Com impasse sobre vacinas, Bolsonaro adia cerimônia para marcar início de imunização

Diante do atraso da operação de compra do primeiro lote das vacinas Oxford/AstraZeneca de um laboratório na Índia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deve desistir de realizar no Palácio do Planalto, na próxima terça-feira (19), uma cerimônia para marcar o início da campanha de vacinação no país.

Auxiliares presidenciais consultados pela Folha admitem, sob condição de anonimato, que não haverá tempo hábil para que a aeronave responsável por buscar as 2 milhões de doses na Índia faça a viagem de ida e volta.

Interlocutores dizem que um evento alusivo à vacinação deve ocorrer apenas quando o lote chegar ao Brasil. Não há data definida para essa entrega, mas a expectativa no Planalto é que a cerimônia fique para a semana seguinte.

A ideia do governo era que a cerimônia no Planalto fosse usada para transmitir a ideia de que a administração federal é protagonista e está à frente da campanha de vacinação. Seria também uma oportunidade para Bolsonaro rebater as críticas de atraso e de falta de organização no processo.

Inicialmente, cogitou-se que uma pessoa idosa e um profissional de saúde seriam vacinados no evento, num gesto simbólico. A ideia foi abandonada depois.

Embora ainda não haja informação oficial, tanto auxiliares presidenciais quanto interlocutores no Ministério da Saúde admitem que as doses negociadas com a Índia não chegarão no Brasil no domingo (17).

A aeronave da Azul Linhas Aéreas está no Recife pronta para decolar, mas o voo não deve ocorrer sem que o governo da Índia dê sinal verde para a busca dos imunizantes, produzido pelo Serum Institute.

Apesar de sucessivos apelos de Bolsonaro e do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores), os indianos têm argumentado que não é possível efetivar a venda enquanto não for iniciada a campanha de vacinação da sua própria população, o que está previsto para sábado (16).

Para aliados de Bolsonaro, ficou claro que o cronograma não é mais factível depois da conversa com Araújo com o chanceler da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, na noite de quinta (14).

O brasileiro pediu urgência na liberação do lote, mas recebeu do homólogo manifestação de “boa vontade” e promessa de uma solução “nos próximos dias”. Não houve compromisso com uma data específica.

Antes disso, Bolsonaro havia enviado uma carta para o premiê indiano, Narendra Modi.​

No domingo, o Ministério da Saúde avaliava promover uma coletiva de imprensa na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) para celebrar a chegada do lote de vacinas. O planejamento, porém, já foi abandonado, em outro sinal de que o avião não retorna no tempo previsto.

​No planejamento do Palácio do Planalto, a vacinação no Brasil começa em 20 de janeiro simultaneamente nos estados.

A data depende da certificação de uso emergencial conferida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que no momento analisa os pedidos feitos pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) —que produzirá no Brasil a Oxford/AstraZeneca— e pelo Instituto Butantan.

O órgão vinculado ao estado de São Paulo fabrica no Brasil a Coronavac, desenvolvida em parceria por uma farmacêutica chinesa. O imunizante é usado como trunfo político do governador do estado, João Doria (PSDB), considerado um adversário político pelo Palácio do Planalto.

Autoridades do governo brasileiro têm dito publicamente que a vacinação no Brasil começará com a vacina que primeiro conseguir a luz verde da Anvisa, seja ela a Oxford-AstraZeneca ou a Coronavac.

Mas auxiliares de Bolsonaro reconhecem que um atraso prolongado na entrega do lote de 2 milhões de doses da Índia pode resultar numa derrota para Bolsonaro, uma vez que o início da vacinação com a Coronavac seria explorado politicamente por Doria.

Do Folha de São Paulo.