50 anos das tirinhas críticas e contestadoras de Mafalda

Ela detesta sopa, ama os Beatles e é descrita pelo semiólogo e escritor italiano Umberto Eco como uma “heroína enraivecida”. Numa época em que a América do Sul era tomada por ditaduras, ela foi a pequena contestadora. Cinquentona com uma carinha de menina, Mafalda celebra o aniversário nesta segunda-feira (29), quando sua tira foi publicada pela primeira vez no jornal argentino Primera Plana.

Criado por Joaquín Salvador Lavado Tejón, mais conhecido por Quino, a personagem ‘permaneceu’ no país mesmo depois do golpe militar que levou o cartunista platino a se exilar em Milão, na Itália, em 1976 (três anos depois de parar de produzir). Hoje é uma das figuras argentinas mais famosas do século 20, com direito a estátua em praça pública.

“A obra de Quino – como quadrinista e como cartunista – é um grito pela liberdade e contra o autoritarismo”, destaca Mauricio de Sousa. “Tudo envolto com desenhos e personagens altamente sugestivos”.

O criador da Turma da Mônica afirma que os posicionamentos políticos da contestadora garotinha não o inspiraram nas suas criações. “Tive pouco contato com Quino enquanto Mafalda varria o mundo. Posteriormente tive a satisfação de recebê-lo em meu estúdio por duas vezes. Veio ver como era nosso esquema de produção”, relembra.

Já para o quadrinista e editor independente Henrique Magalhães, a pequena filósofa foi tão crucial quanto os personagens de Henfil (1944-1988). “Assim que comecei a fazer Maria, a Mafalda foi minha referência”, conta. “Na época só tive acesso a edições em espanhol. Aprendi a língua por intermédio de Mafalda”.

Sempre viajando para a Argentina, o pesquisador Paulo Ramos, autor do livro Bienvenido – Um Passeio Pelos Quadrinhos Argentinos (Zarabatana Books), analisa que a personagem continua atual e com força na sua terra natal.
“Costumo dizer que Mafalda integra o imaginário cultural do país, assim como Gardel, Che Guevara, Evita Perón e outros. É difícil passear por Buenos Aires, por exemplo, e não se ‘deparar’ com ela em algum canto”.

Para Henrique Magalhães, mesmo atravessando décadas, Mafalda continua atual, pois o mundo ainda continua questionável. “Apesar de ter tiras que precisem de uma contextualização, Mafalda não é datada. Ela é universal”.

Quino, atualmente com 82 anos, decidiu acabar com a publicação das histórias em 25 de junho de 1973. “Acredito que o mais curioso seja o motivo de ele abandonar a personagem”, frisa Paulo Ramos. “Houve mais de uma versão. Todas, no entanto, convergem para um sentimento de redundância no trato com as tiras e seus temas. De todo modo, gosto de lembrar que a tira terminou no auge. Talvez esteja aí um dos segredos de sua longevidade”.

NAS LIVRARIAS
Para comemorar o cinquentenário, a Martins Fontes, detentora dos direitos da ‘Hermana’ no Brasil, está lançando a coleção A Pequena Filosofia da Mafalda, composta por quatro álbuns temáticos de 36 páginas cada. A editora promove também o relançamento de Toda Mafalda (442 páginas), coletânea que reúne da primeira à última tira da personagem.

“Dizer com precisão a importância de Mafalda para a América Latina exigiria, antes, saber sob qual ponto de vista se está analisando”, pondera Paulo Ramos. “Culturalmente, é um de seus mitos mais reconhecidos. Politicamente, significou um olhar crítico à situação argentina e mundial das décadas de 1960 e 70.

Editorialmente, é um fenômeno latino-americano, sendo sistematicamente publicada e reeditada. Sob o ângulo das história em quadrinhos, a personagem de Quino ajudou a tornar as tiras mais adultas e interessadas em elementos comportamentais”.

Colaboração Jornal da Paraíba