Ainda sobre o lamentável episódio na UEPB Campus III envolvendo membros da Polícia Militar, estudantes e professores, vamos à origem do fato. Esta coluna se dedica hoje a reproduzir o depoimento da aluna Amanda Beserra que originalmente pichou o muro com a badalada frase do Hélio Oiticica, “Seja Marginal, Seja Herói” escrita em 1968 e interpretada de forma descontextualizada 49 anos depois, por um policial que deu voz de prisão à outra estudante que estava reconstituindo a frase apagada por ele. Inocentemente o policial julgou que fosse apologia ao crime. O mesmo policial também deu voz de prisão ao diretor do Campus que teria justificado a estudante. Tudo muito lamentável. Um clima tenso que foi resolvido no diálogo das instituições, mas poderia ser evitado também com diálogo. O depoimento de Amanda aqui transcrito e que é um grande desabafo, diz tudo. Mas, foi silenciado pela polêmica.

O episódio retrata bem o clima de ódio semeado na sociedade brasileira. Basta observar os comentários nas redes sociais e portais. Ódio puro. Preconceito e moralismo barato. Todavia, se a famosa frase de Oiticica não representa incitação ao crime e se o local estava liberado, nos resta refletir sobre as causas e consequências desse tipo de acontecimento que abriu um conflito desnecessário entre alunos e alunas militares contra professores e alunos civis daquela universidade. A quem serve esta situação? A resposta é uma foto que circula pelas redes sociais com alguns rapazes em posição de confronto, alguns deles membros da Polícia Militar, ostentando camiseta do pré-candidato à presidência, Bolsonaro. Aliás, aí sim está configurado o crime de realizar campanha eleitoral fora do período permitido pela Lei. O fato é que onde existem defensores de Bolsonaro, declaradamente fascista, o caos se instala. Enfim, vamos ao depoimento de Amanda Beserra nas redes sociais:

“Tem horas que a vida da gente parece uma ficção, no meu caso de baixo custo.

Um dia eu fui uma exposição e vi a obra com a célebre frase “Seja Marginal, Seja Herói”. Essa frase ficou ecoando na minha cabeça, e eu, como boa curiosa fui dar uma olhadinha mais a fundo sobre isso, resultado, fui contemplada. Eu me apaixonei pelo o que estava vendo, e então essa obra se tornou de grande significância pra mim.

Neste ano de 2017 houve o movimento de Ocupação do Campus lll, a qual eu tive o prazer de participar, pois ver a força e a resistência dentro da universidade para a melhoria de um ensino público me cativou, e durante aquele momento eu quis deixar algo de significância para um lugar que eu sentia que representava um pouco da obra de Oiticica e o que ela retratava pra mim. Nós, naquele movimento, éramos (e somos) todos marginais, aqueles que se encontravam a margem- no popular é todo mundo preto, puta, viado, sapatao e macumbeiro (sim, foi essa galera que conquistou melhorias) . Nadamos durante 33 dias contra a maré, para tentar garantir que nenhum teto mais caísse na cabeça dos alunos, até mesmo aqueles que nos criticaram- nos resistimos também por vocês.

Eu sempre soube que essa frase causaria um impacto, e era isso mesmo que eu queria. Eu queria que as pessoas olhassem pra aquela escrita, assim como o “Liberdade para Rafael Braga” e pensassem um pouco sobre aquilo tudo, e principalmente sobre o genocídio do meu povo negro, das minhas irmãs e irmãos. Crítica a gente recebe sempre, é normal e hater tem em todo lugar, inclusive adoro, mas eu nunca imaginei que eu seria silenciada desta forma. Imagina só, você ta na sua casa se arrumando pra subir pra universidade e vê a notícia de que tá rolando uma treta com polícia por causa de uma intervenção cultural, eu logo pensei “esse simpósio de gênero tá do caralho mesmo”, e quando você vê a porra toda é por conta de um infeliz que apagou o meu pixo, que Liliane fez refez mais três vezes, e nisso foi pega (obrigada, de certo modo). Porra velho, foi aquela sensação de ver algo que tu gosta muito sendo estragado, eu fiquei emputecida com a ação do indivíduo e eu me expressei novamente no local, para reafirmar o espaço que por nós foi conquistado.
Mas tudo isso não é nem o que mais me deixa indignada (e me entristece), a grande questão é porque essas pessoas não olham pra isso e se perguntam o “porque” de tudo aquilo. Por que foi ocupado? Por que foi escrito o que foi escrito nas paredes? Porque em pleno século XXI é preciso haver eventos para conscientização sobre gênero e sexualidade? Por que? Será que não passa na cabeça dessas pessoas que existem motivos, que quando nos falamos sobre resistência estamos literalmente falando em resistir.

