Uma ameaça silenciosa ronda pessoas de todas as idades em paralelo à pandemia da Covid-19: o desequilíbrio da saúde mental. Os transtornos psicológicos como síndrome do pânico, ansiedade e depressão podem representar uma segunda onda de estragos à saúde, conforme afirmam especialistas da área. Tudo isso, provocado por fatores como a solidão, as perdas (de liberdade, financeira), o medo de contrair a Covid-19, além das incertezas quanto ao futuro, agravam doenças mentais preexistentes e criam novos problemas para pessoas até então saudáveis.
Profissionais da área da Psiquiatria e da Psicologia já sentem um aumento na busca por tratamento na prática clínica diária. “Observamos um aumento na incidência nos casos de depressão. De acordo com um editorial publicado recentemente no periódico científico The New England Journal of Medicine, um dos mais respeitados no mundo, o número de pacientes que têm a doença deve aumentar globalmente após a quarentena devido à pandemia de Covid-19”, afirma o psiquiatra do Sistema Hapvida em João Pessoa, Manoel Galdino.
Além da depressão e dos outros quadros a ela associados, o especialista lembra que os pesquisadores observam que a ansiedade, também pode ser uma consequência desse período de isolamento, bem como a incidência de distúrbios alimentares e do abuso de álcool e drogas também aumentará durante e após a pandemia.
Manoel Galdino lembra ainda que o prolongamento de um confinamento possa ocasionar um afloramento das emoções, como tristeza, irritabilidade e intolerância. “O indivíduo pode apresentar sintomas ansiosos, preocupação exagerada, insônia e modificação no padrão alimentar, justamente com sintomas de físicos como falta de ar, coração acelerado e sensação de desespero. É importante manter uma rotina, tentar ocupar seu tempo com atividades prazerosas e, se possível, uma atividade física diária, mantendo uma alimentação saudável”, orienta o psiquiatra.
Na linha de frente – Se por um lado as famílias precisam se readaptar ao distanciamento social, outras necessitam viver com a exposição em decorrência do exercício da profissão tida como essenciais. Neste conjunto, médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, serviços gerais, seguranças, jornalistas, profissionais que atuam em supermercados, farmácias e postos de combustíveis lutam para salvar vidas, proteger e manter a população informada. Mas, o pacote também inclui o medo de contrair a doença e acabar transmitindo aos que amam.
Neste sentido, o psiquiatra que também integra a Rede Hapvida em João Pessoa, Kecyus Cabral, explica que muitos trabalhadores estão vivenciando uma pressão de lidar com a situação. “É normal se sentir assim por causa do entorno da pandemia. O estresse e as sensações associadas com esse quadro não significam que a pessoa não seja capaz de fazer o seu trabalho ou que seja uma pessoa fraca. O gerenciamento da sua saúde mental e o bem-estar psicossocial durante este momento é crucial para que se possa manter a saúde física”, pondera.
O psiquiatra sugere que os profissionais que atuam na linha de frente precisam se cuidar mantendo hábitos saudáveis e se conectando com outras temáticas não relacionadas à pandemia. “Evitar formas errôneas de lidar com o estresse como o uso de tabaco, álcool ou outras drogas. Em longo prazo, eles pioram o bem-estar físico e mental”, orienta e acrescenta: “Caso o profissional avalie ser necessário manter o distanciamento dos familiares, é fazer e não se preocupar, mantendo o contato com entes queridos de forma virtual, é uma alternativa”, aconselha.
Crianças, jovens e idosos – O psiquiatra Manoel Galdino ressalta que tanto crianças como adolescentes são passíveis de uma desestabilização mais grave e mais precoce durante um confinamento devido a sua plasticidade e desenvolvimento cerebral. “É percebido que crianças desenvolvem sintomas ansiosos, principalmente, em ambiente mais conturbado e cheios de informações por parte dos adultos. Então é importante não deixar essa insegurança refletir para os filhos. Já os idosos, por ser grupo de risco, necessitam uma atenção especial para sintomas depressivos, já que são mais vulneráveis à solidão e baixa autoestima”, alerta.
Para além da morte – A pandemia tem gerado uma série de perdas aos indivíduos. Para além da perda de um ente querido, por exemplo, uma parcela da população perdeu o emprego; crianças e jovens o contato com amigos e nesse processo de distanciamento social a psicóloga do Hapvida em João Pessoa, Rafaella Machado, lembra que o sentimento de incerteza quanto ao futuro é um dos principais fatores que provocam adoecimento.
“Desta forma, é importante que a população de uma forma geral procure uma série de cuidados, a nível físico e emocional, que vai desde a busca por uma rotina, com planejamento de atividades, buscando focar no momento presente e viver um dia de cada vez, realizando atividades prazerosas e mantendo a comunicação com familiares e amigos, a busca por psicoterapia, também na modalidade online e evitar o bombardeio de notícias de conteúdos difíceis”, pondera.
Compartilhando das sugestões apontadas pela psicóloga Rafaella Machado, o psiquiatra Klecyus Cabral acrescenta que rumores, fake news e especulações geram muita ansiedade e orienta aos indivíduos não se conectarem todo o tempo com as notícias, pois a sensação de incerteza e as preocupações aumentam. “Procurar obter informações a partir de fontes confiáveis. Buscar alternativas que promovam bem-estar para se distrair e manter o equilíbrio. Enfim, criar um “ritual” de autocuidado e manter uma rotina bem estabelecida é fundamental, portanto, planejar o dia-a-dia e preparar-se para trabalhar em casa e aceitar o momento presente, mantendo corpo e mente em equilíbrio, caso precise, buscando apoio”, avalia.
Acima de tudo, o médico psiquiatra Klecyus Cabral sugere que o indivíduo faça um esforço de se concentrar no lado positivo. “Reconectar-se com amigos e familiares. Use-o como um período para refletir e crescer. É um tempo que irá passar. Use-o da melhor maneira possível”, orienta.