Diário de bordo: conheça os cineastas premiados no 8º Curta Taquary

Durante o quarto e o quinto dias do 8º Curta Taquary – o penúltimo e o último respectivamente – as emoções estavam afloradas. Participantes, convidados, espectadores em geral compareceram em peso as sessões da Praça Otto Sailer, no Centro de Taquaritinga do Norte (PE). Pela manhã e pela tarde as oficinas, debates, e exibições paralelas seguiram com público assíduo. A reta final pareceu atiçar todo mundo a aproveitar todos os momentos possíveis na programação do festival – e dentro da atmosfera instigante e descontraída que caracterizou o evento desde o início

As sessões da noite do quarto dia foram abertas pela exibição de três curtas de animação: O extraordinário caso do sr. A (MG), O homem que pintava músicas (MG), ambos de Jackson Abacatu e Lugar com sol (RN), de Rebecca Pelagio. Logo em seguida teve início a exibição dos filmes da mostra competitiva Dália da Serra.

Entre os curtas exibidos nessa mostra vale ressaltar algumas obras marcantes. Alguma Coisa na Vida (BA), documentário produzido pelo coletivo Audiovisual de Luís (Eduardo Magalhães, cidade do Oeste da Bahia), trouxe uma abordagem naturalista e muito delicada ao mostrar a história de Cibelle, uma criança de origem bastante humilde que lida com um cotidiano cheio de percalços sociais, mas que alimenta o sonho de ser bailarina. Mesmo produzido por jovens com pouca experiência em audiovisual, o filme surpreende pela sensibilidade e pela qualidade estética.

Ausência (PE), de Uhélio Gonçalves, trouxe o público para a atmosfera e o modo de vida no sertão nordestino da primeira metade do Século XX ao contar a história real de uma mulher que sofre a dor da perda de um filho e é tragada numa espiral de angústia e alucinação que culmina num desfecho corrosivo, que impactou bastante a plateia. A estreante Camilla Gomes, moradora de Taquaritinga, tem um desempenho impressionante como a protagonista do curta.

Você sabe viver? (PE), de Wilker Medeiros, emocionou ao reunir um mosaico de histórias que retratam a vida na terceira idade em Caruaru (cidade do agreste de Pernambuco), trazendo desde depoimentos de idosos largados em casas de apoio expressando a tristeza da solidão que sentem até outros que tem uma vida ativa e usufruem do afeto familiar e de prestígio, como o caso do prefeito da cidade, por exemplo. Utiliza uma narrativa clássica, porém redonda, sem furos. O apelo da temática e da abordagem é que dão a tônica.

Gilda

Entre os momentos mais aguardados do Festival, estava a homenagem a atriz Gilda Normacce, laureada na edição anterior do Curta Taqaury com o prêmio de melhor atriz. Esse ano, além de ser um dos nomes homenageados, junto diretor pernambucano Camilo Cavalcante, a atriz paulista ministrou uma oficina de interpretação para o cinema, onde interagiu com os participantes, ouviu relatos de vida fortes, emocionou e também saiu bastante tocada.

Em seu discurso de agradecimento pela homenagem, visivelmente emocionada, Gilda agradeceu a honraria e reverenciou a organização do festival e o carinho dos habitantes locais, que a receberam de forma bastante calorosa. Ela ainda afirmou que se sentia agraciada por ter feito parte do lugar por algum tempo. “Estou muito, muito contente em ser homenageada aqui. Quero que vocês saibam que eu fiquei muito feliz sendo daqui”, enfatizou ela.

Assim como no caso de Camilo, a homenagem a Gilda num dos maiores festivais de curta-metragem do Brasil veio bem a calhar. A atriz paulista já tem diversos longas na carreira, participações em seriados e novelas de TV, mas sua presença assídua nos curtas é algo que salta aos olhos: mais de 30 participações, entre protagonistas e coadjuvantes, mas sempre com performances notáveis.

Ao falar sobre a distinção recebida no 8º Curta Taquary, Gilda mais uma vez elogiou e agradeceu a equipe do Festival e destacou a contribuição e a relevância que o gênero tem para a arte.

“Sensacional essa homenagem no Curta Taquary. Me deixou muito feliz porque é um festival incrível, feito por pessoas incríveis e a gente se sente incrível aqui! O curta é um formato que eu adoro e defendo. Fico muito chateada quando as pessoas falam ‘Ah, é curta…’, como assim? É um filme, uma obra de arte! Fazer essa valoração por tamanho é uma coisa muita louca”, defendeu ela.

