Os 223 municípios que compõem o Estado da Paraíba estão sendo novamente recomendados a cumprir a Lei 11.947/2009. Essa lei determina que 30% dos recursos totais recebidos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) sejam utilizados para adquirir alimentos diretamente da agricultura familiar, do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, e da pesca artesanal, com prioridade para os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. A recomendação foi emitida pelo Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU) e Defensoria Pública Estadual (DPE-PB).
Recomendação semelhante foi enviada à Secretaria de Estado da Educação da Paraíba (SEE). Além disso, outra recomendação foi enviada à Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária (Empaer).
O documento reitera diretrizes sugeridas aos municípios em 2015 e 2018, focando nos obstáculos enfrentados pelos agricultores familiares e pescadores artesanais para participar da política pública criada pelo governo federal através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). O objetivo do programa é garantir que, durante o período escolar, sejam oferecidas refeições que atendam às necessidades nutricionais dos estudantes.
No entanto, desde que a política pública foi criada, os agricultores e pescadores artesanais enfrentam diversos desafios que afetam o fornecimento de alimentos da agricultura familiar e da pesca para a merenda escolar, como burocracia, falta de informações sobre os editais, incompatibilidade entre os itens licitados e a sazonalidade da produção, além da falta de inspeção em produtos processados. Os editais municipais também têm problemas em relação aos preços, como falta de transparência e pesquisa de preços inadequada, resultando em valores abaixo do mercado e inviabilizando a participação dos agricultores e pescadores. Além disso, a divulgação insuficiente dos editais não atinge os agricultores, os pescadores artesanais e comunidades que são priorizados pela Lei 11.947/2009.
Para que a recomendação pudesse ser o mais completa possível, foram convidados para participar da formulação do documento órgãos interessados, instituições que acompanham as cooperativas e associações de produtores familiares e pescadores artesanais na Paraíba. “Convidamos, principalmente, as organizações da sociedade civil, que vivem o dia a dia e que acompanham, inclusive, esses empecilhos e gargalos para que a política pública não se realize. Essa participação trouxe elementos valiosíssimos para que a gente pudesse fazer uma recomendação o mais completa possível”, explicou o procurador da República José Godoy.
O procurador da República Djalma Gusmão também destacou a relevância da diversidade de perspectivas na construção coletiva da recomendação: “apesar de o Ministério Público ter o conhecimento jurídico, não temos a total ciência dos problemas enfrentados pelas comunidades. Então, primeiro ouvimos e construímos uma solução e isso enriqueceu a recomendação”, avaliou. Djalma Gusmão ressaltou que o contato pessoal durante reunião realizada com os convidados e a forma como foi desenvolvida a dinâmica de elaboração das diretrizes possibilitaram extrair o máximo de contribuições para poder dar uma melhor resposta à sociedade.
Providências recomendadas – Como resultado, a nova recomendação aos municípios especifica medidas como: anexação do cronograma de entregas aos contratos e o seu cumprimento rigoroso; pagamentos aos agricultores e pescadores, que devem ser feitos em até um mês após a efetiva entrega dos produtos, para evitar inadimplência das famílias com os custos da produção; fornecimento dos empenhos, que deve ser feito até o primeiro dia útil de cada mês, para que as mercadorias possam circular com as respectivas notas fiscais.
De acordo com a recomendação, as chamadas públicas para aquisição dos produtos da agricultura familiar e da pesca artesanal devem ser finalizadas até o primeiro dia do ano letivo escolar, para que o fornecimento dos produtos possa ser realizado desde o início do ano letivo; devem, também, ser restritas aos agricultores familiares, pescadores artesanais, cooperativas e associações da região. Os editais das chamadas públicas devem exigir que associações e entidades corporativas indiquem cada associado que fornecerá os produtos listados no projeto de vendas, com os respectivos quantitativos.
