O renomado arquiteto e urbanista Yves Falières de Riviere, após mais de 30 anos vivendo entre a França (seu país natal) e o Brasil, onde se instalou em João Pessoa, apresentou um projeto de reurbanização das favelas do bairro de Mandacaru, que convivem hoje em um cenário de descaso do poder público, resultando no incremento da pobreza e da violência em um lugar completamente dominado por facções criminosas que lucram com o tráfico de drogas.

Conversa com Tarcísio Burity

O arquiteto conta que a ideia do projeto surgiu nos anos 90, quando realizou uma exposição itinerante no Brasil, com o apoio da Aliança Francesa o Ministério da Cultura, a Galeria Metropolitana do Recife e a Galeria Arte Mayor, fazendo conferências em várias cidades do Brasil, inclusive João Pessoa – onde já tinha realizado uma palestra no Hotel Tropical Tambaú no começo dos anos 80, se encantando pela riqueza arquitetônica da cidade. Na ocasião, conheceu o então governador da Paraíba, Tarcísio Burity.

“Conversamos sobre arte e cultura popular e minhas exposições em um ambiente popular. Na ocasião, eu o informei sobre os vários eventos artísticos que eu estava fazendo em bairros desfavorecidos na França e no exterior, acompanhados por artistas da Paraíba, incluindo Elpídio Dantas, Jota Carlos e artistas pernambucanos Alex Mont’elberto e Jobson Figuereido, então presidente da Associação de Artistas de Pernambuco. Eu comuniquei então da minha intenção de fazer um projeto de reabilitação urbana da favela de Mandacaru. Depois de todos esses anos de exposições coletivas na França e no exterior, com artistas brasileiros, apresento hoje meu projeto de reestruturação da favela de Mandacaru”, disse.

Projeto de reestruturação urbana das favelas de Mandacaru João Pessoa, Brasil Ministério da Cultura Yves Rivière Projeto de arquitetura tradicional de madeira Técnica de construção ancestral dos navios

 

 

 

 

Arquitetura participativa

Idealizador do conceito de arquitetura participativa, Yves defende projetos arquitetônicos humanizados, nos quais as necessidades e opiniões dos moradores dos locais sejam sempre a prioridade dos governantes. Ele participou de diversos projetos de reurbanização nas cidades francesas de Nîmes, Angers e Paris, nos quais visava substituir os antigos blocos residenciais, mal projetados, por ambientes pensados para a renovação dos bairros e os futuros habitantes. Para o projeto de Mandacaru, visando uma solução viável e barata para o problema das residências mal projetadas, sugeriu a construção de casas de madeira, utilizando-se a técnica ancestral da construção de navios.

Paralelo entre violência na França e no Brasil

Após um estudo cuidadoso sobre a realidade dos dois países, Yves chegou à conclusão de que a questão da violência tanto no Brasil quanto na França passa pelo mesmo fator: o desenvolvimento urbano incoerente. No país sul-americano, o surgimento de favelas à margem de grandes metrópoles se ocasionou pelo êxodo de pessoas oriundas de zonas rurais que se agrupavam nas grandes cidades, em territórios sem higiene, conforto ou estrutura estatal, fugindo da seca e da pobreza do campo, essas pessoas buscavam melhores condições de vida nas grandes cidades.

“São habitações precárias e insalubres, que diziam ser provisórias, mas duravam. Essas habitações eram na maioria das vezes construídas em terrenos da União, localizadas em distritos marítimos, áreas florestais e nas proximidades de rios”, explicou.

Olhar sobre as questões do Brasil

Atento às questões político-sociais do Brasil, Yves auxiliou a promotora de Justiça de Recife, Andréa Nunes, na divulgação de palestras que a mesma realizou em Paris e Berlim, abordando o combate à corrupção no Brasil, em 2016, como parte das atividades acadêmicas da renomada Universidade de Sorbonne. Na ocasião, ela apresentou o seu livro ‘A Corte Infiltrada’, onde utilizou o suspense da ficção para retratar informações verdadeiras sobre a corrupção e atuação do crime organizado em solo brasileiro.

Na foto: Yves Falieres de Rivière – vencedor do Grande Prêmio Internacional de Arquitetura; Andrea Nunés Promotora de Justiça, Escritora, Membro da Academia das Letras e das artes da Paraíba; Fernando Lacerda, intelectual e historiador de origem recifense, mas que vive em João Pessoa;

Yves comentou alguns assuntos em voga na sociedade brasileira, sob a ótica de um cidadão francês que observa os fatos de maneira próxima, uma vez que mora aqui parte do ano, e ao mesmo tempo distante e ponderada. Ele contou com a colaboração do intelectual Fernando Lacerda em suas reflexões acerca do Brasil.

Temer

“Foi uma oportunidade para um oportunista. Ele foi projetado para ocupar a posição vazia e é o símbolo da ausência de poder. É o jogo do equilíbrio das partes (grandes e pequenas) que se beneficiam. Ele está no cargo, mas não representa a posição, mas sim o status quo; têm uma impopularidade de 60 a 70% e é apoiado vagamente por 5% da população. Da minha ótica, é um impostor em um golpe não militarizado.”

Impeachment de Dilma e política do PT

“A classe média e os pobres que haviam depositado muita esperança em Lula e, depois, em Dilma ficaram muito desapontados. Lula tinha o carisma, era popular, era um político nato, (o vi em uma manifestação na década de 90). Ele era amado e reconhecido internacionalmente, mas, com a política de Lula, as disparidades de renda no Brasil permaneceram muito altas. Dilma não dominou a situação e o regime do partido sentiu suas fraquezas. Não sabia como agir com força no jogo dos partidos políticos que retomavam o poder. Não conseguiu impor-se e uma maioria começou a se opor. Lula não conseguiu eliminar a corrupção (que é um esporte nacional) e essa corrupção se desenvolveu com o jogo partidário. Então Lula foi condenado como corrupto e Dilma foi expulsa do poder. Não foi um período glorioso de democracia no Brasil.”

Política a nível nacional

“Precisamos esclarecer a situação: ninguém entende [porque o Brasil não evolui]. O Brasil é um país rico, desfrutando de um clima excelente para pecuária e cultura agrícola, mas os brasileiros não avançam na vida. O Brasil está puxando para baixo porque os brasileiros são bravos trabalhadores de boa vontade, trabalhadores que fazem um bom trabalho, podem ser apesar de que, enquanto o salário mínimo é 6 vezes mais barato do que na Europa, o custo da gasolina é o mesmo, especialmente quando sabemos que ela vem do petróleo brasileiro. A essência é de R$ 4 reais por litro enquanto na Venezuela, a gasolina da Petrobras é de R$ 2 reais por litro. O brasileiro não compreende mais. Há tolerância zero e o mesmo tratamento para todos os habitantes, especialmente aqueles na parte inferior da escala financeira.”

Fotos de Yves com personalidades paraibanas:

Yves cumprimentando o então prefeito de João Pessoa, Wilson Braga
Yves e o ex-reitor da UFPB, Antônio Sobrinho
Yves e o cônsul da França em Recife