Atriz paraibana conta como se transformou sua vida após atuar na novela ‘Velho Chico’

Zezita Matos_1Com uma carreira de quase 60 anos no teatro e filmes premiados no currículos como ‘Cinema, Aspirinas e Urubus’, ‘Baixio das Bestas’ e ‘O Céu de Suely’, a paraibana Zezita Matos tem ouvido uma pergunta com certa frequência: “A senhora é aquela mulher da colher de pau?”. Prova de que a cena em que Piedade enfrenta Afrânio (Antonio Fagundes) em ‘Velho Chico’ reverberou no público. Mais de 30 anos depois de sua primeira participação na TV (uma ponta em ‘Vereda Tropical’, de 1985), a atriz encara um assédio diferente em sua primeira personagem em novelas.

“Já sentia isso um pouco com o teatro, e o cinema corroborou isso. Mas, agora com a novela, é no aeroporto, no restaurante… Um amigo meu até fez piada dizendo que eu precisava comprar uma caneta de ouro para dar autógrafo. Mas agora não é mais autógrafo, é selfie! As pessoas dizem: ‘A senhora lembra minha avó, lembra minha mãe’. Cada um faz uma leitura, é muito interessante”, conta a atriz de 75 anos.

Mesmo com tanta experiência no ofício, Zezita conta que fica nervosa ao gravar cada sequência, como se estivesse prestes a apresentar uma peça. “Claro que é bom que estejam gostando de Piedade, mas é uma responsabilidade muito grande. Não é fácil para nenhuma atriz. Me dá um frio na barriga a cada cena. E TV é um processo diferente. Não fiz Artes Cênicas, meu aprendizado é diário. Vou sair daqui com algo para aproveitar em outros momentos da minha vida como atriz”, afirma a intérprete, que é formada em Letras e Pedagogia.

A mãe de Santo (Domingos Montagner) e Bento (Irandhir Santos), segundo Zezita, tem um certo ar autoritário de sua mãe, traços de outras mulheres fortes que já viveu no teatro, e similaridades com personagens femininas dos livros do moçambicano Mia Couto e do colombiano Gabriel García Márquez.

“Isso vai ficando na retina, nos meus poros, e a cada momento uma delas entra em cena, é um apanhado geral. Mas é uma mulher nordestina, que eu sou. Essa é a grande chave. Não estou fazendo alguém diferente de mim. Claro, a história dela é diferente da minha. Vi problemas semelhantes na minha infância, na Paraíba. Alguns latifundiários faziam o mesmo que o coronel Saruê. Essa história é recorrente no Nordeste”, afirma a atriz, nascida numa fazenda no distrito de Pilar, na Paraíba.

Primeira-dama do teatro paraibano

Foi aos 16 anos, morando na capital e estudando no tradicional Lyceu Paraibano, que o teatro entrou na vida de Zezita. E já é pensando em voltar aos palcos que ela fala do trabalho no Coletivo de Teatro Alfenim, em que atua há dez anos.

“Eu não vou me iludir, nunca nem pensei em fazer televisão. Moro em João Pessoa, minha vida é lá. Adoro nosso coletivo, temos um repertório de seis espetáculos nesses anos. Mas vamos ver, não gosto de fechar nada. Quero retomar meu monólogo, estou morrendo de saudade. Eles já têm um papel para mim em outro espetáculo. Vou tocando, vou me apaixonando e assim vou construindo a minha história”, diz.

História essa dedicada aos três filhos, seis netos e à arte. Aposentada do Centro Universitário de João Pessoa, onde foi coordenadora de Pedagogia e de Letras, ainda hoje se envolve em projetos culturais, como implantar exposições, saraus de poesias e um cineclube na instituição. “Fui a primeira mulher a coordenar um curso superior no Centro Universitário e a primeira a dirigir o Teatro Santa Rosa, onde estreei e fiz minha vida como atriz. Foi uma emoção muito grande”, diz.

Zezita Matos no filme “O Céu de Suely”

E foi ali que ganhou o apelido de primeira-dama do teatro paraibano, segundo ela uma brincadeira de um colega que acabou pegando.

“Sempre recebo esse título rindo. Eu sou é operária, ainda pago para fazer teatro. O retorno é mínimo. Como somos um coletivo, tudo é dividido, não tem verba. Sou operária, isso sim, e gosto de ser, de estar a disposição. Fiz não sei quantos curtas, sem ganhar muito dinheiro. Eu gosto de me aventurar, de ousar. Se é um desafio, eu topo. Televisão para mim é isso também”, afirma.

Em 1992, Severina de Souza Pontes resolveu incorporar ao nome de batismo o apelido dado por sua mãe que já lhe foi muito útil. Membro da juventude comunista, a atriz precisou ficar seis meses escondida na casa de um tio para não ter o mesmo destino de alguns amigos presos, torturados e desaparecidos.

“Não me encontraram porque procuravam Zezita e ninguém sabia que eu era Severina. Isso me salvou em 64”, lembra.