Não quero exagerar, mas parece que do início do século XX pra cá, vivenciamos alguns momentos de ebulição na literatura. Primeiro com a Semana de Arte Moderna de 1922. Claro, a Semana extrapolou. Trabalhou a literatura, mas também a música, a escultura, a pintura. As rupturas de 22 ainda hoje influenciam e determinam os passos da literatura e de outras artes ditas brasileiras. Podemos considerar, também, que a Poesia Concreta impactou por ser o único movimento de vanguarda genuinamente brasileiro. Também continua determinando os rumos a Poesia principalmente, mas também de outras artes no Brasil e em outros países.

Outubro de 2017 também deve entrar para o calendário das grandes transformações. O Mulherio das Letras, acontecido na Paraíba, trouxe para o debate as inquietações e as zonas de sombra do universo editorial. Sem aprofundar o debate estético (não era esse o objetivo), reverberou as diferenças e as potencialidades do universo feminino na literatura. O Mulherio teve uma característica fantástica. Mostrou um altíssimo poder de mobilização e trouxe para a cena, inclusive, a saudável certeza que nem tudo é ou deve ser consenso. Portanto, me refiro aos três momentos de forte impacto na história da literatura brasileira. Logicamente, sem a insensatez das comparações.

Dizem que a segunda edição deverá acontecer em Guarujá-SP. Espero que o triplex da Odebrecht seja cedido para abrigar algumas visitantes. Certamente outros lugares também haverão de querer um evento de tamanha magnitude. Muitas movimentações em torno da escrita feminina e feminista devem abrir espaços. No entanto, o Mulherio das Letras enquanto movimento das mulheres escritoras deste país, aconteceu aqui na Paraíba. No máximo, teremos eventos surgidos em consequência desse movimento. Tudo será consequência do que aconteceu por aqui.  Certamente que as coisas não deverão permanecer no mesmo lugar. O grito das mulheres ecoou e revelou também suas mazelas.

O fato é que o mercado editorial ficou de olho. O Brasil que escreve e que lê ficou de olho. Os homens que escrevem e leem ficaram de orelha em pé.  Foram dias de intensos debates e de absoluta autonomia na condução dos trabalhos. Foi, sem dúvidas, o maior movimento de mulheres escritoras da história deste país. A repercussão certamente atravessará fronteiras, pois num tempo não muito distante, as mulheres precisavam publicar seus livros com pseudônimos masculinos para a plena aceitação do mercado. Dificilmente se repetirá com a mesma intensidade. Dificilmente não terá fragmentações, mas certamente cumpriu o seu papel ao chamar a atenção para as inocências nada inocentes da literatura. O racismo, o machismo, a homofobia. Expressões da existência nada ficcional das esquinas, ainda domina a cena.

No momento em que o Brasil e o mundo atravessam um momento nebuloso, o contraponto da escuta e da ocupação dos espaços faz uma diferença enorme. Mesmo que em alguns momentos tudo se perca nas trações do imaginário ou das inquietações extraliterárias. A sensação que ficou é que o objetivo das organizadoras foi atingido. O do movimento Mulherio das Letras me pareceu bastante anárquico. Recusando um comando formal, apesar de tecer com clareza os fios condutores para que o debate se tornasse fluente como um rio. Todavia, duas escritoras saem da cena do Mulherio como protagonistas por diferentes motivos. São elas as escritoras Conceição Evaristo e Maria Valéria Rezende.

Agora é aguardar as movimentações que naturalmente deverão acontecer. A repercussão foi imensa. Quiçá, para além-fronteiras. Nada, certamente, voltará ao seu lugar. Os debates mais ou menos acirrados encontrarão seus espaços de expansão. A literatura escrita pelas mulheres haverá de trazer novos ventos. Ninguém escapará deste vendaval. Homens, mulheres, leitores, leitoras, escritores, escritoras, formadores, formadoras. As expectativas são muitas. Mas, não tenho dúvidas que o impacto maior será no mercado editorial. Como? Não sei ainda. A visibilidade de algumas mulheres puxará pelos pés a invisibilidade de muitos homens. O movimento Mulherio das Letras não foi excludente. Foi apenas mais um passo mais largo de uma longa caminhada. Um misto de generosidade, militância e utopia.