“A Travessia” retrata história real, desperta interesse e causa espanto no espectador

O tema de A Travessia já é, por si, algo que desperta interesse e uma boa dose de espanto. A história do equilibrista francês Philippe Petit, que em 1974 atravessou as Torres Gêmeas do World Trade Center em Nova York (EUA) utilizando apenas um cabo de aço seria considerada absurda e fantasiosa, não fosse um caso real. O fato chamou a atenção do mundo à época e transformou Petit num verdadeiro mito do equilibrismo.

Interpretado pelo incrivelmente talentoso e igualmente carismático Joseph Levitt-Gordon, o protagonista do filme provoca empatia no público logo de cara. Narrada por Levitt-Gordon, que fala diretamente ao espectador como se fosse um contador de fábulas, a produção dirigida por Robert Zemeckis, diretor de filmes como De Volta para o Futuro (1985), Forrest Gump – O Contador de Histórias (1994) e Náufrago (2000), traz uma abordagem mais lúdica e emocional, sem, contudo, abrir mão dos elementos realistas. A metalinguagem também auxilia nesse processo.

O fato de Levitt-Gordon ser americano praticamente não influência no resultado final de sua performance no filme, já que o ator é fluente na língua francesa e capricha num sotaque convincente. Com muita habilidade e carisma de sobra ele transmite autenticidade na pele de um francês que saiu de casa de jovem para seguir seu sonho de ser equilibrista. Em Paris, se torna artista de rua, fazendo apresentações. É na rua que ele conhece e se encanta por Annie Allix (Charlotte Le Bon), uma cantora que se apresenta à voz e violão em troca de alguns caraminguás.

Os dois se tornam namorados e Annie o ajuda a concretizar seu sonho de atravessar as Torres Gêmeas, ideia alimentada desde que Petit era adolescente e soube da construção do World Trade Center através de um jornal, que já anunciava que elas seriam a edificação mais alta do mundo, com mais de 400 metros de altura e 110 andares. Antes, porém, o jovem se prepara adquirindo as técnicas de equilibrismo com Papa Rudy (Bem Kingsley), tcheco radicado na França e dono de uma pequena companhia de circo.

Philippe Petit faria ainda duas façanhas notáveis antes de realizar seu maior feito maior: atravessou as cúpulas da Catedral de Notre-Dame, em Paris, e as torres que ladeiam a ponte de Harbor Bridge, em Sidney (Austrália). Da sua ideia inicial até a travessia propriamente dita foram seis anos. Petit contara com o auxílio de um grupo de amigos que o ajudou a planejar e executar seu intento.

No filme, além da namorada Annie Allix e do seu mestre Papa Rudy, aparecem Jean-Louis (Clément Sibony), o fotógrafo oficial de suas peripécias e seu fiel escudeiro, Albert (Ben Schwartz) professor de matemática que ironicamente morre de medo de altura, Barry Greenhouse (Steve Valentine), um hippie americano e Jean-Pierre (James Badge Dale), francês radicado nos EUA. Esses são os integrantes da equipe que dá suporte ao equilibrista para que ele realize seu sonho – um grupo bastante heterogêneo.

Ao construir a narrativa do filme num formato de fábula permeada de aspectos realistas o diretor apresenta uma espécie de épico repleto de adrenalina, mas também bastante espirituoso. O humor é um dos pontos fortes do filme e ajuda a trazer uns respiros ao enredo, que oscila entre o fantasioso, uma pequena dose de melodrama e o frenesi da empreitada da qual a obra se baseia.

A opção pelo 3D se mostrou mais-que-acertada. Os ângulos de visão proporcionados por esse recurso colocam o espectador bem próximo de Petit e seus equilibrismos insanos – ora se tem a impressão de se estar ao seu lado, ora de ser o próprio a se equilibrar num cabo a uma altura abissal.

As cenas em que ele atravessa as Torres Gêmeas, em que se equilibra e faz movimentos inacreditáveis sob um cabo de aço, repetindo a travessia diversas vezes enquanto a polícia tenta detê-lo – e prendê-lo – e a atenção das pessoas na rua e dos veículos de mídia está em sua direção, é um dos momentos mais tensos e delirantes do cinema moderno. Tira o fôlego do espectador e provoca vertigem, tamanha é a sensação de realidade ampliada que a projeção transmite.

Tudo isso seria simplesmente inacreditável se não fosse uma história verdadeira, contada na forma de uma fábula estilizada. O caso já foi tema do documentário O Equilibrista (EUA, 2008. Direção: James Marsh), vencedor do Oscar na categoria. Aqui, porém, temos uma narrativa romantizada e um tanto ufanista, o que compromete em parte o resultado final mas abre uma janela de encanto que envolve e sensibiliza a quem assiste ao filme.

Não há imagens de arquivo tampouco menção aos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Também não se vê antes dos créditos finais os clássicos letreiros explicando factualmente o que aconteceu depois com Petit e com as torres. O que se vê retratada é uma exaltação a ousadia e ao sonho de um jovem homem que entrou para a história.

A imagem que fica é da coragem e do esforço dele e da grandeza das torres como imponente monumento da civilização moderna. As duas ousadias – a da arquitetura e a da persistência do indivíduo – que se unem e se cristalizam num quadro épico e lúdico. Um belo registro emocional que remete a outros significados e consegue mudar o enfoque de um lugar ao mesmo tempo em que mata as saudades e deixa um ar nostálgico, mas feliz. Consegue, então, ter êxito na sua proposta.