“Chico – Artista Brasileiro” em cartaz até esta quarta em João Pessoa; confira análise

O primeiro documentário visto no cinema em 2016 é brasileiro – brasileiríssimo aliás! Foi, na verdade, uma revisão, pois já o tinha visto na exibição de encerramento do 10º Fest Aruanda do Audiovisual Brasileiro​. Revê-lo dessa vez foi um reencontro especial. Foi uma verdadeira catarse: ri, chorei, fui sublimado pelas imagens, canções, depoimentos, pelo conjunto desse mosaico audiovisual, repleto de significados pulsantes. A última sessão do documentário acontece nesta quarta-feira (20), às 14h, no Cinespaço, no Mag Shopping.

Chico – Artista Brasileiro é uma produção de um gênero que tem ganhado bastante projeção nos últimos anos: o documentário-musical, quando a obra apresenta além de depoimentos do e sobre o artista retratado – e as recorrentes imagens de arquivo – números musicais que se integram à narrativa. Participações ilustres deleitam o público com performances singulares e esplêndidas, destaque para cantora portuguesa Carminho​ cantando a clássica “Sabiá” e num maravilhoso dueto com Milton Nascimento com a canção “Sobre Todas as Coisas”. O outro dueto, com Adriana Calcanhotto e Mart’nália interpretando “Biscate” não fica atrás. Ney Matogrosso aparece cantando uma versão cadenciada de “As Vitrines”, na sua performance sempre única.

No vídeo acima, alguns artistas que participam do filme com números musicais falam da experiência e e relação com a música de Chico Buarque

No caso do documentário de Miguel Faria Jr, essas apresentações são sublimes respiros que marcam a transição entre a abordagem cronológica das fases do cantor, compositor e escritor que é um dos maiores ícones da cultura brasileira em todos os tempos. O diretor conduz o documentário de forma leve, fluida, sóbria, mas ao mesmo tempo profundamente emocional.

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Adriana Calcanhotto e Mart’nália interpretam “Biscate”, canção de Chico, num número feito especialmente para o filme

As canções de Chico, seus demais escritos (teatro e literatura) bem como sua peculiar trajetória, evocam a emoções rasgadas e sensíveis do ideário subjetivo e sentimental do Brasil. “Sabiá”, “Olhos nos Olhos”, “Partido Alto”, “Apesar de Você”, “Vai Passar”, “As Vitrines”, “Futuros Amantes” são a representação da sentimentalidade, dos desejos, das aspirações de um coletivo.

O artista Chico são vários personas – e nesse caso elas se diferem, em certa medida, do homem. Numa das várias imagens de arquivo mostradas ao longo da película, a de uma pergunta feita a Chico em um programa de TV, por uma mulher avulsa, chama a atenção. Ela o questiona sobre uma declaração que ele dera de que “o artista não tem sexo” e, assim sendo, interroga se ele seria um homossexual, ao que ele responde que o homem Chico provavelmente diria não, mas como artista ele era gay, mulher, operário, travesti e todos as outras demais figuras que ele tão bem incorporara em suas composições.

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Chico Buarque e o diretor Miguel Faria Jr, nos bastidores das filmagens de Chico – Artista Brasileiro.

Chico sempre imergiu nas camadas mais profundas na condição humana e dela alimentou sua Arte. É por isso que sua obra – a musical, sobretudo – emana às emoções mais latentes: é essencialmente humana e também um primor estético, com uma beleza que transborda à alma, inebria os sentidos, provoca combustão! Há um Chico Buarque para cada imaginário, cada vivência.

O filme consegue condensar bem os vários universos paralelos do artista e, concomitantemente, apresenta o homem, um sujeito informal, que fala de si mesmo com uma despretensão e uma sobriedade que impressionam, além do bom humor, uma nobre habilidade de rir de si mesmo, de não se levar tanto à sério. O Mito é uma construção da recepção coletiva, Chico demonstra que é, para si, apenas um homem que por acaso resolveu fazer Arte e deu certo.

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Chico num dos muitos momentos de descontração registrados no documentário. O filme mostra um Chico sóbrio e sem estrelismos, que fala de si com despretensão, chegando a rir dele próprio e de episódios que vivenciou.

Essa simplicidade contrasta com os elogios rasgados que aparecem no filme, que vão de titãs como Tom Jobim e Vinícius de Moraes, em imagens de arquivo, a Bethânia, a irmã Miúcha, o amigo Edu Lobo e outros desse quilate. O documentário de Faria Jr. é tecnicamente irrepreensível: fotografia esplêndida, roteiro bem delimitado, montagem estupenda – condensando as já referidas imagens de arquivo, registros de depoimentos antigos e outros novos, feitos exclusivamente para o filme – finalização soberba. Quando os créditos finais começam a surgir o público já está maravilhado e embevecido, com um gostinho de “quero mais”. Na sessão que fui no Cine Espaço do Mag Shopping, ao final da sessão o filme foi ovacionado, chuva de aplausos, gritos eufóricos, numa reação que se assemelhava a de uma plateia de um grandioso espetáculo teatral. Catarse coletiva!

Essa recepção calorosa tem feito do filme um extraordinário sucesso de público. Com pouco mais de dois meses em cartaz no circuito comercial, já ultrapassou a barreira dos 100 mil expectadores, segundo relatório divulgado pela Ancine. Isso é muito para um documentário brasileiro. À bem da verdade, a narrativa ainda que consistente e um tanto arrojada, segue um esquema cronológico e é mais convencional do que poderia ser, sobretudo em se tratando de uma personagem multifacetada e rica como Chico Buarque de Hollanda.

Essa é, porém, uma escolha que também traz suas vantagens, como a de tornar o filme mais palatável para o público que não conhece tão bem a obra do Chico sem, no entanto, decepcionar seus fãs de carteirinha – eu incluso. Equilíbrio perfeito! Um filme que deixa marcas e que transcende, assim como a inestimável obra e o legado ainda em vigência de um dos maiores artistas vivos em todo o mundo.