Primeiros Passos

A mostra competitiva Primeiros Passos exibe filmes de cineastas estreantes, ou seja, que nunca haviam atuado antes na função de diretores de cinema, embora alguns já fossem veteranos em outras funções. É o caso, por exemplo, do ator Humberto Carrão, que, embora jovem, já tem uma carreira consolidada como ator na TV e resolveu se aventurar na direção do curta, À Festa. À Guerra, o primeiro à ser exibido na Mostra. Com elementos de documentário, utilizando imagens reais da população da cidade do Rio de Janeiro se preparando para a folia carnavalesca e da greve dos garis municipais, o curta de ficção alegoriza as relações promíscuas da política  carioca tendo como pano de fundo a indústria do carnaval, uma espécie de crónica social do Rio e suas ambivalências culturais gritantes – e o caos que elas geram. Um trabalho bem conduzido e interessante.

O curta paraibano Contínuo, dirigido pelo ator Odécio Antônio (que também protagoniza o filme) em parceria com Carlos Ebert, enfoca a vida de um funcionário público que leva uma rotina sistemática e que reflete sobre aspectos da sua vida através de divagações provocadas por situações banais. A esplêndida fotografia preto-e-branco imprime um tom mais intimista e poético à narrativa, reforçado pelas narrações em off que Odécio conduz brilhantemente.

Tempo é Morfina (SP), dos diretores paulistas Kamilli Semenov e Daniel Queija, trouxe uma construção narrativa extremamente sensível para contar a história de um homem e uma mulher moradores do subúrbio de Santos, litoral de São Paulo, em crise no relacionamento, que já enfrenta um desgaste que se arrasta há anos muito em função da dependência química dela. E que com ele tentando segurar a barra. Nesse contexto o título além de impactante cai como uma luva. Não há, no entanto, grandes rompantes dramáticos. A violência emocional – e hipercorrosiva – é retratada de maneira sutil, com personagens sempre à deriva de si mesmos, com sua vulnerabilidade exposta e à beira de eclodir – mas sem vazão, anestesiadas pela letargia do cotidiano.

Tereza (PR), do curitibano Maurício Baggio, que foi diretor de fotografia de Tarântula, o filme aborda a história de um homem encarcerado e sua identidade coo o lugar onde está preso. Alguns planos minimalistas, imagens que expressam sentimentos do protagonista, a textura da fotografia e sobretudo a construção da narrativa fazem do curta uma produção de destaque no circuito nacional. Além desses, foram exibidas as animações Íncubo (PE), de Ayrton Moraes e Hugo Ramos, Me? (PE) e a ficção A hora Azul (RJ), de Giovani Barros.

 

Premiação

No quinto e último dia, for realizada a premiação, que esse ano rendeu algumas surpresas e teve chamadas “barbadas”, os prêmios cujo o destino já é considerado certo. Se encaixando nessa última definição está o prêmio de João Heleno dos Brito (PE), de Neco Tabosa, no júri popular. O filme Quintal, que competia na mostra Curta-Metragem Nacional, foi o grande vencedor, levando 4 prêmios. Tereza, da mostra Primeiros Passos, e Gangarras, que concorria na Dália da Serra, vem em seguida, com 3 prêmios cada. A Paraíba foi premiada através dos curtas Cumeira, que ganhou o prêmio de Melhor Montagem na Mostra Curta-Metragem Nacional, e Contínuo que venceu nas categorias Melhor Ator e Melhor Curta-Metragem. Confira abaixo a lista com todo os premiados da 8ª edição do Curta Taquary:

MOSTRA COMPETITIVA DÁLIA DA SERRA:
Melhor Roteiro: O Bicho do Buraco (ES)
Melhor Fotografia: Gangarras (PE)
Melhor Edição: Alguma Coisa na Vida (BA)
Melhor Ator: Everton, pelo filme De Ponta Cabeça (PE)
Melhor atriz: Camila Gomes, pelo filme Ausência
Melhor Direção: Gangarras (PE)
Melhor Filme: Gangarras (PE)
Menção Honrosa: Do lado de Fora (PE) , Sobre Duas Rodas (PE) e O Meu Recomeço (RN)

