Um país chamado Princesa

“Nós somos pernambucanos”. Esta frase dita por um apaixonado pesquisador da cidade de Princesa Isabel, no Sertão da Paraíba, me impactou bastante. Inicialmente entendi como um choque necessário para se começar uma boa conversa sobre algo precioso e profundo. Eu estava certo. Mas, no breve convívio com o cidadão, compreendi o sentido do que foi dito. A rebeldia faz parte da história de Princesa. A relação com Pernambuco também é histórica. Naqueles tumultuados anos 30 os coronéis exportavam seus produtos pelo porto de Pernambuco. Aliás, causando enormes prejuízos à Paraíba. Se estivesse no território pernambucano, na mesma circunstância, certamente ele afirmaria ser paraibano. Portanto, não se trata de uma postura de repulsa, mas de contestação ao abandono. Parece que nunca mais Princesa desgrudou da pele a denominação de Território Livre. A história deixou uma tatuagem na memória da cidade. Nos dias de hoje, vejo reacender na alma princesense o espírito desafiador que impôs ao país a sua história.

Ao visitar os casarões daqueles tempos idos, a sensação que temos é que o município de Princesa Isabel viveu um sono profundo depois de tantos progressos, escaramuças e esquecimentos. Parece que o prefeito atual, Ricardo, juntamente com sua sua equipe, está disposto a redescobrir a ousadia enquanto patrimônio moral do povo da terra de Canhoto da Paraíba, Alcides Carneiro e do lendário Coronel Zé Pereira. Os casarões de Princesa Isabel, por sinal, identificam naturalmente o grau de desenvolvimento da cidade nos primeiros 30 anos do Século XX.  Uma estrutura feudalista e caudilhesca predominava nas estruturas sociais da época. O fato é que os acontecimentos em Princesa Isabel foram deixando marcas que resistem ao tempo. Mesmo excluídas na lembrança da maioria. Este é, provavelmente, o maior patrimônio de Princesa Isabel. A sua melhor estrada para retomar o merecido destaque no desenvolvimento econômico, social e político da região. Um despertar para a soberania diante de si mesma.

Em poucas palavras podemos dizer que a “Revolta de Princesa”, como ficou conhecida, ancorava-se num poderio bélico considerável. O Coronel Zé Pereira contava com um exército de cerca de 1.500 homens armados, sendo que alguns eram egressos do cangaço e desertores da própria polícia paraibana. Era bem mais do que a soma total dos batalhões da Polícia Militar da Paraíba naquela época. A cidade acumulava bravuras no enfrentamento ao bando de Lampião e à Coluna Prestes. Assim Princesa tornou-se território livre no dia 28 de fevereiro de 1930, com bandeira, hino e leis próprias. Um marco de rebeldia na história deste país. Com a morte de João Pessoa o Coronel Zé Pereira sentiu a sua revolução suficientemente sangrada de morte, penso eu. O resto já se sabe. O mito que se criou em torno do nome de João Pessoa e veio um esmagamento sobre a história de Princesa. Com mortes, torturas e a tradicional covardia dos vencedores.

Quando penso no silêncio que restou para esta cidade, penso também que a história nunca se cala. De alguma forma sempre há os resistentes. Agora, numa nova lógica. Com o desejo de desenvolvimento ancorado na própria história. Aos vencedores, parece que estrategicamente era preciso manter Princesa Isabel adormecida. A sua riqueza e seu o vigor político eram tão evidente que basta verificar algumas fotos da época que vamos encontrar os prédios ainda existentes, plenos de exuberância, ao lado de uma miséria praticamente generalizada no interior. Princesa, pois, foi jogada no abismo juntamente com as suas memórias. Mas, elas ainda pulsam forte em cada esquina.

Hoje tudo isso e muito mais é objeto de muitos estudos. Existe uma bibliografia generosa sobre a história de Princesa. Uma história mais que viva. As marcas dessas turbulências estão ainda pulsando nas vidas hoje existentes. Na realidade, vivemos todos a mercê da história. Ninguém escapa. Destituir o poder político e diminuir a importância de Princesa Isabel foi alvo de disputas políticas nos anos posteriores. Uma estratégia, aliás, que já causou um prejuízo enorme ao Estado. Princesa Isabel viveu durante décadas numa quase letargia diante de um poder econômico concentrado entre João Pessoa e, no máximo, Campina Grande. Perdemos todos com este isolamento. Naturalmente as relações com Pernambuco se tornaram naturais com a proximidade geográfica. Algo que devemos ver hoje com bastante otimismo. Afinal, a Paraíba precisa existir também para além das suas fronteiras.