Paraíba é pioneira e referência em destinação adequada de resíduos sólidos

Duas iniciativas, uma pioneira no mundo e outra de referência no Nordeste, e um objetivo em comum: destinação adequada aos resíduos sólidos. Em Campina Grande, um inventor amador desenvolveu a Usina Beneficiadora de Resíduos Sólidos (UBRS), que transforma lixo urbano em brita sintética. O produto é mais resistente, leve e será comercializado até 50% mais barato que a brita natural.  No Conde, uma empresa é responsável pela coleta e destinação de lixo eletrônico na Paraíba e de outros estados nordestinos. Este lixo, que antes era inútil, é comercializado para empresas do setor industrial de Pernambuco, Rio Grande do Norte, São Paulo e até Itália.

Há nove meses, a UBRS, criada por um estudioso e empresário campinense Romero Leite, 36, e desenvolvida em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) de Campina Grande, usa sacolas plásticas, garrafas pets, pneus, madeiras descartadas pela população, extraem o carbono e transformam em brita sintética. Testada em vários laboratórios, ela é sete vezes mais resistente que a natural e mais leve. Uma atividade pioneira no mundo.

“Os testes apontaram que a brita que produzimos é mais resistente, e por incrível que pareça, mais leve. É tão resistente que fizemos testes dando tiros nela, e não perfura. O pessoal está pensando em usar esse material para blindagem de automóveis. A cerâmica que blinda o carro é muito pesada e por isso consome muito combustível e a gente está pensando em aplicar esse material na indústria automotiva”, revelou.

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A brita produzida pela UBRS é até 7 vezes mais resistente que a natural. (Foto: Cláudio Góes)

 

Desde a infância que Romero se viu encantado pela química e com o passar dos anos, estudou várias áreas não apenas da química, mas também da física e biologia. Não, ele não é nenhum doutor ou mestre. Dispensou os títulos formais e mesmo autodidata, descobriu que o lixo tinha compostos químicos que poderiam se tornar muito mais útil e economicamente viável. Dedicou 17 anos de sua vida para desenvolver um mecanismo que pudesse aliviar o acúmulo de resíduos sólidos dos aterros sanitários e de sua consciência.

“Pra falar a verdade, eu sou um homem de engenharia, que tenho muito conhecimento, mas ajudei a destruir muito o meio ambiente para poder extrair material dele. Isso acontece quando se colocam explosivos ou se usam perfuratrizes para extrair minerais, ou uma logística que degrada o meio ambiente. Eu vi uma oportunidade no lixo de tentar amenizar a situação. Nosso meio ambiente tem sofrido demais com a ação humana. Uma forma que encontrei para me redimir”, afirmou Romero.

A ideia de transformar resíduo sólido em brita veio de sua observação quanto ao que já estava sendo usado no piche, substância usada para pavimentação, e viu que havia algo errado. “Há um tempo que já estavam usando no piche, polímeros, como restos de pneus, mas aí se percebeu que esse material não suportava muito tempo e se tornou uma dor de cabeça, além de poluir. Pensei fazer um agregado que é a brita sintética, que comparado à brita retirada do meio ambiente, que é um insumo mineral, não degrada o meio ambiente”, explicou.

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Tecnologia extrai o carbono de garrafas pets, pneus, madeiras e sacolas plásticas, sem causar danos ao meio ambiente. (Foto: Cláudio Góes)

 

Romero usou os preceitos da engenharia reversa, que é o processo de descobrir os princípios de cada material, para poder fazer do lixo, brita resistente. “Peguei o que é carbono e moléculas que são baseadas nele, fazendo uma inversão dela e subtraindo o carbono da matéria e uso com um reagente químico para a formulação da brita. Esse carbono apresenta muita estabilidade e ligação com os outros elementos. Depois disso, restam outros elementos, como silício, que está muito presente no vidro e encontramos em demasia nos aterros sanitários, com potes de maionese, copos, garrafas de cerveja, descartados pela população. A gente mexe com a matéria, mas não desprendemos da energia e quando isso acontece, não desprende radioatividade”, disse.

