Há setores da sociedade que contribuem direta ou e indiretamente para o agravamento da crise econômica que nos levou ao fundo do poço da falta de emprego, da inflação que rói os salários e da depressão pura e simples.

O parágrafo acima repete o que poderia ter sido escrito por um cronista do Rio de Janeiro sobre a crise da época e o que representou o fatídico baile da Ilha Fiscal em novembro de 1889. Na então capital do Império, informa aos mais jovens, Pedro II estourou a boca do cofre da nação em crise oferecendo uma festança. O imperador, é possível obter da leitura dos registros testemunhais da época, antecipou em exibicionismo o ex-governador Sérgio Cabral.

“Baile da Ilha Fiscal”, de Francisco Figueiredo

Para ostentar um poder que estava se esvaindo em meio aos gritos irados de republicanos ultraconservadores, Pedro II distribuiu 14 mil sorvetes na festa, iguaria caríssima e para poucos modernos e alguns modernosos, entre os quais estavam os barões do café. Eles exigiam maior participação nas tomadas de decisão do império. Ainda não havia a Odebrecht.

A economia de então se adaptava com muita dificuldade ao fim do trabalho escravo, crime contra a história da liberdade como aspiração máxima do indivíduo autoconsciente na modernidade. O modernismo conservador, do tipo PSDB e PMDB, constituía um novo ciclo com a revolução industrial.

A frase sobre quem contribui para a crise se encaixaria muito bem no Brasil em transe de 1929 às vésperas da tempestade revolucionária de 1930, na conjuntura que se repetiu em 1945 com a queda do Estado Novo, em 1961 e em 1963… Crise aguda agravada por setores que poderiam contribuir para a redução, mas nada fazem, melhor dizendo, fazem justamente o contrário.

Em 1929, políticos queriam o fim da hegemonia Minas Gerais e São Paulo no comando do país…
… e em 1930, Getúlio Vargas e os revolucionários acabaram com a política do Café com Leite, e, tomaram o poder…
… e em 1945, o Brasil se divide de novo. Uns pediam a queda da ditadura Vargas, pediam renúncia deste…
… outros queriam a permanência do presidente, chamado à época de “pai dos trabalhadores”, por ter “criado” a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). É o fim do Estado Novo…
… em 1961, com apenas sete meses de mandato, Jânio Quadros renuncia a presidência. Quem assume é o vice, João Goulart (Jango)…
… porém, nem todos ficaram satisfeitos, principalmente os militares. Para evitar um outro golpe, foi instituído o regime parlamentarista no Brasil. Ou seja: Jango não tinha acesso a todos os poderes de um presidente. Tancredo Neves foi um dos três primeiro-ministros desta época…
… ainda assim, a resistência a Goulart era grande…
… mas em 1963, a população votou pelo retorno do regime presidencialista em um plebiscito. Com isto, Jango assume o poder.

Entre eles, destacaria o Estado através dos três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário. A propósito da crise, este ano, 2017, é de se lamentar: o Governo Federal reservou em seu orçamento a quantia de R$ 879,6 milhões exclusivamente para pagamento de auxílio moradia dos servidores dos três Poderes.

O engraçado, não, perdão, o mico é que esse pagamento, de quase R$ 1 bilhão, geralmente acontece para equipes remuneradas com dignidade, e que residem nas cidades há anos.

A semana começa com essa agenda permanente sobre prerrogativas e privilégios nas carreiras públicas que merecem a atenção da sociedade pela importância que têm. Fato de menor gravidade, no entanto, quanto a prejudicar a qualidade da prática cidadã na América Latina, do que o “distritão” eleitoral aprovado por comissão da Câmara, semana passada.

É justo que isso aconteça num contexto em que direitos sociais de trabalhadores “comuns” estão sendo depredados em nome da estabilidade econômica? Alguma coisa precisa ser feita contra esse, literalmente, estado de coisas negativas.

Para quem pode

Esta nota eu recortei do blog de Lúcio Vaz, na Gazeta do Povo: “Magistrados federais e estaduais recebem auxílio- moradia no valor de R$ 4,3 mil – o equivalente a quatro salários mínimos e meio – mesmo muitos deles sendo proprietários de residência própria. Pode parecer pouco para quem recebe salário em torno de R$ 30 mil, mas o valor previsto no Orçamento da União deste ano para custear a moradia de juízes federais, do trabalho, do Distrito Federal e da Justiça Militar é de R$ 307 milhões. Como procuradores também recebem o benefício, o custo anual ficará em R$ 437 milhões”. Ninguém quer magistrados ganhando pouco. Só que renunciem ao auxílio-moradia.

Nota de repúdio

A Associação dos Homens da Mala do Brasil (AHMB) divulgou “Nota de repúdio” a sentença do juiz Renato Borelli, do Distrito Federal, determinando a devolução, pelo ex-deputado Rocha Loures, dos recursos públicos por ele recebidos (R$ 33 mil por mês) mesmo depois de afastado das funções no Congresso.

Os advogados de Rocha Loures se articularam com a Associação. A entidade lavrou nota de protesto definida pelo comentarista da CBN Arnaldo Jabor como “de largo espectro civilizatório”. O ministro Alexandre Moraes, do STF, tuitou que a nota “deixa as coisas em pratos e cofres públicos limpos”. Exortando o “respeito por parte do Judiciário aos direitos de um perseguido político pela operação Lava Jato golpista”, a AHMB caracteriza a sentença como “o agravamento da insegurança jurídica contra direitos conquistados nas urnas e uma retaliação”. Entrevistado sobre a crise entre o Legislativo e o Judiciário, o porta-voz do Planalto Alexandre Parola disse a frase tida como um enigma por analistas do The Wall Street Journal: “Tem que manter isso aí, viu?”.

Reproduzido do jornal A União, edição de 13 de agosto de 2017