralidade de ideias e o princípio da isonomia entre os aspirantes a mandatos eletivos. Semana passada, a Justiça Federal determinou a suspensão das atividades da Rádio Santa Rita, que tem entre os seus sócios o deputado Damião Feliciano (PDT-PB).

Quem está citado na ADPF 379

Originalmente, o Psol propôs a ação contra 30 deputados e oito senadores. Posteriormente, o Ministério Público incluiu no processo outros dois deputados (o mineiro Jaime Martins e a fluminense Soraya Alencar). Veja a lista completa dos parlamentares arrolados na ADPF 379 como concessionários de rádio e televisão:

Senadores

  1. Acir Marcos Gurgacz (PDT-RO)
  2. Aécio Neves da Cunha (PSDB-MG)
  3. Edison Lobão (PMDB-MA)
  4. Fernando Affonso Collor de Mello (PTB-AL)
  5. Jader Fontenelle Barbalho (PMDB-PA)
  6. José Agripino Maia (DEM-RN)
  7. Roberto Coelho Rocha (PSB-MA)
  8. Tasso Ribeiro Jereissati (PSDB-CE)

Deputados

  1. Adalberto Cavalcanti Rodrigues (PTB-PE)
  2. Afonso Antunes da Motta (PDT-RS)
  3. Aníbal Ferreira Gomes (PMDB-CE)
  4. Antônio Carlos Martins de Bulhões (PRB-SP)
  5. Átila Freitas Lira (PSB-PI)
  6. Bonifácio José Tamm de Andrada (PSDB-MG)
  7. Carlos Victor Guterres Mendes (PMB-MA)
  8. César Hanna Halum (PRB-TO)
  9. Damião Feliciano da Silva (PDT-PB)
  10. Dâmina de Carvalho Pereira (PMB-MG)
  11. Domingos Gomes de Aguiar Neto (PMB-CE)
  12. Elcione Therezinha Zahluth Barbalho (PMDB-PA)
  13. Fábio Salustino Mesquita de Faria (PSD-RN)
  14. Felipe Catalão Maia (DEM-RN)
  15. Félix de Almeida Mendonça Júnior (PDT-BA)
  16. Jaime Martins Filho (PSD-MG)
  17. João Henrique Holanda Caldas (PSB-AL)
  18. João Rodrigues (PSD-SC)
  19. Jorginho dos Santos Mello (PR-SC)
  20. José Alves Rocha (PR-BA)
  21. José Nunes Soares (PSD-BA)
  22. José Sarney Filho (PV-MA)
  23. Júlio César de Carvalho Lima (PSD-PI)
  24. Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi (PMDB-SP)
  25. Luiz Gionilson Pinheiro Borges (PMDB-AP)
  26. Luiz Gonzaga Patriota (PSB-PE)
  27. Magda Mofatto Hon (PR-GO)
  28. Paulo Roberto Gomes Mansur (PRB-SP)
  29. Ricardo José Magalhães Barros (PP-PR)
  30. Rodrigo Batista de Castro (PSDB-MG)
  31. Rubens Bueno (PPS-PR)
  32. Soraya Alencar dos Santos (PMDB-RJ)