De acordo com a Autarquia Municipal Especial de Limpeza Urbana (Emlur), apenas em João Pessoa, 430 toneladas de lixo urbano são coletados por ano, mas apenas 2% são destinados à reciclagem, através da Coleta Seletiva. De acordo com Romero, essa porcentagem também reflete a sobrecarga dos aterros sanitários não apenas da Paraíba, mas de todo o país. Algo que seu invento pretende amenizar. “Nosso país recicla em torno de 1% a 2% por ano do lixo produzido pela população. Mas a nossa proposta é de reduzir, transformar, não reciclar, entre 70% a 80% da matéria descartada no aterro sanitário”.

“É coisa inédita, revolucionária, porque a gente gasta esse material e o resíduo, se gerar, não é do material que usamos, mas dos outros elementos que não entram, como metais, ferro, cobre, alumínio e restos de bateria de celular. Esses não entram na composição porque não são lixo urbano e sim lixo industrial. O pneu tem um pouco de metal e nós não aproveitamos. Da nossa tecnologia, esse seria o rejeito. Mas isso representa 0,80% de todo o material utilizado”, explicou Romero.

 

Atuação do Senai

 

A UBRS funciona em fase experimental no Senai e seu lançamento será em março deste ano. Mas para que essa nova tecnologia fosse possível, foi preciso que alguém acreditasse nela e que realmente quisesse cooperar para seu desenvolvimento. “Nossa tecnologia é inédita e pioneira no mundo. O mar está cheio de pneus, porque o ser humano ainda não soube lidar com esses materiais que são altamente resistentes à oxidação do meio ambiente. A UBRS traz a solução para isso. O Senai não só me deu espaço, me deu suporte de execução, mão de obra, suporte de pessoal técnico, como engenheiros ambiental, civil e mecânico, ou seja, me forneceu o suporte necessário para execução e construção do equipamento”, declarou.

De acordo com o engenheiro e gerente de Tecnologia do Centro de Inovação e Tecnologia Industrial (CITI) do Senai/PB, Wagner Porto, a instituição apostou no projeto porque viu que a ação era inovadora, única e garante que a empresa responsável passará de um a dois anos encubada no local  enquanto sua estrutura não fica pronta. Mas esse tempo será revertido em ensino técnico para a comunidade, como a aplicação da brita sintética na pavimentação asfáltica de uma parte do Senai, com resíduos sólidos que os alunos doarão à Usina

“O período que a Mundial TECH permanecer no Senai será para desenvolver novas pesquisas para outros segmentos. Vamos seguir dois caminhos: usar o carbono para fortalecer o cimento e ver se há a possibilidade de ter mais resistência; e aplicar a tecnologia para o setor automotivo, para a blindagem de veículos. Aliada à essas pesquisas, vamos promover a integração dos alunos nesse processo, na parte do ensino de como lidar com resíduos sólidos e treinamento dessa nova tecnologia”, explicou Wagner.

 

Contratos e geração de emprego

 

Apenas em março que a empresa começará a atender a demanda do mercado. De acordo com Romero, todos os dias pessoas de vários estados e até de outros países entram em contato para conhecer a nova tecnologia. Até o momento, seis contratos estão em análise. “Na semana passada, tivemos três pedidos de máquinas para o Ceará, uma pro Acre e estamos fechando negócio com as prefeituras de Queimadas e Campina Grande. A comercialização das máquinas já começou”, afirmou.

Romero explica que nesse primeiro momento, a empresa vai comercializar a brita sintética, mas que o objetivo é vender a tecnologia. Por enquanto, anda avalia quanto que cada máquina irá custar, mas garante que será uma tecnologia cara, pois “não existe outra tecnologia igual a esta”.