O documento prevê que cabe ao município fiscalizar essa habilitação. Os municípios devem checar, com os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável, a capacidade produtiva dos agricultores, pescadores artesanais e entidades que apresentaram o projeto de venda das entidades participantes da chamada pública – deve ser dada preferência à aquisição de produtos agroecológicos. Os municípios devem, ainda, informar sobre a possibilidade de implementar política pública de incentivo à agricultura familiar e à pesca artesanal, ampliando o percentual mínimo de 30%.
Recomendação à Empaer – Além dos municípios, a Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão Rural e Regularização Fundiária também recebeu recomendação para: realizar o acompanhamento técnico dos agricultores familiares e pescadores artesanais que fornecem produtos para o Pnae; disponibilizar, em seu portal na internet, os editais municipais, estaduais e federais de chamada pública do Pnae e de outras verbas públicas destinadas à alimentação escolar e de alunos da rede de ensino superior. O objetivo é auxiliar os agricultores familiares e pescadores artesanais a encontrar as informações necessárias para que possam participar das chamadas públicas.
Conforme a recomendação, a Empaer deve realizar, anualmente, a estimativa de produção da agricultura familiar e da pesca artesanal por município, indicando os itens produzidos, quantidades e sazonalidade, disponibilizando esses dados aos municípios, à Secretaria de Estado da Educação, por meio das regionais de ensino, ao Instituto Federal da Paraíba e às universidades públicas atuantes no estado.
Também foi recomendado à Empaer que acompanhe, mensalmente, nos 223 municípios paraibanos e nas escolas de responsabilidade da Secretaria Estadual de Educação, quais estão cumprindo ou descumprindo as recomendações, informando os casos de descumprimento ao Ministério Público Federal para possibilitar que medidas adicionais sejam tomadas.
A Empaer ainda deve continuar a divulgar, mensalmente, ranking das entidades que mais efetuaram compras de produtos provenientes da agricultura familiar e da pesca artesanal, bem como daquelas que registraram menor volume de aquisições. Essa informação deve ser amplamente divulgada nas redes sociais e na imprensa local, além de ser compartilhada com os órgãos e entidades que representam a agricultura familiar e a pesca artesanal.
Para o presidente da Empaer, Aristeu Chaves, a participação ativa na construção da recomendação “aumenta a responsabilidade da empresa, mas também engrandece a instituição na honrosa missão de promover, junto com os produtores e produtoras, a oferta de alimentos saudáveis no campo, bem como contribui para a geração de emprego e renda e a segurança alimentar e nutricional de alunos de instituições públicas de ensino da Paraíba”.
Aristeu Chaves esclareceu que a Empaer desempenha um papel fundamental na coordenação das estratégias relacionadas às compras governamentais através do Pnae. Isso ocorre devido à presença de seus extensionistas, desde a etapa de identificação e planejamento da produção, e no fornecimento de apoio técnico aos agricultores, incluindo orientações para participação em chamadas públicas. Além disso, a Empaer também assume a responsabilidade pela emissão das notas fiscais para os produtores e verifica se a produção realmente provém da agricultura familiar.
Produzida de forma colaborativa, a recomendação teve a participação de representantes de várias cooperativas de produtores familiares rurais, dentre eles Rubens Remígio, produtor responsável técnico e gerente de negócios da Cooperativa dos Produtores Rurais de Monteiro Ltda (Capribom). A Capribom comercializa derivados de leite de cabra e de vaca produzidos na própria cooperativa. Com a experiência e a vivência dos problemas que acontecem na implementação de políticas públicas, Rubens Remígio sugeriu que a recomendação trouxesse diretriz para combater eventuais desvios de finalidade no Pnae e no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Nesse sentido, foi recomendado à Empaer que faça o acompanhamento técnico dos agricultores familiares que fornecem para o Pnae.
