Artistas da Paraíba criticam governo Bolsonaro por cortes na Lei Rouanet

Durante a campanha eleitoral do ano passado, o então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) prometeu rever o formato da Lei Rouanet (contra a qual já costumava tecer duras críticas). Promessa é dívida! Assim, o agora presidente eleito acaba de anunciar a primeira alteração na legislação de incentivo à cultura: redução do teto de captação de R$ 60 milhões para apenas R$ 1 milhão.

Em entrevista a uma emissora de rádio nacional, ma semana passada, Bolsonaro falou que parte da mídia apoiava o ex-presidente Lula e também a Lei Rouanet, mas que agora o governo colocaria uma ‘trava’ na legislação. Hoje, cada proponente pode captar até R$ 60 milhões por ano para até 16 projetos. O presidente disse que fechou a definição do teto em R$ 1 milhão com o ministro da Cidadania Osmar Terra, responsável pela Secretaria Especial da Cultura.

O artista plástico Júnior Misaki diz não ter grandes perspectivas com relação ao futuro imediato das políticas de incentivo à arte. “É uma vergonha como esse governo trata a cultura. O Ministério da Cultura (nesta gestão) também aboliu pequenos projetos”, disse. Para ele, a Lei Rouanet precisa ser reavaliada sim, mas a redução de R$ 60 milhões para R$ 1 milhão representa um desrespeito.

“Com o travamento da Lei Rouanet, baixando o teto para R$ 1 milhão, o setor cultural terá uma grande perda. Esse teto vai dificultar muito os eventos que dependem dessa lei, tirando de circuito uma parte desse setor que gera impostos, emprega e move nossa economia. Isso é lamentável”, disse o cineasta Marcus Vilar, autor de ‘A canga’ e ‘A Árvore da Miséria’.

Marcus ainda comentou que, “sem sombra de dúvida”, há uma perseguição às pessoas que produzem cultura por parte governo Bolsonaro. O diretor deverá lançar, ainda este ano, um documentário sobre vida e obra do paraibano Jackson do Pandeiro. Um filme realizado em parceria com Cacá Teixeira está pronto, mas ainda aguardando o fim do pagamento pelos direitos autorais de imagens e músicas.

Também cineasta, Bertrand Lira não se mostrou surpreso com o anúncio. “O que esperar de quem está destruindo a educação? Imagine a cultura…”, comentou o diretor do longametragem ‘Seu amor de volta (mesmo que ele não queira), lançado em dezembro do ano passado, durante o FestAruanda, em João Pessoa.

“Esse governo tem medo de intelectuais e dos artistas. Medo da filosofia e da sociologia, de disciplinas que ensinam a pensar e compreender a realidade. Um governo a serviço do fundamentalismo religioso. Dá para esperar coisa pior… Cortar a Lei Rouanet, que eles já vinham difamando há um certo tempo”, completou Bertrand Lira.

Espetáculos musicais

Devido à repercussão negativa junto aos artistas e produtores do setor cultural, o ministro Osmar Terra (responsável pela Secretaria Especial da Cultura) tratou de ‘corrigir’ Bolsonaro, afirmando que a redução de teto da Lei Rouanet valerá somente para espetáculos musicais.

Ainda assim, a categoria teve a percepção de que as alterações são nocivas para com a produção cultural nacional e que reforçam a ideia de que a atual gestão federal não tem um olhar de parceria com relação aos projetos culturais.

“A medida anunciada pelo presidente é mais um duro golpe no setor cultural do país. Caso se concretize, é um corte gigantesco absolutamente inoportuno. Muito mais importante e necessário seria aperfeiçoar o mecanismo de concessão desses recursos, democratizando e facilitando o acesso aos mesmos por parte de quem realmente precisa”, disse o músico Waldir Dinoá.

Integrante da banda ‘Rush Cover’ e também do ‘Molho Inglês’ (que toca cover dos Beatles), Dinoá informou que está, atualmente, gravando um disco de forma independente. “Nem me animo a tentar viabilizar meu projeto através dos caminhos complicados, para nós, simples mortais, da Lei Rouanet”, lamentou.

Ainda na área de música, que seria – conforme adendo feito pelo ministro Osmar Terra – o setor onde a mudança drástica aconteceria de verdade, o cantor e compositor Tadeu Mathias também se mostra incomodado com o anúncio. Ele destaca que educação, cultura, saúde e emprego precisam ser prioridades. “Sem esses pedestais a vida da nação fica bem sofrida”, pontuou.

Tadeu Mathias enfatizou que jamais teve um projeto aprovado através da Lei Rouanet, mas que a alteração anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro é prova de que o atual governo não tem propostas positivas para a área. “Minha opinião é que, apesar de nunca ter obtido benefícios pessoais através da Lei Rouanet, é lastimável um governo não dar valor à cultura do nosso povo”, ressaltou.

A cantora e compositora Dany Danielle, integrante do projeto infantil ‘Contação da Rua’, classificou as modificações como um “desastre” para a cultura brasileira. A artista acredita que a medida anunciada por Bolsonaro compromete o funcionamento de museus, orquestras e grandes exposições de arte, por exemplo.

“O problema é mais grave do que a grande massa, informada por meio do twitter e facebook, pensa. Eu lamento e torço, sinceramente, para que essa decisão seja como as outras tomadas por esse governo, ou seja, que eles percebam em tempo o grande equívoco que estão prestes a cometer e, com isso, anunciem em breve que desistiram dessa ideia”, disse Dany.

Saiba mais

Criada em 1991, uma das principais ferramentas de fomento à cultura no Brasil, a Lei Rouanet está em vigor no Brasil 11 anos antes do primeiro mandato do ex-presidente Lula. Instituída durante o mandato do então presidente Fernando Collor de Mello, ela permite a concessão de benefícios fiscais a empresas que queiram patrocinar projetos artísticos. A revisão de termos da lei foi promessa de campanha de Bolsonaro e costuma mobilizar afetos nas redes sociais.

Em fevereiro deste ano, Bolsonaro sugeriu em uma de suas redes sociais que o teto cairia para R$ 10 milhões por projeto, e que a obrigação de fornecer ingressos gratuitos desses projetos incentivados passaria de 10% para até 40%. Mas, conforme anunciado, a redução deverá ser bem maior. As informações são do Jornal A União.