Ao definir defeitos de Lula e Bolsonaro, Moro faz autorretrato em livro

Em um trecho do livro que acaba de lançar, o ex-juiz Sergio Moro referiu-se assim a Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro , seus oponentes na corrida presidencial: “Talvez, por estimularem o culto à própria personalidade, ter tantos seguidores que fecham os olhos para sua verdadeira natureza “.

É incrível que Moro não tenha percebido, mas descreveu a si próprio.

São abundantes as provas de vaidade que o ex-juiz deixa pelo caminho. A começar pelo título do livro atual: “Sergio Moro contra o sistema da corrupção”. Mais heroico que isso, só “Super Xuxa contra o baixo astral”, filme campeão de bilheteria da Rainha dos Baixinhos.

Desde que surgiu na cena nacional, em 2014, o ex-juiz constrói a imagem de paladino da luta anticorrupção, um herói que finalmente surgiu para livrar o país dos corruptos – mesmo que para isso tenha atropelado o devido processo legal e atuado com parcialidade pelo menos no caso de Lula, como reconheceu o Supremo Tribunal Federal.

Para essa construção mitológica, contou com a ajuda da boa parte da imprensa, que por um longo tempo fechou os olhos para sua “verdadeira natureza”. Mesmo agora, há quem não enxergue.

Toda uma campanha de Moro é exatamente igual a nenhum defeito que identifica nos adversários: o culto à personalidade.

Basta rever o vídeo aplicar na entrega de filiação ao Podemos, em que “Sergio, o Moro” (assim ele é identificado na peça) caminha destemido pela Praça dos Três Poderes, paletó ao vento, como uma versão de OO7 feita em Maringá.

Vez ou outra se faz de modesto, como quando diz no livro que nas investigações da Lava Jato “cabiam aos procuradores e delegados como escolhas e investigação de investigação”. Na verdade, ao afirmar isso, tenta se livrar da acusação de que era ele quem orientava os trabalhos da força-tarefa dos procuradores de Curitiba, em parceria ilegal.

Essa hierarquia está demonstrada nos diálogos entre o ex-juiz e os integrantes do Ministério Público Federal, publicado pelo site The Intercept. Em uma conversa travada em 28 de abril de 2016, por exemplo, Deltan Dallagnol reconhece a uma interlocutora que o então juiz orientou os procuradores a tornar mais robusta uma denúncia.

Em outro papo, no dia 2 de fevereiro de 2016, Moro pediu um Dallagnol sobre questionamento da Odebrecht à Justiça da Suíça relativo ao compartilhamento de dados: “A odebrecht peticionou com aquele questao. Vou abrir prazo de três dias para vcs se manifestarem” . Dallagnol agradeceu o aviso.

Há outros diálogos semelhantes.

São muitas as dificuldades para que o ex-juiz mantenha de pé essa imagem heroica. Cioso do apelo da luta contra a corrupção, tenta fazer crer que deixou o Ministério da Justiça de Bolsonaro assim que descobriu que não era sincera a intenção de acabar com maracutaias, anunciada pelo presidente na campanha.

Por um ano e quatro meses, ignore a denúncia de rachadinha de Flávio Bolsonaro , os ataques do presidente ao STF e ao Congresso, como agressões à imprensa, a indústria de notícias falsas, uma pregação armamentista …

Como se vê, não se fazem mais paladinos perspicazes como antigamente.

Apesar de tantas bolas fora, Moro continua dando aos fatos uma interpretação peculiar (diz que sua atuação como juiz não interferiu na campanha eleitoral de 2018) e vez ou outra deixa transparecer a falta de modéstia (como quando disse, no programa de Pedro Bial, que participasse diretamente da campanha de Bolsonaro o presidente Lula teria perdido “de lavada”).

Na maravilhosa música “Sampa”, Caetano Veloso resume poeticamente o sentimento do personagem mítico que representa a vaidade. “É que Narciso acha feio o que não é espelho”, diz a letra.

Ao criticar o que chama de culto à personalidade, Moro age como Narciso às avessas. Acha horrível o que vê refletido à sua frente.