Caso Lagoa: PMJP pagou quase R$ 400 mil por demolição de ‘muro fantasma’, aponta CGU

A Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) teria causado um prejuízo de mais de R$ 385 mil aos cofres públicos com a realização da demolição de um muro de contorno na Lagoa do Parque Solon de Lucena, no Centro da Capital. O suposto sobrepreço da obra foi exposto pela Controladoria-Geral da União (CGU) em relatório apresentado em dezembro de 2015. O prejuízo então se tornou alvo de investigação pelo Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), como improbidade administrativa e peculato (desvio).

Na última sexta-feira (25), o procurador da República Yordan Delgado ofereceu uma denúncia contra o ex-secretário de Infraestrutura Cássio Andrade e mais três servidores da gestão do prefeito Luciano Cartaxo (PV).

O relatório

A prefeitura alega que o muro é composto por concreto, enquanto a investigação da CGU sustenta que o muro seria de alvenaria. A diferença entre os materiais incide no preço final desta etapa da obra, já que o custo do metro cúbico para demolição do concreto é muito superior ao custo para demolição do metro cúbico de alvenaria de tijolos furados. Para a demolição foi liberado, por meio da Caixa Econômica Federal (CEF), o valor de R$ 1 milhão e, conforme a CGU, esta etapa deveria custar cerca de R$ 615 mil.

“Ao analisar as fotografias tiradas pela CAIXA na época em que os serviços foram executados, as quais foram disponibilizadas a esta Equipe de Fiscalização da CGU, verificou-se que o muro de contorno da lagoa que existia e foi demolido havia sido construído em alvenaria e, não, em concreto”, diz trecho do Relatório Geral da CGU. Confira fotos do relatório da CGU:

O tempo de realização da demolição é um dos argumentos utilizados pela CGU para sustentar que a construção seria de alvenaria. Conforme relatório, o tempo necessário para executar o serviço, caso fosse uma demolição de muro de concreto, seria de 4.468,5 horas de trabalho. Convertendo essas 4.468,5 horas de trabalho em dias, sendo considerado um dia de 10 horas de trabalho, isso significa que seriam necessários aproximadamente 447 dias de trabalho.

Porém, de acordo com a análise dos processos de pagamento, a realização do serviço aconteceu no período de 24 de julho de 2014 a 25 de novembro de 2014, cerca de 107 dias úteis. O que, segundo a CGU, corresponde a aproximadamente 25% do tempo estimado para a composição do muro alegada pela PMJP. O pagamento desta etapa foi realizado no Boletim de Medição número 05, emitido em 16 de dezembro de 2014, no valor de R$ 1 milhão – juntamente com outros serviços. “Essa diferença entre o tempo estimado na composição e o tempo real para demolição do muro indica que havia incompatibilidade entre a composição e o serviço executado”, conclui trecho do relatório da CGU.

A CGU também ressalta que o engenheiro que elaborou o Relatório de Acompanhamento de Engenharia (RAE) de número 1 atestou que o muro era construído em alvenaria de tijolos. “Além das fotografias que evidenciam esta constatação, verificou-se nos processos do Contrato de Repasse nº 01003534-18/2012 (Siafi nº 782223) que o próprio Engenheiro que elaborou o Relatório de Acompanhamento de Engenharia (RAE) nº 01, em 27 de junho de 2014, ao se referir ao serviço de demolição do muro de contorno da Lagoa que seria executado, fez constar e demonstrou no RAE nº 01 que o muro a ser demolido era construído em alvenaria de tijolos”, consta no documento. Confira na imagem abaixo a descrição do engenheiro sobre a composição que seria demolida (dentro da tarja amarela):

A partir destes materiais reunidos pela CGU, o órgão constatou que a composição do serviço elaborado pela Prefeitura Municipal de João Pessoa era incompatível com o serviço que foi executado. “No entanto, não houve a celebração e Termo Aditivo visando à adequação do custo orçado na planilha da licitação ao serviço que foi executado, causando prejuízo ao erário”, concluiu a Controladoria-Geral da União.

A CGU destaca ainda que a Prefeitura Municipal de João Pessoa não apresentou fotografias, retiradas pelo fiscal da obra, que comprovassem que o muro de contorno da Lagoa era integralmente construído em concreto. As memórias de cálculo do serviço de demolição do muro também não constam nos processos de pagamento disponibilizados (Boletim de Medição nº 05, pago em 18 de dezembro de 2014), de modo que não houve demonstração dos cálculos efetuados para se obter o volume das demolições.

Defesa da PMJP à CGU

Com relação ao tempo hábil para realização da obra, que aconteceu em 107 dias úteis – mas segundo a CGU deveria acontecer em 447 dias de trabalho -, a Prefeitura Municipal de João Pessoa alega eficiência da empresa. “Não se pode impor uma acusação à Administração Pública ou à empresa simplesmente porque esta última é hábil no desempenho dos seus compromissos contratuais e consegue executar o serviço em prazo inferior àquele inicialmente previsto.  Ninguém pode ser punido por sua própria eficiência”, justificou o poder municipal em resposta a CGU.

