Marchas da direita e da esquerda ilustram perfil político da sociedade brasileira

Por Walter Galvão, do Jornal A União

Em meio à crise de agora que estremece convicções democráticas e abala a confiança numa estabilidade política futura há um Brasil em transe que precisa avançar contra problemas sociais ainda não superados. Entre esses, está o da desigualdade.

O Brasil permanece entre os países mais desiguais do mundo. Ainda não foi possível superar o abismo entre os estratos sociais de maior e de menor renda. Isso significa concentração de bens e de serviços essenciais. Há favorecimento de uma minoria em detrimento da maioria necessitada. Tais assimetrias estruturais comprometem a transformação positiva da base produtiva e a consequente expansão da inserção social e da distribuição de riquezas.

Relatório do ano passado da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) indicou o Brasil como “o país que apresentou(desde os anos 1980) sinais promissores de redução das desigualdades sociais, juntamente com Peru, México, Argentina e Chile”. Mas “mesmo com a melhora, o Brasil é mais desigual em relação aos estados-membros da OCDE, que têm média de 0,32” de coeficiente de Gini – índice usado para medir a desigualdade de renda de uma nação – enquanto o nosso é de 0,56, informou a Agência Brasil, do Governo Federal.Quanto mais perto de zero menor é a desigualdade.

Ainda o informe da Agência: “Na comparação com outros países latino-americanos, o Brasil é mais desigual que Chile, Argentina, Peru e México. No grupo do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o Brasil tem o segundo maior Gini, atrás apenas da África do Sul (0,67)”.

A chegada do PT ao poder fez avançar um processo de distribuição de renda que combateu eficazmente a desigualdade, sem obter, no entanto, resultados capazes de operar mudanças efetivas em longo prazo.

Estudo do economista Rafael Simas Zylberberg elucida parte do problema. Ele utilizou “uma Matriz de Contabilidade Social inter-regional para simular as transferências do programa Bolsa Família e estimar seus possíveis efeitos sobre a economia, de forma a observar o seu impacto sobre a distribuição da renda”. Com base na realidade de 2008, o estudo, originariamente apresentado como dissertação de mestrado à Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo (USP), conclui que programas como o Bolsa Família “podem resultar em impactos positivos sobre a distribuição da renda, em suas formas pessoal e regional”.

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O Bolsa-Família, carro-chefe dos programas sociais do governo do PT, foi fundamental para redução da pobreza e da desigualdade social no Brasil. Entretanto, seus efeitos a longo prazo já começam a demonstrar limitações diante da dinâmica da economia brasileira.

O estudo revela, entretanto, que “parte da redução observada na desigualdade nacional foi resultado da melhora na distribuição inter-regional da renda. Mas, apesar disto, quando analisados separadamente os impactos diretos dos impactos indiretos e induzidos sobre a renda das famílias, percebe-se que os efeitos do segundo tipo provocam um aumento na concentração da renda”.

Nessa conjuntura, evolui o colapso da legitimidade das ações político-partidárias e da governança pública em decorrência dos escândalos que se multiplicam desde o que a história aponta como a “compra do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso”.

A manchete do diário “Folha de S. Paulo” em 13 de maio de 1997 informava: “Deputado conta que votou pela reeleição por R$ 200 mil”. Há confissões gravadas. Mas nada foi investigado. Atualmente, na esteira dos achados da operação Lava Jato, o colapso que parece cronificado mobiliza as pessoas a caminharem em defesa do ou contra o governo federal fragilizado por denúncias de corrupção e pela crise econômica. Mobilização que se relaciona num primeiro plano com a proteção e a promoção da democracia legitimada pela vontade popular expressa no voto.

Há arreganhos autoritários e liberticidas à esquerda e à direita. Uns clamam pelo fim da operação Lava Jato. Outros querem a volta da ditadura militar. Mas o fato da percepção por parte das pessoas de que é possível transformar a realidade adversa através da pressão popular nas ruas confirma a confiança na estrutura democrática de poder vigente, permeável à exigência do povo que a legitima.

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Com menos de 30 anos de vigência, a nova democracia brasileira, sacramentada pela promulgação da Constituição de 1988, diante da crise de representatividade, vive hoje seu momento mais delicado.

As marchas sem o dirigismo partidário que impediram, e até rechaçaram, a presença de lideranças políticas de oposição indicam um levante por parte de fatia expressiva da sociedade civil que se sente ameaçada pela crise econômica e seu potencial de degradação da qualidade de vida. É possível inferir do que foi demonstrado nas ruas que esses setores compreendem enquanto relação adequada entre Estado e população aquela que garante estabilidade econômica e submissão governamental às forças legais regulatórias. O voto seria um piloto automático para manter a democracia representativa no ar em velocidade de cruzeiro.

As marchas dirigidas partidariamente significam a percepção por parte dos setores envolvidos de que compromisso ideológico, militância político-partidária, ativismo cidadão e conhecimento da história dão o suporte necessário a uma poliarquia em que convergem democracia procedimental e democracia direta a serviço de um projeto de poder planejado.

E num segundo plano, a mobilização nacional se relaciona com um projeto ideológico matizado por
competitividade estimulada pela livre concorrência num Estado mínimo contraposto a uma visão ideológica que propõe equidade e democracia direta para fortalecer justiça e controle social com ativismo estatal e inserção produtiva. Quem vencer terá pela frente o desafio das reformas estruturais para o enfrentamento da desigualdade. A urgência de agora é restaurar a estabilidade. E correr atrás do prejuízo histórico.

(Publicado em A União, edição 03 de abril de 2016)