O forró, que completa 80 anos em 2017, vai muito bem, obrigado. A memória continua ativa, a musculatura em pleno desenvolvimento, o prestígio em alta e a consciência está cada vez mais aguda a respeito da importância que tem para o Brasil.

Seus criadores, principalmente os das novíssimas gerações, sabem o que significa a sua condição altamente posi- tiva de gênero fundador. Nomes como Lucy Alves e Gabriel Diniz sabem disso.

Essa música criou um tipo de sensibilidade artística relacionada a crenças, valores, hábitos e costumes da região Nordeste e dos nordestinos em outras regiões. Sensibilidade relacionada obviamente à música, principalmente; e também à dança, à gastronomia, à literatura, às artes visuais, ao teatro e à ambientação cenográfica de Norte a Sul.

O forró, enquanto processo social, atitude mental, ambiência estética, prática artística e forma de comunicação artístico-musical, é gênero instituído como tal, ou seja, apto a compor o mercado de bens culturais na lógica da sociedade de consumo, um produto que está presente no cotidiano brasileiro como instrumento para a sociabilidade nos principais centros urbanos desde o início do século XX. Não é um artefato museológico estático, ameaçado de extinção.

Se buscarmos uma data fechada, simbólica, para mar- car os ciclos evolutivos (de Luiz Gonzaga e Dominguinhos a Waldonys; de Antônio Barros a Alceu Valença e Zé Ramalho; do Fala Mansa a Targino Gondim) do gênero que está causando polêmica nos festejos juninos deste ano, me refiro a toda essa história em torno da presença de artistas do “ser- tanejo pop” nas festas de Caruaru e de Campina Grande, essa data será o ano de 1937.

Há oitenta anos, os cearenses Xerém e Tapuya gravaram para a RCA Victor a faixa “Forró na roça”. O registro do evento fonográfico consta até nos arquivos da Biblioteca Digital Luso Brasileira, juntamente com a gravação de “Pelo telefone”, primeiro samba, composto por Donga, e registrado também no Rio de Janeiro, só que em 1916.

O ritmo desse forró tem uma cadência um pouco mais lenta do que o compasso 4X4 popularizado e estandardizado por Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, há referências ao andamento do choro, mas é certo que há o elemento essencial, a célula fundamental do ritmo.

Vale registrar que alguns anos antes, 1912, a maestra, compositora e instrumentista Chiquinha Gonzaga já havia gravado um tema intitulado “Forrobodó” para peça teatral do mesmo nome, fato que só atesta a validade dos registros de Evanildo Bechara e Câmara Cascudo quanto à origem do ter- mo, o que dissolve a lenda de que a palavra seria uma aglutinação das palavras “for all”, e que teria surgido durante a presença de norte-americanos no Nordeste. Pura lenda urbana.

É triste, portanto, que neste ano de 2017, quando poderíamos estar festejando os 80 anos de nominação oficial do forró, tenhamos que testemunhar acusações entre artistas, produtores, críticos e ativistas da música em geral sobre quem é mais autêntico, quem pode ou não pode forrozar.

Quanto ao tema da autenticidade, e recorrendo ainda ao mestre Câmara Cascudo, ao revolvermos a história dos fundamentos da nossa musicalidade, não a coisa da indústria cultural que surge com a estruturação dos meios eletrônicos, o rádio sendo o principal, mas sim a fixação de uma linguagem com seus desenhos rítmicos e melódico-harmônicos, esbarramos na polca, no shotish, no fandango, na quadrilha e nos autos do tipo Nau Catarineta, a Paraíba sendo um dos polos irradiadores da tradição da barca, o boi que se estabelece a partir de formas medievais de representação popular em praça pública, e o afoxé. Sobre a quadrilha, de onde evoluiu o forró, mais pre- cisamente o nosso arrasta-pé, a origem é também europeia, Espanha, Holanda, Portugal, Inglaterra…

No viés antropológico relacionado ao folclore, temos a apropriação de formas europeias, africanas, árabes, e indígenas para a composição do patrimônio cultural, não cabendo, portanto, o radicalismo até com toques de xenofobia que anima o debate de hoje sobre uma necessária exclusão de artistas ditos sertanejos nas festas juninas por eles representarem uma suposta deturpação do forró.

É preciso lembrar também que esse ritmo originariamente tem uma destinação muito mais para a dança do que para a fruição no sentido da prática do consumo musical inaugurada pelo rádio e pela indústria fonográfica. Convergem, então, o forró e o sertanejo quando a proposta é unir os casais nos sacolejos malemolentes e sensualistas que o ritmo acelerado propicia.

Saindo do recorte antropológico e partindo para o sociológico, o gênero enquanto bem de consumo se firma a partir dos anos 1950, no Rio de Janeiro, com Gonzaga, Carmélia Alves, Jackson do Pandeiro, entre outros, e desde então enfrenta altos e baixos de popularidade. Atualmente, vive um novo ciclo de prestígio e criatividade. A presença dos sertanejos na festa fortalece este ciclo. Fortalece o forró.

Reproduzido de o jornal A União, edição de 27 de junho de 2017.