Opinião: Colunista fala sobre as ‘cores fortes’ do consagrado diretor espanhol Pedro Almodovar

Entre os cineastas contemporâneos que conseguiram imprimir uma identidade visual e narrativa aos seus trabalhos, um nome se destaca e salta aos olhos: Pedro Almodóvar. Espanhol nascido no povoado de Calzada de Calatrava, tendo depois mudado para Madrid, capital da Espanha, iniciou sua carreira com filmes independentes, de baixíssimo orçamento e com temáticas marginais.

A irreverência, um “Q” de nonsense intencional, o erotismo estilizado, as personagens desajustadas, fatos inusitados, a irreverência, o drama rasgado e as cores, sim, as cores de Almodóvar já estavam presentes nesse período em obras como Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão (1980), Labirinto de Paixões (1982), Maus Hábitos (1983), O Que Fiz eu Para Merecer Isto? (1984), Matador (1986) e A Lei do Desejo (1987).

A consagração viria em com o lançamento de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988) comédia deliciosa, com situações inusitadas, várias referências culturais ao cinema da Era de Ouro de Hollywood e com a marca cinematográfica do diretor bem delimitada. Esse filme projetou Almodóvar nacionalmente, já que antes ele era conhecido apenas no circuito alternativo do cinema espanhol, e internacionalmente, sendo indicado ao Oscar 1989 de melhor filme estrangeiro. O estilo e as cores de Almodóvar ganhavam o mundo.

Na década de 90 viriam outros filmes icônicos, que consolidaram o prestígio de Almodóvar, transformando-o no mais proeminente cineasta da Espanha e um dos mais aclamados mundialmente. Filmes dessa fase como Ata-me (1990), De Salto Alto (1991), A Flor do Meu Segredo (1995) foram obras marcantes. Mas o destaque desse período vai para Carne Trêmula (1997), baseado no best seller homônimo de Ruth Rendel, que aborda o desejo, o amor e suas implicações com um romantismo gráfico primorosamente construído pela estética e direção singular do realizador espanhol.

Em 1999 é lançado o filme que é considerado sua maior obra-prima, Tudo Sobre Minha Mãe. Um drama sobre perda, reencontro com o passado e que tem como pano de fundo do enredo a obra-ícone do teatro e do cinema Um Bonde Chamado Desejo. O título da película é uma referência ao filme clássico All About Eve, estrelado por Beth Davis, e que em tradução literal seria Tudo Sobe Eva, mas que assim como na versão para o Brasil, também foi modificado na Espanha. Venceu o Oscar 2000 de melhor filme estrangeiro, dando o primeiro Oscar para Almodóvar.

O enredo de Tudo Sobre Minha Mãe gira em torno de uma mãe que busca o pai de seu filho adolescente, morto de forma trágica, e cujo pai em questão jamais conhecera. A mãe é interpretada pela atriz argentina Cecília Roth, uma das musas de Almodóvar, que dá vida a personagem com uma entrega comovente. A Barcelona underground, o universo tumultuado dos bastidores do meio artístico, a irreverência e transgressão da norma representadas pela travesti Agrado, que protagoniza um dos momentos mais simbólicos do filme, a atmosfera de drama estilizado, intenso e rasgado, de cores fortes, compõem o quadro narrativo típico da linguagem almodovariana.

Em 2002, outro filme marcante que representa o auge da maturidade artística de Almodóvar: Fale Com Ela. Nesse trabalho de construção narrativa primorosa, os afetos e as formas de comunicação entre as pessoas são o tema central. Com um roteiro de sacadas geniais, como a cena do conto erótico surrealista – que teria deixado Luis Buñel em êxtase – performances excepcionais do elenco, a produção foi mundialmente aclamada e deu a Almodóvar seu segundo Oscar, dessa vez de roteiro-original, na cerimônia de 2003 do prêmio.

Vale destacar ainda dois títulos mais recentes, Volver (2006), sobre retorno aos origens e enfretamento de fantasmas do passado, que traz uma cena antológica, em que Penélope canta a canção-título do filme, e A Pele Que Habito (2011), primeiro suspense de Almodóvar e que marca o retorno de sua parceria com o ator Antonio Banderas, projetado no circuito internacional de cinema através dos filmes do diretor.

Com um cinema autoral, tendo conseguido uma marca única, um estilo próprio e inconfundível, Pedro Almodóvar se firma como um dos maiores ícones da cinematografia em todo o mundo. Seu recorte dramático, seu olhar exclusivo, aguçado e sensível, sua energia criativa estão sempre surpreendendo, embora haja alguns “desvios de percurso” eventuais. As cores vivas e pulsantes do mais famoso cineasta espanhol seguem como um farol artístico multicolorido que ilumina e injeta frescor e criatividade a Sétima Arte.