Com alta na carne, brasileiros passam a consumir mais feijão

Nas prateleiras dos supermercados, o preço dos alimentos e, principalmente, o da carne bovina não param de subir. A proteína animal tem se tornado cada vez mais inacessível para ir à mesa das famílias brasileiras, que são acostumadas ao tradicional arroz, feijão e bife. O jeito, devido à carestia, tem sido mudar o cardápio, reduzindo o consumo da carne vermelha, ou até mesmo tirando de vez esse item do prato, e, no lugar, colocar uma concha a mais de feijão.

Em 2020, o consumo de carne bovina registrou queda de 10%, na comparação com o ano anterior. Esse dado representou a maior redução em 16 anos, conforme um estudo feito pelo especialista de consultoria agrícola do Itaú Unibanco, Cesar de Castro Alves. Levantamento do Datafolha aponta que 85% dos entrevistados diminuíram o consumo de algum alimento em 2021. Desse total, 67% reduziram o consumo de carne vermelha.

É o caso do motorista José Pacheco da Silva, 47, que cortou drasticamente a compra de carne. “Caiu uns 50% o consumo e a frequência também. Tenho tentado substituir a carne bovina por frango, porco e ovo. Eu compro muito feijão, mesmo estando mais caro agora”, explica o morador da Estrutural.

Moradora do Recanto das Emas, a aposentada Terezinha Bezerra, 70 anos, vem sentido o impacto da alta dos preços da carne e também procura a substituição quando o orçamento aperta. “A gente não deixa de comprar carne mesmo cara, porque não pode ficar sem, né? O preço está um absurdo não só da carne, mas de tudo. Às vezes, a gente troca a carne pelo frango, uma verdura e, assim, vai levando a vida. O feijão não pode faltar, mas a carne também não”, afirma.

Especialistas reconhecem que a queda de consumo de carne bovina e a substituição por outros alimentos ocorrem devido aos altos preços dos alimentos e ao desemprego elevado. Com a inflação batendo recordes, a desigualdade aumenta e os mais pobres são os que mais sentem essa carestia desenfreada.

E essa mudança é uma rotina na vida do açougueiro Edilson Damasceno, 45, que observa diariamente uma tendência dos consumidores em substituir a carne vermelha pelas aves e, para não deixar de ter uma proteína no prato, alguns optam por opções mais acessíveis, como a carne moída.

“Os clientes estão trocando a carne bovina por frango. Ainda que elas também tenham aumentado o preço, não estão tão caras quanto a carne bovina. O que mais aumenta as vendas aqui é a carne moída. Ela está vendendo bastante, porque é mais barata e vem em menor quantidade, em uma bandeja pequena. E, aí, os clientes fazem essa troca”, conta Damasceno.

Pobreza

No ano passado, 27,6 milhões de brasileiros estavam na pobreza, segundo o último levantamento realizado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas ( FGV Social). Ou seja, 13% das pessoas no país encerraram 2021 vivendo com até R$ 290 por mês, o maior patamar desde 2012.

“Uma parte do aumento dos preços da carne vem do custo das rações, que também está subindo. Outra explicação está no preço do frete. Sabemos o quanto o diesel ficou mais caro e toda a produção agrícola é escoada para os centros urbanos em cima dos caminhões. Então, uma parte desse frete mais caro se materializa em aumento no preço final para o consumidor”, afirmou André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Outro fator que influencia a carestia da carne, segundo o economista do FGV Ibre, é a exportação. “Digamos que aqui as rações fiquem baratas e o frete já não seja mais um problema. Se o país está exportando muito para outros países, diminui a oferta de carne no mercado brasileiro e isso faz com que o preço suba. Então, essa dinâmica de exportação é algo importante que a gente deve ter sempre no radar”, explica.

Braz lembrou que, em 2021, foram exportadas pouco mais de um milhão e meio de toneladas de carne, gerando uma receita para o país de aproximadamente US$ 8 bilhões. Desse total, quase a metade, 49%, da carne exportada pelo Brasil, no ano passado, teve como destino a China. O país asiático ainda chegou a suspender, por alguns meses, a compra da carne brasileira, devido às suspeitas de casos da doença “vaca louca” nos bovinos, o que ajudou a evitar uma disparada ainda maior nos preços em 2021.

