Coletes Amarelos e Jornadas de Junho: insatisfação generalizada e ciberativismo em movimentos populares na França e Brasil

O Movimento dos Coletes Amarelos que ocorre na França desde outubro de 2018 não é um ato isolado na história do país europeu. Desde a Tomada da Bastilha, em 1789, quando a França deixou de ser uma monarquia para se tornar uma república, a nação convive com um histórico de revoluções e movimentos que trazem mudanças significativas na política e na vida do povo de maneira geral.

“A França tem o hábito de protestar, no começo as pessoas querem pão e então termina em sangue”, lamentou o arquiteto e urbanista francês Yves Riviére, ao Paraíba Já.

Em maio de 1968, por exemplo, o país teve uma onda de protestos nos quais universitários e uma elite intelectual montou barricadas nas ruas e usaram pedras para enfrentar a polícia, exatamente como acontece hoje no movimento dos ‘Gilets Jaunes’ (tradução de coletes amarelos para o francês) em busca de uma reforma educacional. O movimento, que começou com poucos setores, se espalhou e chegou a envolver dois terços da mão de obra francesa na época, com variadas demandas.

Yves, à época na Escola de Arquitetura de Paris, se juntou a vários artistas e intelectuais no movimento, a exemplo do renomado cartunista Jean Pierre Rey Wolinski. Eles produziram charges, cartazes, peças publicitárias e fotografias que tiveram significativa importância na “vitória” da Revolução de Maio, como ficou conhecida a revolta posteriormente.

Após os protestos, foi decretado um referendo. O presidente Charles de Gaulle, herói da 2ª Guerra Mundial, foi derrotado no referendo e foi declarar: ‘este país é ingovernável’. “Maio de 1968 foi a vitória dos fotógrafos de imprensa, designers de cartazes, cartunistas. O repórter fotográfico e cartunista Jean Pierre Rey Wolinski teve um papel importante”, lembrou.

Revista francesa ilustrando os “ícones” de Maio de 1968

Como o movimento de 1968, os Gilets Jaunes começaram como uma greve de pequenos setores por um tema em específico: neste caso, o aumento do preço dos combustíveis. Ao longo dos meses, o movimento se espalhou e atingiu diversos segmentos de trabalhadores. Novamente, as demandas cresceram e englobam vários aspectos da vida do povo francês: redução da carga tributária nos bens de consumo, proteção à indústria francesa, mais impostos para os “grandes”, aumento do salário mínimo, aumento da aposentadoria.

“É um vasto movimento popular, muito ativo. Originou-se em um declínio acentuado no poder de compra dos franceses. Hoje, o desafio econômico para melhorar o sistema ainda é central para as reivindicações, mas também agregou novas reivindicações porque mais e mais franceses consideram que a França não é mais um país igualitário. Esses franceses querem mais igualdade”, afirmou.

Paralelo com o Brasil

O Brasil, assim como a França, é um país que tem um histórico grande de revoltas e movimentos organizados. A maioria, é claro, no período colonial e imperial: Guerra dos Emboabas, Guerra dos Mascates, Inconfindência Mineira, Conjuração Baiana, Canudos, Revolução Farroupilha, Sabinada, Balaiada etc.

Durante a República, outras revoltas: da Vacina, da Chibata, dos Marinheiros… Porém, recentemente, existiu um movimento no Brasil que se assemelhou muito com o que acontece hoje na França. Foram os protestos de 2013, que ficaram conhecidas como as Jornadas de Junho.

Como na França, a revolta começou em pequenos setores sociais e por algo considerado “pequeno” se considerarmos o que motivou os outras insatisfações generalizadas na França e no Brasil. O aumento de 20 centavos na tarifa de ônibus na cidade de São Paulo. Após a forte repressão policial contra manifestantes em um protesto na cidade, no dia 13 de junho, a população se colocou contra as autoridades policiais e a classe política de uma forma jamais vista na história recente do Brasil.

Em todos os estados do Brasil, nas principais cidades, centenas de milhares de pessoas foram às ruas cobrar as mais variadas coisas: fim da corrupção política, aumento dos salários, redução dos impostos, dos preços das passagens nos transportes públicos, nos bens de consumo e etc. Estima-se que no auge das manifestações, milhões de brasileiros tenham ido às ruas: eles colocaram diferenças ideológicas e políticas de lado. Grupos de esquerda, de direita, ou que não se identificavam com nenhuma das duas ideologias se juntaram e foram às ruas.

Planalto Nacional, principal ícone do Legislativo brasileiro, completamente tomado por manifestantes em 2013

Ciberativismo

Outro ponto em comum com os Gilets Jaunes foi o ciberativismo. As manifestações em 2013, no Brasil, eram marcadas através de redes sociais como Twitter e Facebook e pessoas de diferentes pontos da cidade se juntavam em um local especificado através deste uso inteligente das ferramentas tecnológicas. Na França, não é diferente, porém, destaca-se que hoje existem novos dispositivos e redes sociais, a exemplo do WhatsApp, que permitem uma organização melhor dos protestantes.

Porém, diferente da França, que vai completar certamente um ano de protestos, sem Macron obter êxito em conter, apesar dos pacotes e ações que fez, no Brasil o protesto durou pouco menos de dois meses. A realização da Copa das Confederações no Brasil, na qual a seleção nacional se sagrou vencedora, e a imagem negativa deixada pelos ‘black blocs’ (grupos que usavam máscaras para realizar depedrações de equipamentos públicos) arrefeceu o movimento. Dilma Rousseff, presidente à época, apresentou cinco pactos nacionais envolvendo os seguintes temas: transporte público, reforma política, saúde, educação e responsabilidade fiscal.