A empreendedora Julia Machado Pinto, CEO da Curto Circuitos (plataforma de tecnologia), foi participar de um evento do Sebrae que incentivava startups da área e ficou inquieta: dos 30 participantes, apenas seis eram mulheres. Já trabalha na área há mais de 10 anos, sempre em um meio predominantemente masculino, mas nunca havia pensado em nada para mudar, até aquele momento.

Ainda no evento, chamou as outras participantes mulheres e sugeriu: vamos criar um grupo para incentivar outras mulheres a empreenderem? Nasceu assim o ‘Anitas’, projeto que prevê diversas iniciativas e, segundo a fundadora, segue ganhando apoiadores, tanto mulheres quanto homens.

Julia é gaúcha e começou atuar na área em Porto Alegre. Ela é formada em marketing, mas desde que começou a trabalhar com tecnologia sentiu vontade de aprender programação. Quando criou a própria empresa, em 2015, já em Florianópolis, também foi em busca de conhecimento para viabilizar o negócio.

No evento do Sebrae, percebeu que as outras mulheres também tinham formações diversas, como moda e administração, mas todas se interessavam em aprender a programar. Segundo Julia, essa carência de mulheres na área de programação pode ser explicada principalmente por fatores culturais.

Para ela, pelo menos três barreiras explicam essa distância. A primeira é o fato de que geralmente equipamentos como o vídeogame, que estimula o interesse pela programação, são tratados como “coisa de menino”.

A segunda barreira, consequência da primeira, é que os cursos superiores acabam tendo mais homens do que mulheres: “você vai escolher um curso que é quase só de homens. Precisa passar pela faculdade, dentro dessa pressão de ser minoria, e isso faz com que poucas se formem”, comenta Júlia.

Paradoxalmente, a CEO traz um dado histórico: “nos anos 1980, a maioria dos alunos dos primeiros cursos de computação da Universidade de São Paulo (USP) eram mulheres. Mas nos anos 90 houve uma geração influenciada pelo videogame. Além disso, começaram a aparecer os principais ícones de tecnologia, todos homens, e isso acabou influenciando”, complementa.

A terceira barreira, segundo ela, é o mercado de trabalho, que ainda trata diferente homens e mulheres.

Diante disso, Julia explica que o Anitas pretende ser um ‘guarda-chuva’ para integrar diversas ações: incentivar mulheres a empreenderem, ensinar mulheres a programarem e divulgar vagas de trabalho. Também prevê um projeto para meninas de 10 a 18 anos desenvolverem aplicativos. Para a CEO, é necessário mudar a cultura para que as mudanças ocorram efetivamente.

“Os meninos iam gostar disso”

Entre as iniciativas já realizadas pelo ‘Anitas’ estão ações nas escolas e, segundo Júlia, a reação das meninas confirma o quanto a questão é cultural: “quando comentamos sobre programação, muitas dizem: ‘mas os meninos é que iam gostar disso’. Aí depois, na prática, elas acabam se apaixonando pela ideia e desenvolvendo projetos legais”, comenta a CEO.

Além disso, o projeto também já promoveu diversos encontros, e número de participantes tem aumentado: “no primeiro encontro eram 45 lugares na sala e apareceram 55 pessoas. Fomos pra um lugar maior, de 100 lugares, e vieram 105. Depois 110. Isso confirma que tem gente querendo falar sobre isso”, afirma.

De acordo com Júlia, no Brasil e no mundo, já há movimentos que incentivam essas discussões e compreendem a necessidade de promover igualdade, sobretudo em relação a oportunidades.

“As pessoas entenderam que precisam contratar mulheres, pessoas negras, de situação socioeconômica diferente, minorias de forma geral, e isso, comprovadamente, gera maior eficácia de desenvolvimento de soluções. Você recebe um problema para resolver e, se tiver só homens do mesmo perfil na equipe, vai conseguir de todos eles as mesmas respostas”, explica Júlia. Para ela, isso impacta na lucratividade da empresa de forma positiva.

Em relação ao fato das mulheres ainda terem salários mais baixos do que os homens, Júlia acredita que isso aconteça porque os homens conseguem negociar melhor sua contratação: “as mulheres ainda tem um pouco de dificuldade de se valorizar”, comenta ela, exemplificando que enquanto 70% dos homens colocam no currículo quando sabem parcialmente algo, as mulheres só colocam se tiverem segurança daquele conhecimento.

Em relação às diferenças, Júlia ainda destaca a questão biológica. Ela é mãe de Nora, de 8 meses, e comenta que a produtividade está relacionada ao bem estar, por isso considera que as empresas precisam promover condições para que as mulheres possam trabalhar, mas também exercer a maternidade: “amamentar, por exemplo, é uma questão biológica, e não pode ser substituída. Por isso, precisamos que as empresas realmente apoiem, tanto fornecendo lugares para deixar as crianças ou um horário flexível, e que isso também seja aplicado aos pais, para poderem ter a mesma responsabilidade”, comenta ela.

Para Júlia, o importante, nessa dupla jornada, é tentar fazer sempre o melhor, mas sem querer ser “super” e dar conta de tudo: “é preciso pedir ajuda quando necessário”, finaliza ela.

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