Orçamento apertado

Para Rodrigo Stuckert, economista da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, “com a inflação em alta e o desemprego ainda persistente, as famílias têm enfrentado um orçamento mais apertado, diminuindo o consumo de carne bovina”. Ele explica que a alta recente do custo desse alimento também tem relação com a guerra na Ucrânia, que aumentou os preços do milho e da soja, que representam boa parte dos custos de produção dos rebanhos, por meio da ração composta por esses cereais.

Segundo levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o preço da carne vermelha aumentou, em média, 9,98%, durante o ano passado. As outras proteína que poderiam ser substitutas da carne bovina também sofreram alta. O preço dos ovos, por exemplo, disparou em 24,8%.

No entanto, de acordo com dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), mesmo com esse forte aumento dos preços, o consumo do ovos de janeiro a agosto de 2021, foi quase 20% superior ao das proteínas provenientes do boi.

Alternativa nutricional vantajosa

Sempre presente no prato dos brasileiros, o feijão também pode ser uma saída mais em conta para quem não quer deixar de consumir uma boa quantidade de proteína nas refeições diárias.

Especialistas sugerem a troca da carne por outros produtos de origem vegetal para compensar a proteína animal. A nutricionista Camila Pessoa explica que a troca da carne vermelha pelo feijão é vantajosa pois ele supre plenamente os nutrientes que são oferecidos pela proteína animal e ainda supre outra substância importante para o nosso organismo, o ferro.

“A troca da carne pelo feijão é válida, pensando na quantidade de proteína e de ferro e já considerando a biodisponibilidade do ferro do feijão. Então, sete colheres de sopa de feijão equivalem a um pedaço de 100g de carne vermelha,” diz.

A nutricionista ainda destaca que uma boa dose de feijão por dia pode acarretar benefícios para a saúde do corpo, mas, segundo ela, se for consumida na quantidade correta. “Se o feijão estiver substituindo a carne como fonte de proteína é essencial que seja consumido na quantidade certa. A proteína é o nutriente essencial na construção dos tecidos do corpo, músculos, células de defesa, e hormônios”, acrescenta.

Estudos recentes apontam uma elevação no consumo dessas sementes, em contrapartida com a redução da compra de carne. A empresa de inteligência de mercado Horus fez uma pesquisa a pedido do jornal Valor Econômico que mostrou que a presença do feijão nos carrinhos dos supermercados espalhados por mil municípios do Brasil cresceu de forma expressiva em pouco mais de um ano, apesar da alta de quase 5% em fevereiro do tipo carioquinha. Em março, o produto esteve presente em 9,9% das compras. No início de 2021, os percentuais foram de 6,9% em janeiro, 6,8% em fevereiro e 7% em março.

A dona de casa Cláudia Tavares Costa, 48 anos, moradora da Estrutural, cortou o consumo de carne vermelha e passou a consumir mais feijão e embutidos. “Eu compro aqueles ossinhos que o açougueiro vende e cozinho dentro do feijão, pelo menos, para poder sentir o gostinho da carne”, conta.

Perspectivas

De acordo com o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), as perspectivas para o consumidor brasileiro nos próximos meses não são tão agradáveis. Ele aponta que, devido à proximidade de um período de estiagem no país, o produtor rural terá de comprar mais rações para manter o gado em forma, o que, consequentemente, eleva o preço da carne.

“Estamos entrando agora nos meses de estiagem, saindo do outono e entrando no inverno. À medida que o inverno se aproxima, o volume de chuvas diminui e isso piora as condições de pastagem. Com isso, os pecuaristas têm que entrar com rações para não perder muito a produção de leite, ou mesmo favorecer a perda de peso do gado. Então, para o gado não emagrecer, o produtor entra com ração e isso aumenta o custo. O que prolonga esse ciclo de carne com o preço mais alto por mais um tempo”, explica Braz.

 

Do Correio Braziliense