Ainda conforme a prefeitura, “se a empresa se dispôs a executar o serviço com um grau de eficiência maior do que o que fora inicialmente exigido, não há como se julgar tal ato como irregular”. E também defende no que se refere a composição do muro: “Não é necessário ser expert em engenharia para saber que nunca um muro de alvenaria teria a sustentação suficiente para suportar o empuxo gerado pelo solo contra o corpo hídrico da lagoa”.

Sobre as fotos que mostram tijolos de alvenaria no muro, a prefeitura pondera que “são de mero acabamento, perfazendo poucas fileiras no topo do muro composto estruturalmente por concreto armado e concreto ciclópico”. E portanto, segundo o órgão, não há a existência de qualquer irregularidade.

O poder municipal sustenta que “o muro era formado de concreto ciclópico e concreto armado”. E, segundo sua defesa, tal argumento já é suficiente para demonstrar a inexistência de vícios no orçamento da licitação.

Por fim, a prefeitura ainda se compromete em sendo constatada “qualquer irregularidade com a estrutura concebida para o muro, com o que foi pago à empresa Compecc, a imediatamente proceder um encontro de contas, retificando a planilha orçamentária, reduzindo o preço e promovendo todas as medidas legais cabíveis para o caso”.

Embate histórico

A prefeitura de João Pessoa utiliza-se de um argumento histórico no âmbito da engenharia para integrar sua defesa, e afirma que o muro foi construído em 1924, época a qual não existiam tijolos de seis furos. “O muro interno de contenção da lagoa remota aos idos de 1924, época em que sequer existia tijolos de seis furos, tal qual se vê nas fotos, sendo este mais um motivo que ratifica a alegação de que tal alvenaria se restringe a poucas fileiras de acabamento, feitas em uma reforma relativamente recente. Em tempos tão longínquos, sabe-se que os tijolos eram maciços, o que não se compatibiliza com as fotos apresentadas no Relatório Preliminar”, escreve em sua defesa.

A CGU relata que o Parque Sólon de Lucena (Lagoa) já foi objeto de reformas, o que demonstra ser claramente possível a existência de um muro em alvenaria de tijolos cerâmicos de seis furos.

E em nota técnica, divulgada em abril deste ano, a CGU rechaça este argumento da prefeitura de João Pessoa. E prova a inexistência do muro no período citado pelo poder municipal com uma fotografia do ano de 1937.

CGU rebate defesa da PMJP

Primeiramente, a Controladoria-Geral da União reitera que a prefeitura de João Pessoa não apresentou nenhum registro fotográfico ou estudo que comprove a existência de um muro de concreto do redor da lagoa. Portanto, “não tendo comprovado a execução de 893,70 m³ em demolições pagos à empresa COMPECC”.

Com relação as fotos apresentadas pela PMJP, a CGU afirma que os registros fotográficos apresentados pelo poder municipal demonstram apenas a demolição de um pequeno bloco de concreto armado, o qual visualmente não corresponde a 1% do volume total pago.

A CGU ainda revela uma tentativa da prefeitura de tentar ludibriar o órgão. Segundo relatório, as fotos disponibilizadas pela Prefeitura Municipal de João Pessoa, como se fossem provas da demolição do muro de concreto existente, referem-se apenas à demolição de elemento de drenagem (calha/caixa de areia).

“Cabe registrar que o Gestor não descartou a existência do muro de alvenaria, mas sim, que este se limitava a poucas fileiras na parte superior. Todavia, não justificou por que os quantitativos da memória de cálculo da medição e o orçamento consideraram o muro como sendo totalmente construído em concreto armado”, destacou a Controladoria-Geral da União.

Sobre a impossibilidade de um muro de alvenaria suportar a empuxos e pressão – um dos argumentos de defesa da PMJP -, a CGU diz que é “impossível avaliar esta informação sem o conhecimento e análise da fundação existente, pois a fundação poderia estar funcionando como elemento de arrimo”.

A CGU ainda aponta que mesmo que o muro tivesse sido construído totalmente em concreto armado, “o que não ocorreu”, o preço do serviço na planilha da licitação (R$ 493,08) ainda está muito acima do Sistema Nacional de Pesquisa e Índices da Construção Civil (Sinapi), uma vez que o preço unitário de referência para este serviço (com BDI de 29,40%) é de apenas R$ 78,82, considerando a demolição de concreto armado com martelete pneumático. “Utilizando esse preço de referência, ainda assim constata-se que houve sobrepreço”, conclui o órgão.

Para finalizar, a Controladoria-Geral da União constata que não há elementos que comprovem a execução do serviço de demolição de muro em concreto, especificamente na quantidade atestada de 893,70 m³.