“Piancó vai tremer” é uma frase clássica do amigo e pensador Chico Jó. Uma personalidade aguerrida cuja voz ecoa em todo Vale do Piancó. Chico simboliza a resistência e a generosidade do homem sertanejo. Palco de batalhas da Coluna Prestes e trincheira de muitas outras resistências. Terra do grande poeta José Chagas que acabou se consagrando no Maranhão. Terra do poeta Hosmá Passos que ainda faz seus versos por lá. Lugar de músicos competentes como Nego Lula e João Leite e de gente generosa como Marcelo Milk, um mecânico que dedica suas horas livres ensinando música em programas sociais. Cidade de intelectuais respeitados no cenário paraibano como o Professor João Trindade. Este é o ambiente que vai receber a I FELIPI – Feira Literária de Piancó.

A FLIP – Feira Literária de Parati criou um modelo já consagrado. Esse modelo foi reproduzido em diversos lugares. Temos essa mania. Também a Virada Cultural originou-se em São Paulo, mas reproduziu-se até mesmo em cidades do sertão. Enfim, nos acostumamos a importar modelos consagrados. Parece mais fácil. Alguns produtores, até mesmo com o intuito de ironiza-los, como é o caso do Rock in Rio do Peixe. Na verdade, precisamos apenas observar o que acontece e medir nossas possibilidades. A Jornada Literária de Passo Fundo, por exemplo, criou um modelo de festa literária que repercute diretamente na qualidade do ensino. Passo Fundo é, proporcionalmente, a cidade com o maior número de leitores de literatura do Brasil. Isso para quem acredita que a literatura cumpre um papel extraordinário na formação intelectual da juventude. Para quem sabe que repercute inclusive na economia.

Fazer uma festa literária, no entanto, não é tão complicado assim. Algumas escolas e algumas secretarias de Educação, já cumprem um papel fundamental na formação de alunos leitores e alunas leitoras. É o caso de São Bentinho, Bernardino Batista e Sapé, por exemplo. Mas, tem muito mais. Algumas vezes uma única professora faz a diferença estimulando as turmas na convivência com a arte, a cultura e a literatura. Tudo isso torna o ambiente escolar favorável para os educadores. A violência diminui e o desenvolvimento humano cresce. São diversas experiências espalhadas que dariam um bom estudo de caso. Na verdade, as pessoas que amam a literatura e levam esse amor para a sala de aula, são amados pelos alunos e alunas. É o caso do Professor Bento, um cordelista que leva a sua paixão para a escola onde leciona no município de Assunção.

Pois bem. Piancó marcou um ponto na história da leitura literária na Paraíba. O Educandário Mesquita decidiu juntar as ações de leitura desenvolvidas cotidianamente em sala de aula, para realizar uma culminância que estamos chamando de FELIPI – Feira Literária de Piancó. A sonoridade do nome já pegou e se espalhou. Apesar de ser o encaminhamento de uma escola da rede privada, está contaminando a região. Sob a coordenação da Professora Branca Mesquita, as convocações extrapolam os muros da escola. Estudantes e professoras da rede pública e privada começam a perceber que a FELIPI é uma ideia que nasce de um educandário, mas pertence à população.

Nos últimos tempos, a FELIPI tem repercutido para além das  fronteiras da Paraíba. Escritores paraibanos, potiguares, cearenses e pernambucanos, incendiaram suas curiosidades e muitos deles haverão de estar em Piancó apenas como ouvintes. Outros tantos, já convidados pela professora Branca para compor a programação. Todavia, as grandes estrelas do evento serão os alunos e alunas. Os leitores tomarão conta da festa juntamente com escritores como, aliás, deveria ser em todo evento literário. A FLIBO – Feira Literária de Boqueirão, por exemplo, aprofunda cada vez mais sua relação com as escolas do município e o resultado é que a cidade vem se apropriando cada vez mais do evento. Em Piancó não será diferente. Até porque se trata de uma ação desenvolvida por pessoas de reputação irreparável no município e na região. Uma escola que nasce do empenho de uma família inteira e cujo esforço pela qualidade do ensino merece reconhecimento.

Será a primeira experiência. No entanto, já desponta como um ‘chega pra lá’ em certos bolsões de apatia que incomodam intelectuais e artistas nascidos debaixo do Mirante de Santo Antônio. Leitores e leitoras de primeira linha, como Áurea Cristina Barros. Uma fotógrafa que dá banho de erudição quando fala de literatura. Este é o Sertão que reage. O Sertão que não se entrega à mesmice e à aridez da vida. Criatividade, alegria, solidariedade, generosidade e muita sede de saber espalhada entre os jovens. A FELIPI é um evento que nasce vitorioso pelo que já produziu no alunado e pela capacidade de produzir e reproduzir uma linha pedagógica arrojada, onde a boa formação da juventude é a meta principal.

O que impede uma cidade de realizar sua festa literária se toda cidade tem escola e quase todas tem bibliotecas? Ora, se temos livros, temos recursos para o passo inicial. Não estamos falando aqui de eventos portentosos. Estamos falando do que nos disse o francês Roland Barthes: “a literatura contém muitos saberes”. Assim, é possível estudar história, geografia, antropologia, sociologia e até mesmo matemática e física lendo livros como Robinson Cruzoé, de Daniel Defoe. Também Pedra Bonita, de José Lins do Rego ou O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo. A leitura faz lembrar um conceito do poeta gaúcho Mario Quintana. Para ele, “democracia é dar à todos o mesmo ponto de partida. A chegada depende de cada um”. A FELIPI, até mesmo pelo seu formato é uma provocação. Uma aula de atitude num universo de apatias históricas. Toda escola pode ter sua festa literária. Toda cidade pode. O custo benefício compensa. Afinal, no modelo construído pelo Educandário Mesquita, se trata de celebrar o que já foi realizado. Nos dias 8 e 9 de novembro, Piancó vai tremer.