Cinema: Metalinguagem visual e enredo independente marcam “O Pequeno Príncipe”

Fui ver a animação O Pequeno Príncipe (França, 2015. Direção: Mark Osborn), adaptada do livro clássico do escritor francês Antoine Saint-Exupéry. Estava meio ressabiado com o que iria me deparar, pois tenho uma relação muito intrínseca com a obra literária. Foi o primeiro grande livro que li na vida, aos oitos anos de idade, é parte muito importante da minha memória afetiva. O filme, porém, se revelou um belo achado.

Dirigida por Mark Osborn, o mesmo diretor de Kung Fu Panda (EUA, 2008) e com roteiro de Bob Persichetti, que trabalhou na equipe de roteiristas de O Gato de Botas (EUA, 2011. Direção: Chris Mille), a animação que adapta o clássico universal sobre o pequeno príncipe que habita o asteroide B 612, cuida e ama sua rosa voluntariosa e vem à Terra em busca de um carneiro para ajudar a conter os baobás que crescem sob o seu planeta, tem uma cadência e uma sensibilidade notáveis.

Esse filme de animação em longa-metragem usa a história de Saint-Exupéry como mote para construir seu enredo, mas não se trata de uma adaptação rigorosa do livro – e talvez esse tenha sido seu maior acerto, já que outras tentativas de levar às telas a obra clássica não foram muito felizes.

A película de 2015 é centrada na história de uma menina cuja mãe é obcecada em disciplina e metas, cuida dela como se gerisse uma empresa e faz de tudo para que ela seja aprovada numa escola muito conceituada. Para isso elas mudam de cidade e vão morar ao lado da casa de um velho senhor desajustado ao padrão da vizinhança. Um incidente faz com que a filha descubra que ele era um aviador aposentado, que guarda seu avião já antigo e sem uso no quintal de casa. Essa descoberta a aproxima dele e, através dessa nova amizade, a garota adentra no universo do Pequeno Príncipe.

As cenas literais do livro são trazidas no filme como uma animação dentro da animação, utilizando a técnica do stop motion, construída artesanalmente, enquanto que as cenas do roteiro original são produzidas no formato digital. Essa diferenciação na “textura” das imagens confere um viés mais poético e uma boa dose de metalinguagem audiovisual. Depois, a história do livro e a do filme se entrecruzam numa recriação das personagens de Saint-Exupéry se defrontando com a menina do argumento original de Bob Persichetti. O 3D é outro elemento importante à narrativa, acentua visualmente detalhes do enredo e imbui mais emoção.

Apesar de não conseguir apresentar uma construção cinematográfica que seja grandiosa per si, o filme acerta em cheio ao fazer uma bela e tocante homenagem ao livro que ao longo dos anos arrebatou corações de jovens, crianças e adultos e é uma forte referência cultural. Para mim, por exemplo, foi uma verdadeira catarse. A projeção era em 3D, então, felizmente, os outros expectadores não puderam ver este singelo escriba barbudo derramando lágrimas em vários momentos. É que essa história fala direto ao meu coração como poucas – assim como a milhões de outros mundo afora.

As situações simples trazidas na narrativa do clássico ensejam reflexões sobre temas transcendentais à natureza humana: manter sempre viva a chama e o frescor da infância, ver de verdade com os olhos do coração, estar “desarmado” para perceber o mágico e a beleza em volta, ser cativado pelo sentimento de amizade e de amor fraterno, a volta para casa, o retorno para o lugar de onde viemos e que alguém que amamos nos espera. Preceitos que atravessam épocas e seguem absolutamente essenciais.

“A gente só conhece bem as coisas que cativou”, “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”, “Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo”, frases do livro que são transcendentes e que, trazidas no filme, reverberam emoção com uma força e sensibilidade únicas. Não há muito o que se explicar sobre isso. Afinal, só se enxerga bem com os olhos do coração. “O essencial é invisível aos olhos”.