Ideal e real: O teatro e o viaduto que reconfiguram João Pessoa

Há uma dinâmica científica que se apropria da relação cidade, natureza, pessoa e consciência histórica para responder a questões que nos desafiam cotidianamente a partir de conceitos como identidade, política, segurança, meio ambiente, produção e bem-estar de indivíduos e das coletividades.

Essas ferramentas conceituais, de base teórica fixada, para a organização do mundo, sejam sociologia e urbanismo, arqueologia, arquitetura, economia, estatística e demografia, geografia e telemática, entre outras, como a medicina, a engenharia e a robótica, nos informam sobre uma cidade viva.

Um ente orgânico, com suas áreas de adoecimento, os pontos carentes de urgente revitalização, os brotos de vielas e localidades que eclodem ora espontâneas como um pedido de socorro, ora enquanto imposição em prol da cidadania mínima, e o nascimento dos seus condomínios comerciais, industriais e residenciais inteligentes de altíssimo custo.

A dimensão filosófica dessa apropriação científica do espaço jurídico-legal que compreendemos por cidade tem por base estruturante a multiterritorialidade ética que se estabelece através de pactos concêntricos econômicos, políticos, religiosos e culturais.

Essas instâncias se entrecruzam numa teia de práticas e memórias, de experimentações e inovações para formalizar um modo de convivência orientado por princípios como a dignidade humana, coisa pública, isonomia, equidade, liberdade, participação…

Esse instrumental de uma ética geral para a existência gerou a necessidade de políticas públicas planejadas e produzidas visando ao bem comum.

Para além desses horizontes da razão, existe a relação íntima que estabelecemos à margem de todos os planejamentos com um ideal que usamos como parâmetro para distinguir os vários níveis de percepção do espaço em que vivemos. Esse ideal é aquilo que temos como “a minha cidade”.

Ao longo da vida, seja aos 10, aos 40, aos 70 anos, vivendo na cidade real, dialogamos implícita e explicitamente, consciente e inconscientemente, tanto com a cidade ideal quanto com um ideal de cidade.

O ideal de cidade é toda a busca organizada pela urbanização plena com espaços adequados e seguros à vivência das pessoas com suas buscas, conflitos e convergências. Esse ideal conduziu o marquês de Pombal na reconstrução de Lisboa no século XVIII. E impulsionou Juscelino à construção de Brasília para o espanto contente do mundo no século XX.

A cidade ideal é sempre aquela que nos contempla e envolve depois que identificamos os problemas cruciais que a cidade real nos impõe com seus pedregulhos empesteados pelos miasmas opacos das impossibilidades técnicas e políticas.

Da minha perspectiva, João Pessoa tanto é para mim cidade ideal quanto real. É um ideal de cidade entre o rio e o mar, ainda favorecida pela presença da natureza sob ataque permanente da impessoalidade monetária. Funciona também para mim enquanto universidade aberta com seus cursos livres de arquitetura, história, ecologia, urbanismo…

Desde que abri os olhos para a cidade, faço e refaço um percurso de mais de 500 anos, que vai da contemplação do Porto do Capim, onde surgiu a cidade legitimada por todos os países que negociavam com Portugal e Espanha, passando pelo Centro Histórico com um Parque Barroco que guarda turbilhões evolucionários da estética, da arte e da cultura comuns ao Ocidente Cristão, chegando ao Teatro Santa Roza inaugurado quase cem anos depois da morte do marquês de Pombal, onde explode em feérico festejo formal o maior requinte que o neoclassicismo construiu no Brasil.

Se o Teatro Santa Roza, agora reformado, obra no rol da política pública de revitalização do patrimônio cultural paraibano do Governo Ricardo Coutinho, sinaliza como porto aberto de memórias artísticas, o Viaduto Eduardo Campos (do Geisel), recém-inaugurado em João Pessoa, é marco referencial das transformações vividas pela cidade para reconfigurar o espaço concreto em que a cidade se realiza, também palco simbólico para o enriquecimento e produção de novas memórias da cidade entre várias gerações de agora e futuras.

Duas obras do Governo. a revitalização que transformou o teatro emblemático da nossa tradição cultural histórica; e a construção do viaduto, símbolo da eficácia de uma política pública que reconfigura o traçado urbano, estabelece novo status ambiental, compõem nova visualidade, amplia os equipamentos para a mobilidade, entre outros aspectos positivos como a economia de combustível e a redução do risco de acidentes; obras que interagem com a cidade concreta na perspectiva de ganhos patrimoniais e imateriais, com a cidade ideal por representarem o êxito das ações de equipes governamentais, ou seja, o Estado cumprido o seu papel, e com um ideal de cidade com seus equipamentos que democratizam as relações sociais em sua diversidade funcional e formal. Teatros e viadutos, arte e ciência em sinergia para compor esse tecido vivo que a todos nós abraça que é a cidade. Cidade palco, leito, teto, festa, faltas, sonhos e amores.

Reproduzido de o Jornal A União