O inquérito da Polícia Federal que investiga a obra do Parque da Lagoa aponta desvios de recursos públicos de quase R$ 2 milhões na construção da galeria e compra de tubos coletores.
“O confronto do valor pago para execução da obra em questão, que importou R$ 8,210 milhões, com o valor considerado pela perícia como aplicado de fato na execução do serviço, que totalizou R$ 6,308 milhões, revelou que houve um superfaturamento de 30,14% na contratação e execução deste item, que representa um dano ao Erário de R$ 1,901 milhão, a preço de fevereiro de 2014”, relata o inquérito.
O documento diz ainda que o superfaturamento ocorreu em função de sobrepreço identificado, “que oneraram em duplicidade à composição de custo, tendo em vista as características do contrato”.
Mais irregularidades
Os peritos criminais da Polícia Federal constataram que foi utilizada empresa fantasma para certificação técnica de engenharia à Compecc, empresa responsável pelo desassoreamento, demolição de muro, construção de galeria e túnel que compuseram toda a reforma do Parque Solon de Lucena, a Lagoa. Além disso, também apontam irregularidades em todo o processo de licitação, que transcorreu entre 2013 e 2014, realizado pela Secretaria de Planejamento (Seplan) de João Pessoa, assim como superfaturamento de 65% da construção do dique, no Aterro Sanitário Metropolitano, que receberia as 200 mil toneladas de resíduos sólidos extraídas da Lagoa.
O laudo 103/2017, produzido pelo Setor Técnico-Científico da Superintendência Regional da Polícia Federal na Paraíba, integra a documentação do inquérito criminal 152/2016, que investiga desvio de recursos públicos na execução da obra da Lagoa pela gestão do prefeito Luciano Cartaxo (PSD), na Prefeitura de João Pessoa (PMJP).
De acordo com a PF, a empresa Compecc não possuía capacidade técnica-operacional para executar “sistema de drenagem através do método não destrutivo”. A empreiteira, que foi a única que compareceu à licitação e logo conquistou a concorrência pública, apresentou como comprovante um atestado emitido pela empresa Fortaleza – Peixes e Crustáceos Ltda, sediada em Santa Rita.
Ainda de acordo com o laudo pericial da PF, como foi revelado anteriormente pela Controladoria Geral da União (CGU), “em consulta à rede INFOSEG, realizada em 06/01/2017, constatou-se que, de fato, a empresa que emitiu o atestado para a Compecc, encontra-se com situação cadastral junto à Receita Federal classificada como ‘baixada’”.
A baixa desta empresa ocorreu, de acordo com documentos disponibilizados pela CGU, em 19 de novembro de 2012, ou seja, um ano antes do processo licitatório da PMJP.
A empresa Fortaleza – Peixes e Crustáceos possuía em seu quadro societário os empresários Eduardo Ribeiro Victor e Márcia Maul de Souza. Eduardo, atualmente, figura como sócio administrador da Compecc. Já Márcia foi quem assinou o atestado irregular para ser entregue à PMJP.
Licitação viciada
Quanto as irregularidades no processo de licitação da obra da Lagoa, o laudo pericial da PF, que confirma a denúncia contida no relatório da CGU, aponta que a Comissão Especial de Licitação que foi instituída através de decreto pela PMJP não possuía em sua maioria membros efetivos do quadro de servidores da Prefeitura.
“A comissão especial de licitação, em 2014, possuía, na sua nova composição (esta responsável pela condução do processo licitatório da concorrência pública nº 06/2013), segundo documentação acostada aos autos, 07 membros, sendo 05 titulares e 02 suplentes, dos quais apenas 02 eram servidores efetivos pertencentes aos quadros da PMJP, sendo os demais prestadores de serviço ou ocupantes de cargos comissionados”, diz um dos trechos do laudo.
Para a CGU e a PF, a ausência de uma maioria de servidores efetivos nesta Comissão configura tentativa de “burlar o regramento jurídico”.
Vale ressaltar que, para o processo licitatório, 15 empresas se cadastraram para disputar a concorrência pública. Porém, apenas a Compecc compareceu no dia programado para a realização da escolha da empresa que ganharia a licitação.
Os servidores membros desta comissão, à época, eram Newton Euclides da Silva (membro-presidente e contratado por excepcional interesse público), Alzira Maria Aquino Ribeiro (membro e contratada por excepcional interesse público), Márcia Cavalcante de Souza (membro e servidora efetiva), Marcos Antonio Pereira Magalhães (membro e servidor efetivo), Vandeivi Damião da Silva Amâncio (membro e comissionado), Thiago Marinho de Lima (suplente e contratado por excepcional interesse público) e Camila Perez da Silva (suplente e contratada por excepcional interesse público).
A assinatura do relatório final, elaborado pela comissão, referente à concorrência pública nº 06/2013 da Secretaria de Planejamento de João Pessoa, ainda revela que continha assinatura de apenas um servidor efetivo.
Superdique sem alicerce
De acordo com os peritos criminais da PF, a construção do dique da Lagoa teve um superfaturamento acima do normal. “O confronto entre o valor total medido e pago pela PMJP pelos serviços de execução do dique de contenção e o valor dos serviços considerados pela perícia como efetivamente executados, mostra que foram pagos pela Prefeitura 65% a mais que os valores dos serviços constatados pela perícia, o que implica em um prejuízo ao Erário no montante de R$ 76.554,30”, pontua trecho do laudo.
O documento ainda ressalta inconsistência na resposta da PMJP quanto aos questionamentos dos auditores fiscais da Controladoria Geral da União (CGU) e dos peritos criminais federais. O dique, que foi construído com dimensões menores do que foi planejado, teria uma espécie de “fundação”, ou seja, um alicerce, de acordo com a resposta do secretário de Infraestrutura, Cássio Andrade, que não teria sido levado em consideração pelas investigações. A suposta fundação também é citada em um dos relatórios da Caixa Econômica Federal.
Porém, os peritos, durante uma reunião em 04 de novembro de 2016, solicitou ao secretário “apresentação de exames geotécnicos eventualmente realizados, a exemplo de sondagem, de forma a comprovar a existência da suposta fundação, haja vista que a mesma não consta em nenhum dos croquis existentes do dique”, croquis, inclusive, disponibilizados pela PMJP aos peritos.
Porém, até o momento do fechamento desta publicação (sete meses após a solicitação dos exames), a PMJP não foi apresentou o estudo que comprovaria a existência do alicerce que justificaria o superfaturamento de 65% nesta etapa da obra.
Mas um fato chamou a atenção dos peritos da Polícia Federal. Após os questionamentos da CGU, à época que foi realizada a fiscalização da mesma na obra, a PMJP realizou furos no interior do dique, em uma tentativa de comprovar sua defesa diante das constatações de superfaturamento. Os tais furos estão descritos em dois relatórios elaborados pela PMJP e pela Caixa.
Os peritos da PF utilizaram os dados apurados pelo levantamento topográfico feito pelo 1º Grupamento de Engenharia do Exército Brasileiro.