JP tem valor de tarifa de ônibus quase igual a 1l de gasolina; veja evolução na última década

A tarifa do transporte público de João Pessoa teve seu reajuste anunciado numa quinta-feira de véspera de Carnaval, num ato considerado estratégico para dispersar a atenção da população da cidade. O preço da passagem passou de R$ 2,70 para a R$ 3,00. Foi o terceiro aumento em menos de um ano, um fato sem precedentes na história recente do município na última década.

Para se ter uma ideia do impacto do aumento, R$ 3,00 era o preço da tarifa do transporte público na cidade de São Paulo até o início de 2015, a maior cidade do país.

No caso de João Pessoa, cuja tarifa é universal – ou seja, tanto em distâncias longas, quanto em pequenas se paga o mesmo valor – isso amplifica ainda mais o peso da passagem de ônibus no orçamento daqueles que dependem do sistema para se locomover diariamente.

A decisão foi ratificada pelo Conselho de Mobilidade Urbana de João Pessoa em reunião do dia 05 de fevereiro e homologada pela Prefeitura, entrando em vigor no dia seguinte, 07 de fevereiro.

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Fonte: “Transporte Coletivo e Espaço Urbano – Contradições, Conflitos e Mobilização Social em João Pessoa-PB”, de Enver José. Arte: Thaisa Azevedo.

O Conselho é paritário, ou seja, composto por integrantes da sociedade civil (estudantes, representantes das empresas de ônibus, ativistas) e da gestão municipal (secretários, técnicos, coordenadores setoriais) e foi criado com o objetivo não só de deliberar sobre o preço da tarifa, mas sobre ações e investimentos na área de mobilidade urbana em toda a cidade.

Nível e variações da tarifa de ônibus

Com o novo valor, a tarifa em João Pessoa está superior a de algumas áreas do Recife, que se dividem em quatro anéis viários cujos valores variam entre R$ 1,85 e R$ 3,85.

O preço do litro de gasolina, nesse cenário, está bem próximo do passagem de ônibus na capital paraibana: nos postos, varia entre R$ 3,30 e R$ 3,70. Em 2008, por exemplo, a passagem custava R$ 1,70 e o litro da gasolina, à época tinha um preço alinhado em mais de 50% dos postos de combustíveis, R$ 2,59, de acordo com pesquisa do Procon Paraíba.

Fazendo um retrospecto sobre o aumento da tarifa em João Pessoa, alguns dados são bastante ilustrativos sobre as práticas que vem sendo adotadas na gestão do transporte público.

Nos últimos 11 anos, praticamente todos os reajustes foram acima do índice oficial de inflação. A única exceção foi 2013, quando houve um cancelamento do aumento da passagem no auge das manifestações de rua de junho e o preço ficou 4,5% menor enquanto que a inflação no período foi de 3,15%, de acordo com dados do Índice de Preço ao Consumidor (IPCA).

Entre 2005 e 2012, a passagem subiu de R$ 1,15 para R$ 2,20, um aumento, em números gerais, de R$ 1,05 . Esse aumento, no entanto, foi acumulado em oito anos.

Entre 2013 e 2016, a tarifa pulou de R$ 2,20 para R$ 3,00, sendo R$ 0,80, um valor próximo dos ajustes dos últimos oito anos anteriores, aplicado em apenas 4 anos.

Pegando os dados percentuais da atual gestão, houve um aumento de 6,81% em 2014, quando a passagem foi de R$ 2,20 para R$ 2,35. Em 09 fevereiro de 2015, o valor da passagem subiu para R$ 2,45, acréscimo de 4,26%. E em julho do mesmo ano, a tarifa foi reajustada para R$2,70, mais 10,20%. Por último, o aumento do dia 05 de fevereiro de 2016 elevou o preço para os atuais R$ 3,00, o que representou mais 11,11%.

Somados os acréscimos dos últimos quatro anos, esses reajustes representam 30,38% de aumento no mandato do atual prefeito. No mesmo período a inflação foi de 24,73%, de acordo com o IPCA.

Confronto de argumentos

Edivaldo Filho, um dos coordenadores gerais do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal da Paraíba (DCE-UFPB) e representante da entidade no Conselho afirmou que a dinâmica do órgão deixa bastante a desejar na forma em que conduz as pautas.

“Na gestão anterior, de Roberto Pinto, ele só puxou uma reunião para o Conselho discutir o valor da tarifa. O Conselho estava sendo utilizado apenas como Conselho Tarifário. Na gestão Batinga, ele chamou para uma primeira reunião para discutir os projetos de mobilidade da cidade e na segunda para discutir o ajuste.  Eles chamaram para discutir sem planilhas, sem maiores dados”, explicou Edivaldo.

Carlos Batinga, titular da Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana de João Pessoa (Semob), justificou o aumento devido a alta dos preços dos serviços, do óleo diesel (combustível utilizado pelos ônibus) e queda na demanda de usuários do transporte público.

“A inflação do sistema de transporte nesse período foi maior do que a inflação normal, porque houve um tarifaço no diesel e os trabalhadores da área tiveram reajuste acima da inflação. Houve também uma queda de demanda devido os estímulo ao transporte individual”, ressaltou o secretário.

“Hoje, poucas cidades no país tem a tarifa a abaixo de R$ 3,00, está normalmente acima desse valor” completou Batinga citando cidades como Maceió (AL) e Aracaju (SE).

A atual gestão do DCE acompanhou dois dos últimos três aumentos ocorridos no período de um ano. No primeiro deles, obstruíram o processo justamente por não concordar com a forma como o processo é conduzido. Na segunda, enviaram documento, com voto escrito, se posicionando veementemente contra o aumento. Edvaldo Filho destaca que a questão não se limita ao aumento da tarifa.

“O problema não é só que está R$ 3,00, é que está se pagando R$ 3,00 por um transporte muito ruim”, refuta o representante do Conselho de Mobilidade pelo DCE-UFPB.

População

Usuários do transporte público na capital paraibana fazem uma crítica na mesma linha. “Seria justo se todo o transporte público tivesse uma melhoria, né? A gente está aqui, na Lagoa, e a estrutura não ajudou muito. Então, o aumento seria justo se também houvesse o melhoria. Eu acredito nisso”, diz uma das entrevistadas.

“Acho muito difícil porque não acompanha a qualidade do transporte e é um preço bastante alto. Se você observar é o (mesmo) preço de uma caixa de leite, 3 passagens é (quase) R$ 10,00. Imagina isso por dia, pra quem precisa trabalhar todos os dias. De repente a pessoa pega um transporte errado, já é mais R$ 3,00”, exemplifica outro.

“Eu pego dois ônibus, tive de mudar de escola, porque senão eu teria de pegar 4 ônibus por dia e o dinheiro não dá”, diz uma estudante.