MOSTRA COMPETITIVA DE CURTA-METRAGEM NACIONAL

Melhor Roteiro: André Novais, pelo filme Quintal (MG)
Melhor Direção de Fotografia: Fernando de Mello, pelo filme Atotô (RJ)
Melhor Montagem: Marcelo Coutinho, pelo filme Cumieira (PB)
Melhor Ator: Norberto Novais, pela atuação no filme Quintal (MG)
Melhor atriz: Maria José Novais, pela atuação no filme Quintal (MG)
Melhor Direção de Arte: Tarântula de Aly Muritiba e Marja Calafange (PR)
Melhor Som: Lortolin, pelo filme Command Action de João Paulo Miranda (SP)
Melhor Trilha Sonora: João Heleno dos Brito, de Neco Tabosa (PE)
Melhor Diretor: André Novais, pelo filme Quintal (MG)
Melhor Filme: Uma Família Ilustre, de Beth Formaggini (RJ)
MOSTRA COMPETITIVA PRIMEIROS PASSOS

Melhor Som: Alexandre Rogoski, pelo filme Tereza (PR)
Melhor Trilha Sonora: À Festa. À Guerra (RJ)
Melhor Edição: Mauricio Baggio, pelo filme Tereza (PR)
Melhor Direção de Arte: Lais Araujo, pelo filme Tempo é Morfina (SP)
Melhor Direção de Fotografia: Ayrton Moraes e Hugo Ramos, pelo filme Íncubo (PE)
Melhor Roteiro: Maurico Baggio e João Marcelo Gomes, pelo filme: Tereza (PR)
Melhor Ator: Odécio Antonio, pelo filme Contínuo (PB)
Melhor Atriz: Louise de Lemos, pelo filme A Hora Azul (RJ)
Melhor Direção: Humberto Carrão Sinoti, pelo filme À Festa. À Guerra (RJ)
Melhor Curta Metragem: Contínuo, direção de Odécio Antonio e Carlos Ebert (PB)
Menção Honrosa: Me (PE), de Rafael Dayon

MOSTRA OLHAR FEMININO

Melhor Filme: A Pedra, de Adriana Rodrigues (GO)

MOSTRA CURTAS FANTÁSTICOS

Melhor Filme: O céu sobre os teus ombros, de Luiz Maximiano (SP)

PRÊMIO DIVERSIDADE

Melhor Filme: Submario, de Rafael Aidar (SP)

MELHOR CURTA METRAGEM JURI POPULAR

João Heleno dos Brito, de Neco Tabosa (PE)

PRÊMIO CINECLUBISTA DE MELHOR FILME PARA REFLEXÃO

Uma Família Ilustre, de Beth Formaggini (RJ)

PRÊMIO ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DOCUMENTARISTAS E CURTAMETRAGISTAS/ASSOCIAÇÃO PERNAMBUCANA DE CINEASTAS (ABD/APECI)

Mostra Competitiva Nacional – Atotô, de Bruno Laet (RJ)
Mostra Competitiva Primeiros Passos – A Hora Azul, de Giovani Barros (RJ)
Mostra Competitiva Dália da Serra – Alguma Coisa Na Vida, do Coletivo audiovisual de Luís (BA)

Para concluir

Participar dessa oitava edição do Curta Taquary foi uma experiência incrível, algo singular devido aos múltiplos encontros iluminados, o contato com as obras audiovisuais, os debates, as trocas humanas e aprendizados. Muito bom ver que no interior nordestino também se consegue promover ações de cinema integradas, de alta qualidade e com viés afirmativo. O organizador do Festival, Alexandre Soares disse que “o mais bacana de organizar um festival como esse é promover encontros e reencontros de profissionais da área e do público local, que não tem acesso ao cinema nacional”.

Alexandre também considerou essa edição como a melhor do Curta Taquary porque, segundo ele, foi nela que se conseguiu ter a clara noção do formato do Festival. Com recursos reduzidos em relação aos anos anteriores, parte da pompa e glamour foram suprimidos, mas isso foi importante para que houvesse uma percepção melhor da proposta: a integração dos convidados com a localidade, a imersão e confraternização junto do público. Vivências que perduram e deixam rastros luminosos. A Sétima Arte tem esse potencial de transformar e unificar. Desde já lanço a campanha: #CurtaTaquary2016EuVou!