“É proibido cochilar!” – Viva o Forró!

A divulgação da programação do Maior São João do Mundo este ano causou furor entre os forrozeiros. Não é pra menos. Afinal, o forró vem sendo sumariamente eliminado ano a ano.  Não é de hoje. Não esqueçamos. Há tempos as gestões públicas que, na verdade, comandam esse lucrativo mercado, estão induzindo as atrações “alienígenas” que hoje predominam nas festas juninas em geral. Não na intenção de realizar uma festa multicultural. Na verdade, apenas abraçando os formatos ditados pela indústria fonográfica. Cada vez mais o São João se torna uma festa monolítica. A mediocridade, claro, predominando de forma abundante.

Não apenas em Campina, as festas juninas foram diluindo valores e princípios. Se tornaram objeto das multidões. A multidão a qualquer preço. As prefeituras adoram divulgar fotos de praças lotadas. Milhares de pessoas espremidas. Divulgam as fotos, talvez, porque o som é lamentável. Melhor não ouvir as multidões cantando o que a mídia repete incansavelmente. Já o prefeito de Campina Grande se limita a reclamar da falta de apoio financeiro do Governo do Estado.  Para quê, prefeito?  Para piorar o que já está horrível? Estamos assistindo resignados a morte do forró num terreiro de grandes mestres.  Da pra tu?

Campina Grande está na berlinda por diversos motivos. Principalmente por ter se autoproclamado o Maior São João do Mundo. Uma jogada de puro marketing que sempre deu muito certo. Uma marca que colou. No entanto precisamos neste momento refletir um pouco sobre os acontecimentos. Estamos diante de um processo de eliminação sumária do forró enquanto expressão musical nordestina. Mas, não é apenas o forró que está sendo sumariamente esquartejado. As quadrilhas já abandonaram as tradições faz tempo. A competição rompeu as fronteiras do “alavantu anarriê” e as quadrilhas se transformaram em grandes espetáculos de projeção folclórica. Alguns deles, maravilhosos, luxuosos, mas cada vez mais distante da tradição. A culinária nordestina foi substituída gradativamente e hoje se come até mesmo comida japonesa diante de uma fogueira também artificial.

Acho louvável que artistas da tradição nordestina se posicionem em defesa das suas identidades culturais. Mas, caso estivessem nas vagas cada vez menores do forró tradicional estariam se manifestando publicamente? Creio que não. O movimento cultural de um modo geral tem funcionado assim. Está fora, grita. Está dentro, cala. Não que as manifestações sejam questionáveis. De forma alguma. São por demais legítimas e necessárias. Todavia, precisamos urgentemente discutir as razões dessa devastação que atinge não apenas o forró. Tudo ditado de dentro de uma capsula midiática. Grandes produções e divulgações permanentes consagram espetáculos toscos e revelam artistas sem arte. Infelizmente, na maioria das vezes, a grande batalha não é pela cultura, mas pelo palco e pela grana.

Ouvi alguém comentando que o São João de Campina Grande estava parecendo uma festa de rodeio paulista. Vale lembrar que as festas de rodeio também já assassinaram a música caipira. Há uma verdadeira cruzada mercadológica contra a memória, contra o patrimônio imaterial do povo brasileiro. Lembro Gaston Bachelard dizendo que a globalização estava formando um “folclore planetário”. A diluição da diversidade cultural atravessa o mundo. Em outros países não é diferente. A rendição é exatamente a mesma.  Não há qualquer vestígio de modernidade nisso. Não há resquício de invenção. Sem a preservação das tradições as transgressões inexistem. Não há modernidade sem tradição. Seria preciso compreender o óbvio para que se comece uma boa reflexão. Não quero, pois, dizer que a grande tragédia esteja ocorrendo apenas no forró e nas tradições juninas. O pop que já foi alento de novidade, hoje é uma estrada de horrores em o praticamente todas as linguagens.

Desesperado atrás de voto para disputar o governo do Estado o prefeito de Campina Grande tenta explicar o inexplicável. Peita o governador, mas foge do conteúdo. Não interessa, do ponto de vista eleitoral, discutir o mérito da festa. O prefeito não tem interesse, como a maioria dos políticos, de compreender o prejuízo causado com tamanha covardia. Não há lógica que justifique as grandes fortunas investidas em cachês milionários. Um recurso que migra imediatamente pra outras regiões. No caso da Operação Pão e Circo, migra também para o bolso de alguns espertos. Tirar a programação das mãos da secretaria de cultura já foi um escândalo. Mas, terceirizar a programação significa vender a alma do povo. Mesmo  fazendo o corpo balançar.  O São João de Campina Grande, deixou de ser um grande negócio para a cidade. Poucos lucram. A evasão de recursos deve estar superando a arrecadação há muito. E o pior de tudo: estão eliminando sumariamente a essência de toda a beleza dos festejos juninos. Que pena. Meus pêsames, prefeito.