Mídia nacional repercute projeto criado em JP por ex-gari para tirar jovens do tráfico

Ex-gari cria projeto musical com a PM em JP para tirar jovens do tráficoA ex-gari Lauricéa Rodrigues e o marido, José Rodrigues, abriram a garagem de sua casa há seis anos para dar aulas de música a crianças e adolescentes carentes no bairro de Mandacaru, na zona norte de João Pessoa. “Nada foi fácil” lembra Lauricéa, idealizadora do projeto “Uma Nota Musical que Salva”, em parceria com a Polícia Militar. “Era muita violência. Muitos meninos perdidos

A iniciativa partiu da experiência de ver que não era suficiente distribuir um sopão todas as sextas-feiras, ação social feita a partir de doações de alimentos e que contava com ajuda de mulheres da comunidade.

Entre elas, perder os filhos para o tráfico havia se tornado cena comum. Como conta Lauricéa, era preciso ir além. A sopa podia até matar a fome, mas não cessava a dor das mães.

“Eu não queria passar a vida arranjando flores para colocar no caixão dos meninos, queria fazer alguma coisa para mudar essa realidade”, diz.

“Diziam que os meninos iam me roubar”
A dor do luto foi conhecida por Lauricéa bem de perto e por três vezes seguidas: José, Rafael e Walter, seus três sobrinhos, todos assassinados.

Decidiu então improvisar uma sala de aula na garagem da casa alugada na comunidade.


Primeiro vieram as críticas. “Alguns me diziam que os meninos iam quebrar minhas coisas, iam me roubar, mas eu pensava diferente. Aqueles jovens só queriam alguém que olhasse para eles com um pouco de esperança”, afirma.

Ela e o marido começaram a convidar os meninos locais para as aulas. Rubem trouxe Carlos Eduardo. Aí vieram também Giovanni, João Paulo e João Pedro. As crianças foram chegando.

“Ao final do dia, tinha 20, aquilo encheu meu coração de alegria. Faltava dinheiro, é verdade, mas não faltava esperança”, diz Lauricéa.

Com o marido desempregado e ela recebendo apenas um salário mínimo, as dificuldades eram muitas. A casa era alugada. De lanche, só havia bolacha.

Mas o que Lauricéa não tinha condições de comprar, dava um jeito. Organizou uma rifa para sortear dois kits de cosméticos e uma cesta básica –vindos de doações. Com o dinheiro, conseguiu comprar os sete primeiros violões.

Nessa época, ganhou o apoio da Polícia Militar. A imagem de policiais fardados passou a representar a paz em Mandacaru.

Embora não recebessem certificados, as crianças mostravam uma evolução musical. Logo foram chamados para apresentações em fábricas e escolas de João Pessoa.

Contudo, por diversas vezes, também tiveram de enfrentar um tratamento preconceituoso: “Ah, são as crianças daquela favela? Cantam bem”.

Alguns alunos não tinham nada para calçar, e a apresentação se dava com os pés no chão.

Em 2014, a Secretaria de Segurança e Defesa Social da Paraíba fez a doação de tecidos para o fardamento e a PM doou os sapatos.

Depois disso, a cada apresentação o projeto recebia um novo instrumento musical. E assim vieram violinos, flautas, mais violões.

Iniciado em 2011, o projeto trava uma batalha dura contra o tráfico, que tenta, a cada dia, recrutar crianças e adolescentes prometendo o que eles não têm em casa.

“O tráfico é o sapato que a criança não tem, o refrigerante que ela não toma, o pastel que ela não come. É uma luta desigual, mas nós temos sido firmes”, afirma Lauricéa.

Há três anos, ela ganhou uma casa da prefeitura, no bairro Colinas do Sul, na zona sul, por meio do cadastro de moradias sociais, mas preferiu ficar em Mandacaru, mesmo pagando aluguel, para não abandonar os jovens.

“Eu não poderia ir embora e deixá-los. Meu compromisso com eles é muito maior. Minha maior felicidade é ver um ex-aluno trabalhando de carteira assinada, como um cidadão de bem”, afirma.

Hoje o projeto tem 20 alunos, com idades entre 4 e 17 anos, e atua em dois outros bairros de João Pessoa (Estados e Ipês).

As dificuldades ainda existem. “O projeto já esteve melhor financeiramente. Já tivemos mais incentivos”, afirma.

Há cinco anos, muitos alunos foram recrutados para o Projeto de Inclusão Social através da Música e das Artes (Prima), desenvolvido pela Secretaria de Cultura da Paraíba nos mesmos moldes.

A iniciativa também já contou com mais professores. Já foram 11, hoje são quatro voluntários. Um deles é o subtenente Edilson Alves, que ministra aulas de iniciação musical e instrumentação de sopro. “O projeto é, acima de tudo, prevenção primária, uma vez que essas crianças moram em uma área de risco e são muito vulneráveis à sedução de traficantes”, destaca o oficial.

“Todo o nosso trabalho é para que elas possam ter uma oportunidade, para que possam ser competitivas no mercado de trabalho”, frisou. “Trabalhamos no intuito de formarmos, pelo menos, uma filarmônica. Parece um sonho distante, mas é o nosso sonho. Não vamos cruzar os braços.”

O bairro de Mandacaru, no início de 2011, era, ao lado de Alto do Céu, um dos mais violentos de João Pessoa, segundo a Secretaria da Segurança e da Defesa Social.

Nesse ano, por exemplo, além dos homicídios, a população teve de conviver com a ameaça constante de traficantes, que chegavam a expulsar moradores de suas casas e a impedir profissionais de postos de saúde de trabalhar.

Na mesma época, moradores de comunidades como Porto de João Tota, Beira Molhada, Cinco Bocas e Baixada enfrentavam “toque de recolher” imposto pelos traficantes. Adolescentes integravam os grupos que praticavam crimes na localidade.

O bairro, atualmente, apresenta melhora. Em 2011, contabilizava 45 assassinatos por ano. Cinco anos depois, o número caiu para 23, uma redução de quase 50%.

Otimizando ações

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Polícia Militar da Paraíba afirma que atua de forma preventiva e repressivamente no combate ao tráfico de drogas na região e afirma que a proximidade com integrantes da comunidade local ajuda a otimizar as ações da polícia contra esse tipo de crime.

Na avaliação da polícia, um projeto social como o “Uma Nota Musical que Salva” é um mecanismo que possibilita a inclusão social de crianças e adolescentes, colaborando, assim, para o afastamento dos jovens das drogas e da violência.

A PM também destaca o Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência (Proerd), que atua em escolas do bairro onde policiais militares ministram aulas e palestras que conscientizam as crianças sobre o perigo das drogas.

Segundo a PM, em outubro de 2011 foi implantada a Unidade de Polícia Solidária (UPS) do bairro, a segunda das 25 existentes do Estado. O objetivo é otimizar ações policiais na área através da proximidade e colaboração entre policiais e moradores, “o que tem resultado em uma maior confiabilidade dos integrantes da comunidade local com a Polícia Militar”.

Os crimes cometidos em Mandacaru nos últimos anos contribuíram para colocar João Pessoa em destaque em levantamentos sobre homicídios. No “Mapa da Violência 2016”, que compila mortes por arma de fogo referentes a 2014, João Pessoa ocupa a quarta posição entre as capitais. Dez anos antes, estava no décimo lugar. Já “Atlas da Violência 2017”, publicado na segunda-feira (5), registra que, durante 2015, 828 jovens com idades entre 15 e 19 anos foram assassinados no Estado.

Do Uol
Fotos: Assuero Lima