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Romero Leite, criador da UBRS, em Campina Grande: inovação pioneira no mundo. (Foto: Cláudio Góes)

 

 

“Por enquanto, prefiro falar sobre o produto. Eu conheço a logística da brita natural e ela está num preço de R$ 90 a R$110 reais o metro cúbico no mercado. A brita sintética não precisa desse preço todo, porque nós estamos lidando com lixo. A priori, a brita sintética vai custar em torno de R$ 55 a R$70. Mas estamos ainda especulando o preço, porque queremos que fique mais barato para o consumidor”, justificou.

Muitos empregos serão gerados a partir dessa tecnologia. Somente nessa fase experimental, a empresa de Romero contratou 30 funcionários e até março, prevê mais 80 contratações. “Surge uma nova indústria. Vão se abrir mais cooperativas, ter novos profissionais na área de elétrica, mecânica, laboratório, químico, físico, engenheiro sanitário. Cada aterro sanitário que trabalhar com essa nova tecnologia vai precisar de uma equipe especializada para manutenção do equipamento e produção do material. Numa cidade de seis mil habitantes, vai precisar de uns 30 a 40 funcionários”, declarou.

Nesse primeiro ano, as contratações deverão seguiras normas do acordo feito entre Romero e Fiep. As vagas estarão disponíveis para as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social. “Como pessoas que querem largar os vícios ou aqueles que saem do presídio sem nenhuma perspectiva de vida. Nós iremos treinar e capacitar essas pessoas, dando uma nova perspectiva de vida. É uma proposta que está em comum acordo com a FIEP, porque o contrato que nós temos com o Senai  tem essa finalidade, que é dar oportunidade para quem realmente estiver precisando. A gente não quer somente empregar para que selecionem o lixo, queremos também profissionalizar nas áreas de mecânica, elétrica, química, laboratório”, explicou.

 

Lixo eletrônico também tem destinação na Paraíba

 

Ao chegar no Brasil, há oito anos, a italiana Karine Moretton teve um choque de realidade. Percebeu que boa parte dos costumes apreendidos em sua terra natal são bem distintos da realidade brasileira. Ela gostou da alegria contagiante do país tropical, mas ainda há algo que a incomoda. “O lixo. Quando cheguei e vi que é comum em escritórios, shoppings, e outros locais ter apenas um cesto de lixo e que nele a gente tem que jogar todo tipo de resíduo, pensei ‘mas é possível mesmo aqui?’. Lá na Itália, em todas as residências, o lixo deve ser separado em sacolas diferentes. Se misturar, é multado”, declarou.

Ao ver esse panorama, resolveu ser sócia do paulista Flávio Costa, e vieram à Paraíba para por em funcionamento uma empresa especializada na coleta e destinação de lixo eletrônico. A empresa funciona há cinco anos e até pouco tempo atrás era a única no Nordeste que trabalhava com esse tipo de resíduo.

De acordo com Flávio, são coletadas 20 toneladas de lixo eletrônico por mês, sendo sete toneladas coletadas em Pernambuco e cinco, pela Emlur, em João Pessoa.  Para viabilizar a coleta, a empresa possui 15 pontos na capital e um em Campina Grande. Além da parceria com a Emlur, a empresa também tem pontos de coleta no Tribunal de Justiça da Paraíba e na Codata, localizada no Centro Administrativo Estadual, em Jaguaribe.

Das 20 toneladas coletadas, 50% são equipamentos de informática, 49% são eletroeletrônicos e apenas 1% são celulares ou baterias. “As pessoas não tem o costume de descartar do celular tão facilmente. Em toda casa, sempre tem um aparelho quebrado guardado. Tudo é uma questão de educação das pessoas. A partir do momento que elas aprenderem como separar, ver o que será útil para si ou não, ela vai dar a destinação correta do lixo”, afirmou Flávio.

Após a coleta, é feita a separação dos materiais, entre plástico (30%), metal (30%), vidro (20%), entre outros, que são vendidos para a indústria. “O que mais vendemos aqui são os pentes de memória, plástico e metais. Nosso principal comprador de pentes de memória são empresas italianas. No Brasil, indústrias de Pernambuco, Rio Grande do Norte e São Paulo, também são nossos clientes. Ou seja: o que era lixo, volta para as fábricas para ser novamente usado”, explicou.