Parece que ao tocar nesses assuntos, ao balançar um pouquinho dessa Matrix ilusória sustentada por esse eurocentrismo patriarcal, ao tentar dar um baile no status quo e quebrar a caixinha da mente das pessoas, elas surtam. Simplesmente surtam e querem partir pra meios como a repressão e a agressão. Eu não sei bem como essas pessoas conseguem se enganar tanto e aceitar de tão bom grado essa venda sobre seus olhos. Aceitar o discurso de ódio, a humilhação de outras pessoas, aceitar que o outro é inferior a você por gênero/raça/cor. As vezes eu penso que isso só pode ser ficção, uma distopia, talvez. Porque NÃO É POSSÍVEL, não entra na minha cabeça que as pessoas possam ser assim.

Em meio a tudo isso, cada vez mais eu entendo que ser marginal é ser herói, apenas por existir e resistir- porque se tem uma coisa em que todo esse rebuliço vem sendo bom é em ver as pessoas se unindo na resistência- como tal. E é nessa parcela da população que eu encontro a minha fé na humanidade, é onde eu me empondero. Como aprendi com Glória Groveer que em uma entrevista disse algo como “quando você se empondera de tudo aquilo que eles usam pra te julgar, nada mais pode te derrubar”, eu assumo SOU MARGINAL MESMO e foda-se, a grande raiva de vocês é que eu não me sujeitei, e nem vou, sou herdeira de Dandara e como tal, resisto a essa realidade infame.

Obs: Esse texto ficou todo confuso, mas é assim como me sinto em relação a tudo isso.

Obs2: Gostaria de parabenizar publicamente a galera do Coletivo Violeta Formiga pelo ll Simpósio de Gênero, Sexualidade e Educação. Foi de um aprendizado imenso, vocês ahazzaram em tudo, principalmente na polêmica.”

Segurança pública hoje é um desafio enorme não apenas das polícias, mas da sociedade. A morte de policiais em combate ao crime é uma triste realidade. A matança generalizada de jovens negros é outra triste realidade. Não nos enganemos. Esse tipo de confronto favorece apenas certos interesses políticos e ao crime organizado – que fica de folga, apenas observando e se divertindo. No mais, é obrigação das universidades debater as questões do nosso tempo. Inclusive a violência. Inclusive os preconceitos de todo tipo que estão na base da violência. O principal deles é o preconceito de classe. É o que coloca policiais pobres e negros no combate aos estudantes pobres e negros. As instituições fizeram o que tem que ser feito em casos semelhantes. O Coronel Euler Chaves e o Reitor Rangel Junior demonstraram maturidade e bom senso. Sentaram e estabeleceram um pacto de normalidade institucional. Sensatez é sempre o melhor caminho.  Mas, esperamos que o episódio sirva de lição. A agressão gera reação. A supressão de direitos gera indignação. Estamos vivendo um momento de crise institucional generalizada. Que as instituições envolvidas neste episódio mantenham o comando da situação, para que não se instale o caos. Simpatizantes de candidatura A ou B, não são a PM. O fato é que onde existe defensor de Bolsonaro, tem conflito. O que nos faz acreditar que a paz institucional estabelecida precisa ser vigiada. Caso contrário, teremos o caos estabelecido. E a quem interessa o caos?