A coordenadora do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) na Paraíba, Dilei Schiochet, também avaliou o método participativo para elaborar a recomendação. “Construir recomendações em que as pessoas que são envolvidas também se colocam, propõem, são coparticipantes, é imprescindível, porque são as pessoas que fazem e que sentem na pele os dilemas desses programas”, afirmou. Ela ressaltou que quem faz a gestão sabe onde estão os entraves, e quem fiscaliza, ou tem a responsabilidade de fazer com que essas políticas funcionem, também tem a oportunidade de colocar as suas nuances e seus limites. “Então, acaba sendo uma coparticipação de todos”, concluiu.
O defensor público federal Edson Andrade também avaliou a rotina implementada pela Defensoria Pública e Ministério Público de convidar sociedade civil e gestores públicos para discutir previamente o tema, que poderá ser objeto de uma recomendação conjunta: “É uma rotina que aumenta a possibilidade de efetiva solução do problema enfrentado sem a necessidade de buscar as vias judiciais, na medida em que todos conseguem vislumbrar bem os problemas enfrentados e também as dificuldades administrativas para a sua solução, encontrando, quase sempre, uma via que garanta a solução dentro das possibilidades e limitações dos órgãos públicos”, observou.
O procurador da República José Godoy indicou que a ação conjunta visando efetivar a política de inclusão da agricultura familiar e da pesca artesanal na merenda escolar em todos os 223 municípios da Paraíba deve prosseguir. De acordo com Godoy, outras entidades públicas e instituições serão convidadas a participar, e a expectativa é que essa mobilização transcenda a fase de recomendação, transformando-se em um amplo acordo envolvendo diversos órgãos. O objetivo é priorizar a agricultura familiar, a pesca artesanal e a oferta de alimentos de alta qualidade não apenas no âmbito do Pnae, mas também nos serviços de alimentação universitária e, em um estágio subsequente, em outras políticas públicas, como o PAA, conforme adiantado por Godoy.
Catrapovos – Em 2021, foi criada a Mesa Permanente de Diálogo Catrapovos Brasil, que busca promover a adoção de alimentos tradicionais em escolas indígenas, quilombolas e de comunidades ribeirinhas, extrativistas e caiçaras em todo o país. O objetivo dessa iniciativa é garantir que, pelo menos, 30% dos alimentos adquiridos sejam provenientes da agricultura familiar, respeitando os processos de produção e a cultura desses grupos.
A Mesa Permanente de Diálogo também busca replicar prática da Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa) em âmbito nacional. Com base no trabalho da Catrapoa, foi emitida uma nota técnica para todo o país, que trata de questões sanitárias e permite a compra direta de alimentos tradicionais pelo governo. Ambos os documentos reconhecem que a produção tradicional destina-se ao autoconsumo ou consumo familiar, incorporando técnicas próprias de controle de qualidade e conservação, o que dispensa a necessidade de registro sanitário para a aquisição pelo governo, conforme previsto na legislação sanitária aplicável.
Participantes – Colaboraram na elaboração da recomendação emitida pelo MPF, DPU e DPE representantes do Banco do Nordeste (BNB); Secretaria de Estado da Agricultura Familiar e de Desenvolvimento do Semiárido (SEAFDS); Empresa Paraibana de Pesquisa, Extensão e Regularização Fundiária (Empaer); Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST); Polo Sindical da Borborema; Centro de Ação Cultural (Centrac); AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia; Comissão Pastoral da Terra em Campina Grande (CPT); Federação dos Trabalhadores na Agricultura na Paraíba (Fetag); Cooperativa Mista dos Produtores Rurais na Agricultura Familiar do Estado da Paraíba (Cooprafe), Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras do Estado da Paraíba (OCB-PB), Cooperativa Agroindustrial de Piabuçu – Rio Tinto (Frutiaçú); indígenas da etnia Tabajara; Cooperativa dos Produtores Rurais de Monteiro Ltda (Capribom); e Associação da Comunidade Negra de Ipiranga – Conde (ACNI).